pub

Fotografia: Luís Espinheira
Publicado a: 16/10/2019

O sucessor de Modern Dancing chegou no início deste mês.

White Haus: “Queria um disco rico em detalhes e pormenores que não saturassem as canções, mas em que tudo teria a sua razão”

Fotografia: Luís Espinheira
Publicado a: 16/10/2019
Body Electric é o novo álbum de White Haus, o alter-ego de João Vieira. Depois de The White Haus Album (2014) e Modern Dancing (2016), o terceiro disco a solo do DJ, músico e produtor é, segundo o próprio autor, uma viagem pelo hip hop de 80s/ finais de 70s, house, acid house, “devaneios psicadélicos”, kraut e “electrónica dos primórdios”. No início desta semana, o Rimas e Batidas encontrou-se com o fundador dos X-Wife no seu estúdio, no Porto, e foi saber mais sobre o processo que nos deu estas 12 canções novas.

Body Electric demorou dois anos a ser feito. Há alguma intenção que une as músicas para além deste período de tempo? O que une as músicas é o alinhamento. Eu fiz este álbum em dois anos, em diferentes blocos e fases, ao longo dos quais deitei umas 15 ou 20 músicas fora. O álbum começou mais na linha das músicas do final do alinhamento. Era mais sombrio, ainda mais electrónico, e muito mais na onda do primeiro disco. Mas, depois de ouvir, achei que a passagem do Modern Dancing para o Body Electric era demasiado voltar às raízes, e senti que deveria fazer algo diferente, em que se notasse uma evolução e ao mesmo tempo que tivesse uma sonoridade diferente dos álbuns anteriores. Por isso, quando compus a “Bodies”, a “Stop” e a “My Lips are Sealed”, por exemplo, senti que teria um caminho novo para o disco. O difícil foi ligar estas músicas, porque achava-as muito diferentes umas das outras. Não sabia se tinha um ou mais EPs, se um álbum era mais aconselhado, mas tinha tanto material que pensei que destas 30 tinha que surgir um álbum. Quando comecei a brincar com os alinhamentos é que me apercebi que tinha um disco. Começava num ponto de partida mais virado para o hip hop de 80s/ finais de 70s, depois passa para uma cena mais house, ligada a Detroit, Chicago e acid house, depois tens uns devaneios psicadélicos, passando pelo kraut e e acaba numa electrónica dos primórdios, mais minimalista, com sintetizadores e caixas de ritmos. É uma espécie de uma pequena viagem, onde se exploram vários géneros musicais e locais, mas em que tudo está ligado e faz sentido. Há uma espécie de degradê que vai passando de música a música. E foi assim que senti que tinha um disco. Então foi um exercício de subtracção? Tu criaste o álbum à posteriori, quando te apercebeste como podias ligar as músicas de uma forma lógica. Eu não criei o álbum, o que eu criei foram muitas canções e nem consegui à primeira transformá-las num álbum. Precisei de insistir com os alinhamentos. Em Body Electric há letras pessoais: por exemplo, “My Lips are Sealed” fala da necessidade que tiveste de largar objectivos, “The Anxiety” da pressão que terceiros colocam nos estilos de vida dos outros. É curioso essa dimensão pessoal cruzar-se com a natureza quente, divertida e até mais leve desta electrónica. Para ti as duas coisas são compatíveis, mas como achas que elas se cruzam? Eu acho que às vezes o lado dramático da vida pode ser cómico, ou podemos vê-lo dessa forma. A verdade é que com o passar dos anos a tua forma de ver o mundo muda, assim como as tuas ambições. Quando tens 20 anos os teus objectivos são uns, com 30 são outros e com 40 também. Eu tenho vindo a lidar com isso, com o que o que é o bem-estar, o que eu procuro na vida e quais são as minhas expectativas. Com 20 e poucos anos podes viver num T0 foleiro e sem condições e tudo isso tem algum charme e faz parte de uma aprendizagem, mas quando tens 40 e tal isso tem um lado deprimente. Criam-se essas expectativas da vida das pessoas, de que tens que ter um certo estilo de vida ou estar num certo patamar. À medida que os anos foram passando eu aprendi que há muitas perspectivas, que há muitas formas de ver as coisas. Com as redes sociais voltei a ver pessoas que já não via há 20 anos e percebi como as nossas vidas são tão diferentes. Essas pessoas se calhar pensam que têm a vida certa, ou se calhar que a tua vida é espectacular e tu ponderas se a tua vida não podia ser outra também. Há um lado cómico nisso, muito cinematográfico também. Eu gosto muito de cinema, de filmes de comédia e dramáticos como os do Woddy Allen. Gosto muito da forma como ele pega no lado dramático das coisas, no seu lado hipocondríaco e ansioso e vê sempre alguma comédia isso. Neste disco há também algo que vem com a idade, que foi eu sentir que já não tinha nada a perder. Porque não expor-me? Porque não falar sobre tudo? Nesta fase as pessoas já me conhecem, este é o oitavo álbum da minha carreira. Porque não explorar um lado um pouco mais louco e mais livre? Foi o que eu pensei e fiz neste disco. Tu experimentas diferentes vozes no álbum: “Bodies” é mais falado, mais cantado em “Table for One”, há inclusive um diálogo jocoso em “Sugar Daddy”. Tu procuraste vozes e personagens para encaixar em cada uma das músicas? Isso vem no seguimento do que eu disse, de me ter libertado para este disco. As canções surgem de uma forma muito natural, eu sei quando elas surgem e quando as tenho que trabalhar. Normalmente, eu deixo-as a gravar enquanto exploro instrumentos, como um teclado ou um baixo, e também faço isso com a voz. Vou falando, cantando, acrescentando vozes e vou criando uma espécie de um pequeno vídeo na minha cabeça. Na “Sugar Daddy” é sobre um gajo que é um falhado, que está deprimido e frágil mas que finge ser forte. Tem uma namorada que acha que ele lhe vai dar um certo estilo de vida que se sente pressionado a dar, mas que não consegue. Quando era miúdo fazia vozes de desenhos animados e imitações, e explorei isso neste disco. Também faço essas vozes a pensar nas de outras pessoas, com o intuito de serem substituídas mais tarde, mas às vezes encaixam tão bem que prefiro não prescindir.

Há quase uma continuação dessa brincadeira que tinhas quando eras miúdo. Sim, acabas por não separar tanto as coisas. No início de um projecto estás constantemente a pensar na identidade que queres criar, qual é o caminho que deves seguir e o que deves fazer. Ao terceiro álbum já não tens nada a provar, e consegues explorar essa liberdade de te deixares ir e de fazeres as coisas como és. Se eu faço estas brincadeiras em jantares com amigos ou em viagens de tours, não posso fazê-las no disco? Pode ser engraçado e até crio uma identidade mais vincada. Deparamo-nos com “WHITE HAUS MASHUP”, um medley de músicas do projecto e respectiva ilustração visual. Qual é a sua origem? E o propósito?  O propósito desse vídeo prende-se com um festival que fui há dois anos, o MaMA Festival, em França. É uma espécie de conferência para bandas, managers, agentes, etc. Nós fizemos um showcase onde apresentámos o projecto, e fizemos entrevistas. Eu fiz o mashup para conseguir mostrar às pessoas num minuto e meio qual era o universo de White Haus. Acho que hoje em dia as coisas têm que ser muito rápidas, e assim conseguia mostrar o projecto sem ter que o explicar muito. O White Haus é um projecto que esteve sempre muito ligado a vídeos. Eu trabalhei até agora com o Vasco Mendes. Todos os vídeos foram feitos por ele, sendo que escolhi as cinco melhores canções com vídeo e fiz um mashup disso. É uma boa ferramenta para mostrares o teu trabalho rapidamente. Há uma ponte interessante entre tu enquanto DJ Kitten e o teu trabalho criativo em White Haus, as sonoridades que exploras em ambos os projectos misturam-se. O digging que fazes como DJ vai buscar influências que trazes para White Haus? Está tudo ligado, porque as influências de White Haus consistem em toda a música que fui consumindo, passando e que aprendi a gostar ao longo dos anos. Desde os meus 12/13 anos que comecei a comprar discos, a fazer cassetes, compilações e a interessar-me muito por música. Não no sentido de ser músico um dia, mas ligado à rádio. Um dos meus sonhos quando era miúdo era ter um programa de rádio. Eu ouvia muita rádio, gravava cassetes e descobria muita música lá. Uma das coisas que me fascinava em Londres eram as lojas de discos, de poder ir para lá e passar tardes inteiras a explorar álbuns. Já havia Internet, mas não havia o que há agora. Eu fui descobrindo música viajando e conhecendo muita gente, que me mostrou muita música. Outra coisa importante foram os meus sets. Quando tinha sets de oito horas no Triplex, por exemplo, ligava muita música diferente, tanto podia passar electroclash como disco ou hip hop. Eu sempre gostei deste trabalho de ligar as canções e de fazer com que elas funcionassem, não gostava de estar limitado a um género musical. Nestes sets longos, se tivesse limitado a um género, as pessoas saturavam-se. Era a procura da canção que fazia as pessoas vibrar, que despertava alguma coisa nelas. E é exactamente isso que estou a tentar fazer quando componho. Não estou demasiado preocupado com a parte técnica nem em seguir fórmulas, estou mais preocupado com que as pessoas sintam algum tipo de emoção ao ouvir a música, seja nostalgia, felicidade ou tristeza. Quando despertas qualquer coisa nas pessoas é porque a música tem algum poder. Se a música é competente mas não chateia é porque se calhar não merece ser ouvida com atenção. Disseste numa entrevista à Blitz, no ano passado, sobre o último álbum dos X-Wife, que o que mudou no processo de criação, comparando com os discos anteriores, foi “trabalhar as canções ao pormenor e ao limite” (em pós-produção). Esta forma de trabalhar é também a de White Haus? Sim, isso confirma-se. O que se passou de diferente com o último álbum de X-Wife relativamente aos anteriores foi que, nesse período de sete anos, todos nós criamos novos projectos. Eu criei White Haus, o Rui [Maia] criou os Mirror People, o Fernando [Sousa] começou a montar o seu pequeno estúdio em casa. Todos nós começámos a ficar adeptos da electrónica, dos sintetizadores e a aprender a trabalhar mais a produção. Também já não vivíamos só da sala de ensaio, dessa energia e de querermos ir para o estúdio, e fizemos o disco à distância, o que levou a ouvirmos as coisas todas ao pormenor. Em estúdio podíamos trabalhar as músicas mais vezes, ao contrário da sala de ensaio, e houve um trabalho exímio de produção e pós-produção, que está dentro de nós os três. Temos uma nova maneira de trabalhar, sabemos melhor como queremos as coisas a soar e somos 3 pessoas a dar palpites e a decidir. O que eu aprendi com isto e que trouxe para White Haus é que, não se podendo perder a identidade, a energia e as canções, tem que haver uma evolução de disco para disco. Acho que isso aconteceu com X-Wife, e este último trabalho é o melhor da banda, e este trabalho de White Haus é o melhor do projecto. Houve um cuidado a trabalhar os beats que não existiu nos outros, foi onde eu investi mais tempo. Eu ouvi os discos anteriores e pensei, “o que pode ser melhorado?”, e para o Body Electric eram os beats e criar mais dinâmicas e efeitos nas vozes. Queria um disco em que existisse uma riqueza de detalhe e pormenor, que não saturasse as canções mas onde tudo acontecesse por uma razão e fosse interessante.

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos