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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Hugo Lima
Publicado a: 17/08/2023

Entre Snail Mail, Yo La Tengo, Julie, Frank Carter & The Rattlesnakes e Jessie Ware no dia inaugural.

Vodafone Paredes de Coura’23 — Dia 1: vir e ver para crer

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Hugo Lima
Publicado a: 17/08/2023

As imagens por vezes enganam-nos, mas é verdade o que se tem dito nos últimos trinta anos: o Couraíso é real, existe mesmo, e — não estando a ser feita esta estreia a título pessoal em regime de campismo — ainda nem vimos este éden à metade. Quem o confirma é gente desde Lindsey Jordan, que se confessava deslumbrada com a paisagem do Porto (mesmo sem saber bem onde estava) em comparação com a “fucking ugly” Baltimore de onde veio, a Jessica Ware, que escolheu Portugal para passar férias em família, mas foi por Paredes de Coura que mais se encantou.

E são elas duas mulheres bem diferentes a chegar à mesma conclusão. A primeira, “miúda” dos seus 24 anos que ainda dão ares de adolescência, tem à flor da pele a força inconformada da juventude, e vê-la à frente de Snail Mail no Palco Yorn mal demos entrada no recinto revelou-se surpreendente a vários níveis: a capa de Valentine, segundo disco editado pela Matador Records — que, aliás, andou em constante rotação deste lado em Novembro de 2021 —, já indicia uma certa irreverência no espírito teen, mas o dead pan impresso no retrato da vocalista da banda que se estreou em 2018 com Lush mais casa com o da figura feminina de Julie, igualmente inexpressiva quanto os seus dois companheiros de palco, trio de Los Angeles que sucedeu ao quarteto de Maryland.

Daí estranhar-se, à primeira, a irrequietação interactiva de Jordan, ainda para mais tendo em conta o registo bedroom do seu indie rock. Ao vivo é outra coisa. E nem os sucessivos problemas nas guitarras e falhas nos microfones desmotivaram a cantora e guitarrista que de pequena só tem mesmo as dimensões corporais. Admirada ficou ela, porém, com a adesão de quem, do princípio ao fim, esteve lá para os ver ainda o sol se punha. Admirados ficámos nós com a sua entrega à imagem das cores originais de um festival que tem — para lamento de uns e persuasão de outros, já se sabe — apostado cada vez mais em tonalidades diferentes, como a programação desta edição reflecte.

Ainda assim, o primeiro dia terá sido, parece-nos, o mais fiel dos que ainda se avizinham às origens do Taboão: não só Snail Mail nos mostrou como se rocka como gente grande, mas também os californianos Julie vieram para, sem muito alarido, partir a casa toda, como nesta sede se costuma metaforizar. Sob pano de fundo Windows XP e respectivas actualizações (com vírus à mistura, só pode) a correr em segundo plano, a impenetrável tripla pôs em prática o seu shoegaze tecnicamente agressivo e o seu grunge subsversivamente angustiante, equilibrado quanto bastava para ir a fundo na instrumentalização ensurdecedora e, no momento certo, saber pôr travão ao caos organizado ao detalhe, com alguma água na fervura — que de nada valia perante uma plateia em constante delírio entre mosh pits e crowd surfing. 

Já Ware é feita de outro calibre e aponta, invariavelmente, a um diferente e mais alargado público. Reconhecida globalmente por temas maiores, que não podia deixar de cantar, como “Freak Me Now” e “Pearls” — que a levou a abrir braços à primeira fila — do seu mais recente That! Feels Good!, aventurou-se, até, a “Believe” de Cher, imagine-se. E, mesmo acompanhada por um par de músicos, outro de back vocals e um terceiro de bailarinos, Jessie Ware não ficou a dever assim tanto a estrelas da mesma gama como Dua Lipa. Com mais soul que pop no cardápio, não deixou de trazer um espectáculo cintilante que, não sendo à partida enquadrável na oferta expectável da linha tradicional do PdC, conquistou, disso não haja dúvidas, a grande mancha de gente que tinha à sua frente enquanto única cabeça-de-cartaz propriamente dita deste dia 16. Não fosse ela uma já experimentada artista de carreira feita, apesar do seu sucesso relativamente recente.

Coisas que a juventude dá e a experiência apura. Porque não é, pelo que vimos neste primeiro dia de festival, a idade que dita a agilidade de um músico. Que o digam Frank Carter e os seus Rattlesnakes, que na pessoa do líder facilmente tiveram na mão uma multidão colina acima com uma atitude punk entusiasta e revigorante; mas mais ainda os veteranos Yo La Tengo, quer na estóica versatilidade de Georgia Hubley e James McNew, quer na violência fascinante de Ira Kaplan numa relação de amor-ódio com a guitarra. Ambos os conjuntos revelaram-se — cada um à sua maneira, claro está — exemplares da regra que se repete ao longo de décadas por esta altura: independentemente de quem cá vem tocar, é a viagem que conta e, apesar do desalento particularmente sentido pelos habitués destas andanças para com o cartaz da edição deste ano, continua a haver um mar de courenses (vindos não só do resto do país, mas também, expressivamente, de Espanha e França) emprestados à vila a meio de Agosto, descomplexados como em poucos outros festivais nacionais se encontra, pouco ou nada preocupados com nomes e alinhamentos. É o que fica desta primeira impressão — e são essas que contam. Mas temos mais três dias pela frente para a confirmar.


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