pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/03/2021

Unidos pela amizade e pelas batidas.

Wake Up Sleep: “A beat scene em Portugal está a crescer a um ritmo mais acelerado de há cinco anos para cá”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/03/2021

DarkSunn é o primeiro convidado da série de mixes United By Friendship, uma iniciativa lançada no mês passado pela Slow Habits.

Há um ano, Wake Up Sleep, produtor e fundador da Slow Habits, resolveu encurtar a distância entre os militantes da beat scene lusófona com uma playlist no Spotify, uma espécie de ponto de encontro entre artesãos da batida, de modo a tornar mais palpável este segmento tão específico dentro da cultura hip hop. Além de traduzir em números este movimento — já mais de cinco dezenas de artistas tiveram a sua música exposta em United By Friendship — fomenta-se ainda a possibilidade para que estes intervenientes se possam conhecer uns aos outros, quem sabe se para trocar impressões, colaborar futuramente ou apenas para perceberem que há de facto vários outros cérebros a operar em estúdios caseiros com um propósito comum. Até porque sentir que não estamos sós em algo pode ser, mais do que nunca, bastante reconfortante. A “sala de convívio“, um canal que mora no Discord, está à distância de um par de cliques.

Nesta nova etapa de United By Friendship, os temas submetidos para a lista de reprodução transitam para o que a Slow Habits apelida de Community Mix, um set sem quebras que nasce de um desafio que a editora lança a um DJ/produtor convidado. DarkSunn, guardião da Monster Jinx e símbolo de veterania dentro da cena beat portuguesa, aplica a sua técnica para fazer “colar” 44 faixas já pré-definidas pela label no primeiro episódio da rubrica. As submissões para integrar o cantinho de United By Friendship no Spotify mantêm-se abertas (é só contactarem a Slow Habits através de um dos seus canais) e, a cada 50 novos instrumentais, um outro protagonista entrará em acção para compilar a matéria em mais uma Community Mix.

Numa troca de e-mails com o ReB, Wake Up Sleep explicou-nos o que o levou a dirigir este projecto comunitário.



Quando é que arrancaste com a United By Friendship no Spotify? Tens ideia de quantos artistas ou faixas já passaram por lá desde então?

United By Friendship faz parte de uma sequência de mottos que tenho vindo a desenvolver e a estabelecer na Slow Habits como forma de operar e projectar ideias. A playlist surgiu no Spotify mais ou menos em inícios de 2020, no curto espaço de tempo após a pandemia se ter agravado no país e acabarmos a estar todos isolados uns dos outros devido às regras de confinamento. Durante este período de isolamento (que infelizmente ainda prevalece), aproveitei para colocar esta ideia em prática e, desde então, já ultrapassámos mais de 50 artistas nesta playlist comunitária totalmente dedicada à beat scene em Portugal e países lusófonos.

Além de vos permitir conhecer a música uns dos outros, sentes que a playlist ajuda também a promover o contacto directo entre os criativos?

Definitivamente. Toda a ideia no seu desenvolvimento desencadeou uma certa curiosidade, em grande parte dos artistas, em saber também quem estaria presente nesta playlist. Naturalmente, cada um fez o seu digging e penso que alguns não se conheciam antes da criação desta playlist, o que acredito ter sido um contributo positivo para o crescimento desta comunidade. Na verdade, esse foi um dos objectivos principais. Mais do que dar a conhecer estes artistas a um público, é também crucial conhecermo-nos entre nós para termos uma percepção mais “real” do que se passa enquanto beatmaking community.

Sentes que há, de certa forma, um antes e um depois da United By Friendship na cena beat nacional?

Sinto que sim. Não de uma forma exponencial mas muito substancial. Devo dizer que a própria beat scene em Portugal está a crescer a um ritmo mais acelerado de há cinco anos para cá. Também pelo o factor das redes sociais e as próprias plataformas digitais elevarem muito mais os produtores nos dias de hoje, que talvez não acontecesse a esta escala noutros tempos. A diferença entre o antes e o depois é que estamos mais próximos do que posso chamar de “community goal“. Cada artista é um elemento crucial dentro deste ecossistema. O que resulta deste tipo de iniciativa é a possibilidade de cruzarmos conhecimento, a partilha de interesses e a aproximação de modo a que se formem amizades. Contudo continuamos limitados apenas ao mundo digital e transformar a beat scene nacional teria também de passar pelo espectro físico.

Como funciona a escolha de temas no Spotify? Existe alguma forma, para quem ainda está fora do ecossistema da slow habits, de submeter faixas ou há alguém da editora delegado para a tarefa de descobrir novas malhas e talentos?

Neste momento todo o processo e curadoria tem sido feito por mim, visto que estou encarregue da total gestão da editora, ainda não deleguei a ninguém para executar essa tarefa. Mas é algo que tenho em mente para um futuro próximo. O processo de selecção passa pelo próprio juízo de valor sobre a track submetida, pelo gosto pessoal e pela contextualização relativamente aos instrumentais presentes na playlist, tendo em consideração que essas obras serão mais tarde ramificadas para um beat set. De resto é bastante simples, utilizei vários formatos ao seleccionar as faixas e artistas, desde formulários no nosso site para submissão de tracks, a partir do Discord da Slow ou até à comunicação directa com os artistas a partir das redes. Estes dois últimos formatos foram os que se revelaram mais naturais para o meu modo de comunicar — grande parte das faixas foram adicionadas desta forma. Para os que estão fora deste ecossistema, são bem vindos a submeter tracks directamente para o nosso e-mail (os formulários foram descontinuados), a partir das redes, através do nosso Discord ou comunicar diretamente comigo. Fica aqui estabelecido que é apenas aceite uma track por artista, de modo a que exista uma maior diversidade e variedade no próprio catálogo. A ideia é também não repetir artistas e faixas. Pode ser aceite uma faixa colaborativa de artistas que já tenham tracks individuais na playlist. No fim de contas é também um objectivo observar o crescimento da United By Friendship no Spotify, obtendo assim uma percepção mais ou menos relativa da comunidade de produtores em Portugal e na lusofonia.

Agora num novo formato: o que te levou a escolher o DarkSunn para este capítulo inaugural do United By Friendship Community Mix?

Ter escolhido o DarkSunn para inaugurar o primeiro Community Mix surge na gama de ideias em que ele próprio é DJ e produtor. Já tive o prazer de assistir a alguns sets dele em que me deu uma certa felicidade vê-lo misturar música instrumental com faixas que são predominantemente marcadas por voz. Pode ser algo comum mas eu não tinha muito essa ideia de um DJ e ele foi uma das pessoas que conseguiu reformular essa ideologia pré-concebida da minha parte. E ele fá-lo de forma flawless. O DarkSunn tem sido uma figura muito relevante e importante na cultura beatmaking em Portugal e arredores. A receptividade que ele transpõe impressiona-me, ainda mais sendo um dos OGs da nossa beat scene, traz muito mais valor ao que aqui pretendia estabelecer. E com toda a fundação por trás — CEO da Monster Jinx, criador de um programa dedicado aos produtores, Tape Delay, na Radio Ophelia —, teria de ser, sem sombra de dúvida, a pessoa que introduziria esta primeira etapa na busca da união pela amizade.

O que se segue a partir daqui? Já começaram a ser estudados os próximos episódios e convidados? Há alguma periodicidade definida para estes lançamentos?

Sim, está tudo “slowly processing“. Mas como o nosso lema principal indica, “slowly growing“, penso que é importante seguir o rumo natural das coisas e deixar que isso nos leve. Claro que é sempre necessário a tal mão humana para direcionar o rumo e é dentro desse balanço que estamos e estou inserido. Tendo isso em conta, a playlist tem um sistema de rotação até se definir o próximo mix, não dependendo assim de prazos pré-definidos. A United By Friendship no Spotify funciona da seguinte forma: por cada 50 instrumentais adicionados à playlist é convidado um DJ para misturar esses mesmos beats ao seu gosto. Essa limitação de não ser o próprio DJ a seleccionar as tracks traz o tal desafio criativo que torna cada Community Mix única, ao flavour de cada convidado. Neste primeiro episódio foram recebidos 44 instrumentais apenas, os seis instrumentais que não foram recebidos vão passar para uma segunda fase de integração na segunda mix. E por aí em diante caso a situação se repita, tanto que não será colocado um limite de tracks nesta playlist. Neste momento já recebi mais instrumentais e está a ser pensado quem será o próximo convidado, se bem que já tenho uma vaga ideia de quem será, agora resta saber se este artista terá disponibilidade.

Os dois formatos (mix e playlist) vão coexistir? Se sim, e além do processo de mistura, em que mais é que se podem vir a diferenciar?

Estes dois formatos de mix e playlist vão coexistir dentro deste motto (United By Friendship). Por cada lema é definido um tipo de organização e estrutura que na prática pode-se traduzir em diversos tipos de conteúdo. Contudo existe esta faceta mutável que parte do tal princípio de “slowly growing“. Existindo sempre um factor de conectividade face à união dos artistas, em ideias pré-estruturadas com intenção de criar desafios e temas que estimulem a criatividade, crescimento pessoal e colectivo. A intenção será sempre inspirar a fazer diferente, a não repetir os passos anteriores.
Visto que o foco inicial na criação da United By Friendship se baseou em alguns factores que interferiram e ainda hoje interferem com o desenvolvimento de um ecossistema sustentável em todos os sentidos, desde o isolamento durante o período de pandemia, as baixas percentagens nos pagamentos por visualizações das plataformas digitais, a possível ruptura de uma comunidade, as diversas consequências que o mundo enfrenta neste momento, desde o racismo, as mudanças climáticas à rápida evolução tecnológica que nos afronta… todas estas causas e consequências serão determinantes na definição dos próximos acontecimentos na Slow Habits. United By Friendship reflecte a preparação que devemos ter enquanto comunidade de artistas e seres humanos que coexistem no mesmo planeta. Com isto já estou de certa forma a revelar parte do segundo motto, que está em processo de fundamentação ainda. Mas é este o foco na verdade: intervir no fluxo de acontecimentos com vontade de alterar o panorama da nossa cultura e estabelecer valores que são realmente comuns a todos pode muito bem começar por aquilo a que chamamos de amizade.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos