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Fotografia: Os Fredericos
Publicado a: 12/04/2019

Conferências e concertos de Violetta Zironi, João Pascoal & Lince e Beatriz Nunes & Mickey no segundo dia do festival vimaranense.

Westway LAB Festival 2019 – Dia 2: uma lição para a vida

Fotografia: Os Fredericos
Publicado a: 12/04/2019

O segundo dia do Westway LAB começa, à imagem dos anos anteriores, com conferências. E é nas salas do Palácio Vila Flor que tudo acontece. A primeira da manhã, intitulada Supervisão Musical Nos EUA, é conduzida por Lisa Hresko, da A2IM, a AMAEI norte-americana, Eric Johnson, da McCann, rede global ligada à publicidade, e Dan Burt, da J Walther Thompson, uma agência de publicidade multinacional.

Os supervisores musicais têm como uma das principais funções fazer a ponte entre a indústria musical e as entidades que queiram utilizar excertos áudio em seu benefício – no âmbito de publicidade, como são exemplo os casos abordados no presente painel, ou em contexto cinematográfico, como foi explorado na edição de 2018 num debate que juntou Markus Linde, Rodrigo Leão e Pia Hoffmann na mesma sala. O intuito é não só facilitar o processo de escolha mas também garantir que tudo acontece nos trâmites legais, com as devidas licenças e pagamentos a serem garantidos.

Segue-se o interessantíssimo painel Blurred Lines: Onde acaba a composição e começa a produção hoje em dia? Ricardo Ferreira (mais ligado ao campo da produção) e Rui Ribeiro (especialista em arranjos de orquestras) são o centro de uma troca de ideias que visa perceber qual a linha que separa estes dois universos que tantas vezes caminham de mão dada. No início da sessão, Ricardo abre o seu Pro Tools e corre uma espécie de “antes e depois” de uma demo crua que recebera (batida, teclados e voz, num horizonte perto de The Weeknd) e sobre a qual trabalhara. O resultado final, depois de abordado por Ricardo, mostra uma canção mais coesa, com linhas de baixo adicionadas e uma bateria mais refinada.

Logo depois, Rui Ribeiro pega num exemplo muito familiar para mostrar o seu contributo enquanto músico-produtor. Trata-se de “Scratch My Back”, da portuguesa Áurea. A primeira versão mostra uma ideia-base gravada a partir de um teclado ou até mesmo de um computador. O resultado final, depois de passar pelos ouvidos e mãos de Ribeiro, vem acrescido de secções reais de orquestra com toda uma nova dinâmica.

Na óptica dos dois músicos, o sucesso e, consequentemente, o dinheiro que a música poderá almejar deve ser uma consequência e não uma prioridade. “Algumas das minhas melhores produções nasceram em alturas em que nem sequer estava a pensar nisso”, revela Ricardo. Fala-se ainda de deadlines (Rui e Ricardo mostram o tema que contruíram para os prémios Play da Vodafone, um pedido feito poucas horas antes do evento começar), de canções que muitas vezes pedem que se retirem elementos ao invés de adicionar, e ainda da capacidade que um bom produtor tem de escolher pessoas em concreto e não instrumentistas no geral. “Muitas vezes não se trata de contratar um simples violoncelista”, partilha Rui. “Mas sim de contratar aquele violoncelista em específico”, acrescenta.

Todos os anos o Westway LAB convida um keynote internacional para uma entrevista. Coube a Allan McGowan, que já trabalhou como agente, manager e promotor de concertos, a tarefa de dirigir uma conversa com Fruzsina Szep, uma das responsáveis pela organização da versão europeia do Lollapalooza e, num passado recente, programadora e directora artística do Sziget, um conhecido festival húngaro.

A história de Fruzsina Szep podia perfeitamente dar um filme. Nasceu na Hungria e viveu desde muito cedo as problemáticas de um país em plena era da URSS. Fruzsina fugiu com a mãe para Munique; tinha apenas oito anos. É a partir da Alemanha que tentam o tudo por tudo para trazer o pai, cego desde os seis anos de idade, entretanto preso por questões políticas para junto de si. Com muito sacrifício, lá conseguem. Porém, o facto de não se sentirem em casa em Munique, leva-os de volta para Budapeste. Szep, sentido que a Hungria já não era o seu país, decide viajar o mundo em busca de formação académica e profissional.

Esta é apenas a ponta do icebergue (muito mas mesmo muito resumida, acreditem) da vida de Fruzsina Szep, que acaba por voltar para a Hungria, onde se estabelece e ganha os primeiros contactos na área dos espectáculos. Começa por travar conhecimento com uma empresa de som e luz – “comecei a ligar cabos e a perguntar para que servia o equipamento que eles estavam a montar”, partilha – e rapidamente é convidada para trabalhar no departamento de agenciamento de artistas. Daí para a organização do Sziget foi um saltinho. Com ele, arrecada dois prémios no European Festival Awards, na categoria de Best Major European Festival (2011 e 2014).

O desafio seguinte não tardou. Fruzsina acabou por ser convidada para organizar a primeira versão da saga europeia do Lollapalooza, em Berlim, que, até à edição do ano passado – a aventura estreou-se em 2015 –, não conseguiu encontrar sítio fixo. Houve sempre surpresas e condicionantes que impediram o evento de permanecer no mesmo espaço duas edições seguidas, como serve de exemplo a realizada no aeroporto inutilizado de Tempelhof, que teve que ser transformado num asilo para refugiados.

Uma das últimas edições, conta-nos Szep, foi um verdadeiro pesadelo. O facto de o evento ter escolhido como local um parque nas imediações de um importantíssimo memorial das vítimas soviéticas da grande guerra, obrigou-a a reunir-se com o governo alemão e, consequentemente, com representantes de dez países da ex-URSS. Fruzsina viu-se no centro de um verdadeiro embate, com os países envolvidos a não cederem um milímetro na aprovação da ideia. Tudo se resolveu no momento em que Szep se lembrou de incluir no programa do festival um pack de visitas guiadas, cinco por dia, em várias línguas, ao memorial – a negação de tal oferta por parte dos países da ex-União Soviética, explica-nos a palestrante, iniciaria, aí sim, um sério conflito diplomático. Só assim o projecto foi aceite.

Mais do que um caso de sucesso, a história de Fruzsina Szep é um caso de perseverança. Ensina-nos a lutar e a não desistir à primeira dos nossos sonhos e das nossas ideias, seja qual for a natureza.

Cabe a Violetta Zironi a primeira actuação da noite, no Café Concerto. Unicamente munida da sua guitarra eléctrica, a artista italiana, que se apresenta ao vivo pela segunda vez em dois dias (a primeira aconteceu ontem aquando do showcase da sua residência artística com Captain Boy), serve um concerto muito íntimo, relatando ao público alguns episódios da sua vida e as inspirações que a levaram a escrever as músicas. Este, sempre atento, respondeu com sentidos aplausos no final de cada tema.

“Há muita América dentro da música de Violetta Zironi”, pode ler-se no texto-resumo presente no caderno da programação do festival. E é verdade. Apesar de ser italiana, a artista, que editou o seu primeiro EP no ano passado, Half Moon Lane, cujo tema homónimo foi interpretado na noite de ontem, inspira-se na música norte-americana. Há a tristeza do blues, a simplicidade do country e os ambientes sempre agradáveis da folk. E é nessa linguagem simples que Violetta se expressa, com uma voz melosa e elástica que recupera, sensivelmente a meio do concerto, num momento ao piano, o tema “She’s Always a Woman”, de Billy Joel.

Seguem-se os showcases das residências artísticas. Os primeiros da noite, terceiros do programa, colocaram frente-a-frente, no verdadeiro sentido da palavra, por questões de posição no palco, João Pascoal, dos The Happy Mess, e Lince, projecto a solo de Sofia Ribeiro (We Trust; There Must Be a Place). A apresentação do duo inicia-se com um crescendo de baixo e sintetizador que desemboca, passados uns segundos, numa voraz batida sequenciada (esta é a primeira vez este ano que ouvimos uma bateria, ainda que digital, no Café Concerto). Lince trata das melodias enquanto Pascoal segura a harmonia com o seu baixo – lá mais para a frente, larga o instrumento de cordas e agarra-se a um sintetizador para tocar e manipular filtros, quase sempre focado nas frequências graves, que, por vezes, se transformam em arredondados wobbles.

De ano para ano, a audiência no Café concerto parece aumentar. E é mesmo a meio da actuação do duo português que tomamos essa consciência, mais precisamente quando olhamos em nosso redor e nos inteiramos que os corpos que se balançam ao som da música são mais do dobro daqueles que testemunhámos quando aqui aterrámos da primeira vez.

Por fim, Beatriz Nunes (Portugal) e Mickey (Áustria). Pode-se dizer que o lado mais sério dos showcases abordados este ano foi a antítese completa da conexão entre estes dois projectos, que teve como grande epicentro a boa disposição e, a dada altura, uma pitada de loucura. Dos Mickey, duo que se divide entre guitarra e maquinaria, chegaram-nos vibrações pop, como serviu de exemplo o tema que tinha como refrão “last time I checked the earth was still round”; do lado de Beatriz Nunes, alcança-se uma faceta mais ligada ao tradicional, como é o caso da canção “Aurora tem um Menino”, embebida em loops de voz e batida quase popular.

Na sessão de Talks no Tio Júlio, que aconteceu momentos antes das actuações no Café Concerto, Nuno Saraiva, da AMAEI, dizia que uma das condições das residências no Centro de Criação de Candoso é não haver interferência da indústria (editoras, produtores), para que o processo de criação aconteça da forma mais pura e sem condicionamento externo. Esperemos que continue assim.


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