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Publicado a: 25/11/2017

Vodafone Mexefest – Dia 1: O hiper-realismo de Oddisee

Publicado a: 25/11/2017


[TEXTOS] Ricardo Farinha, Alexandre Ribeiro e Alexandra Oliveira Matos [FOTOS] Sebastião Santana, Catarina Craveiro (Surma) [VÍDEO] Luis Almeida

Largámos os horários do Vodafone Mexefest em casa e partimos para a Avenida da Liberdade a pensar no caos organizado que seria (tentar) ver todos os concertos. Antes disso, uma passagem pela loja Impasse com r&b e hip hop a saírem das colunas. Um aquecimento que também poderia ser uma lista de desejos para a edição de 2018. SZA, Daniel Caesar ou BadBadNotGood são apostas ganhas. A dica está dada.

Depois de um jantar para preparar o estômago para as largas horas de vaivém, a equipa Rimas e Batidas dividiu-se e partiu à descoberta. À partida, os vencedores estavam escolhidos, mas as surpresas fazem-se sempre sentir num festival que aposta nos novos talentos.


tnt


Bem-disposto e cheio de energia, TNT levou uma banda completa para estrear o palco da curadoria Ciência Rítmica Avançada no Palácio da Independência. Nos últimos anos, o público do rap português cresceu de forma exponencial e, naturalmente, dividiu-se entre várias facções – que obviamente não são estanques. O veterano rapper de Almada é um dos que está na posição ingrata de fazer música para um público mais restrito dos chamados hip hop heads – pode ser sinal de qualidade, mas nem tinha necessariamente de ser assim.

Como mostrou em palco, TNT tem argumentos para fazer um espectáculo sólido, maduro, aberto e “democrático” o suficiente para agradar a tantas outras pessoas. Talvez não possamos falar do público mais adolescente, mas antes de uma audiência mais experiente e que se identifica com as várias camadas da música negra. Contudo, o líder da Mano a Mano continua positivo, como lhe é característico, e não desiste, mesmo que seja “Pro Bono”. “Às vezes ainda me emociono quando canto esta música”, diz para a sala. “Se calhar não devia dizer estas coisas [risos]”.

Foram vários os temas de MDO que pudemos ouvir ao vivo, sempre num registo soulful e carregado de groove, em plena sintonia com a banda e com quem assistia. Kulpado, o parceiro de rimas e batidas nos M.A.C., ajudou a escrever uma página na história do concerto; e Melo D levou ainda mais groove a “Check In” e deixou o espaço com “Boas Vibrações”. Ficamos com a sensação de que TNT e a sua banda podiam fazer digressões nacionais no circuito dos auditórios e pequenas salas de espectáculos. E nem seria preciso pôr nada de lado no prato do hip hop.

– Ricardo Farinha


iamddv


“It’s a Vibe”. O título da canção é de 2 Chainz, mas a frase aplica-se totalmente a Iamddb. A artista britânica, que nasceu em Portugal, mais concretamente em Cascais – fez questão de reforçar durante o concerto -, é um talento em bruto. A arrogância quando começa a cantar/rimar contrasta com a ingenuidade e o deslumbramento de quem ainda não percebeu como é que chegou até aqui.

O instrumental de “Back Again” deu o pontapé-de-saída para o concerto, que, surpreendentemente, contava com uma sala cheia de curiosos e uma linha da frente com fãs fervorosos. A interacção com o público acabou por ser uma faca de dois gumes, quebrando o ambiente com as intervenções em português que se alongavam por largos minutos. Não machucou, mas…

Os três trabalhos lançados desde 2016 foram a linha condutora do espectáculo. “Childsplay”, “Drip City”, “Pause” ou “Trophy” estiveram em destaque no alinhamento, amostras da capacidade enorme de se desdobrar em duas: a rapper e a cantora.

“Shade” foi o momento alto do concerto. Uma faixa para uma geração millennial que acabou por levar uma série de pessoas em cima do palco, todas elas com os telemóveis em modo gravação para não se esquecerem que dividiram o precioso espaço com Diana de Brito.

“Amo-vos tanto”, disparou a cantora em bom português. Estreia prometedora em Portugal. O potencial está lá e a irreverência também. O futuro é já ali…

– Alexandre Ribeiro


micro


De óculos escuros na cara, Sagas e D-Mars subiram ao palco do Palácio da Independência um de cada vez, para se juntarem a Nel’Assassin – que já fazia o que queria dos pratos. O regresso dos três arrancou logo com música nova e o manifesto microlandês de colocar os “Pontos nos Is”, novo single produzido por SP Deville. Os Micro estão em grande forma e tiveram uma prestação exemplar: a experiência é mais do que evidente, a harmonia entre os elementos também, o palco é a praia do trio.

Assistir a um concerto dos Micro é recordar uma fase tão importante do hip hop nacional, desde o final dos anos 90 até aos primeiros anos do novo milénio. Os temas parecem ter amadurecido nas melhores barricas e não soam em nada desactualizados. Nota-se sobretudo na produção – pareciam beats à frente do seu tempo. Mas a história não deixou de ser escrita nesse momento e vêm aí novos capítulos na história do grupo (cá estaremos para as contar).

Nel’Assassin não é apenas um elemento que coloca os instrumentais para as rimas dos MCs – atrás da mesa, comanda toda a operação. Canta refrões, faz os scratches ao vivo e marca o ritmo da orquestra Micro. Já a entrega dos rappers é emocionante.

Além dos clássicos da Microlândia, conseguimos ouvir temas de Mentes Conscientes ou dos trabalhos a solo dos rappers. Com sala cheia e público a cantar as letras com entusiasmo – havia muitas caras conhecidas entre a plateia -, Sagas e D-Mars não conseguiram esconder a satisfação. “Estamos de volta”, disseram determinados. O mote está dado.

– Ricardo Farinha


oddisee


Ao contrário de todos os artistas que vimos em palco durante o primeiro dia do Mexefest, a entrada de Oddisee foi, estranhamente, simples, entrando quase em simultâneo com DJ Unown, sem alarido nem folclore. Sem querer, dizemos nós, acabou por marcar uma posição desde o início: estou aqui para vos mostrar o que valho. Sem fogo-de-artifício. Puro e duro.

“Ando a quebrar estereótipos desde que nasci”, revelou o artista, remetendo para a sua ascendência: é filho de mãe afro-americana e pai sudanês. Com uma mensagem positiva e realista, Oddisee é o mais importante músico de uma geração que ainda não reconheceu totalmente o seu pacote de qualidades. Neste momento, o MC deveria estar entre J. Cole e Kendrick Lamar na lista de maiores talentos desta era.

E vê-lo ao vivo é a melhor forma de confirmar que estamos perante um diamante: flows para dar e vender, entrega irrepreensível e empatia que não se compra. Caso sério, portanto.

The Iceberg mereceu grande destaque – “Things”, “Like Really”, “NNGE” – que trouxe o DJ para a frente do palco para rimar – ou “Hold It Back” – , mas também existiu tempo para viajarmos até 2015 através de “That’s Love” ou “Meant It When I Said It”, faixas de The Good Fight.

Na estreia em Portugal (e o último espectáculo da sua tour europeia), Oddisee ainda conseguiu colocar o público em alvoroço quando decidiu brincar, chamemos-lhe assim, com o trap e desacelerou um tema seu e transformou-o num banger que, facilmente, seria número 1 no Hot 100 da Billboard. Se algum dia quiser vender a alma ao diabo, a verdade é que a sua cotação está bastante alta…

– Alexandre Ribeiro


surma_8106


Acabavam os Micro no Palácio da Independência e o tempo era ainda mais curto que as pernas para chegar ao São Jorge a tempo, mas não falhámos por muito. A fila para entrar na Sala Montepio era considerável e andava a conta-gotas, ainda que houvesse algum espaço para preencher lá dentro.

No palco estava Surma rodeada do seu manancial de pedais, botões, teclas, guitarras, microfones, fios e mais fios. De pés descalços, Débora Umbelino ia arrancando sons de paisagens incertas a todos os instrumentos em que ia tocando e vários trejeitos ao público que no fim de cada música aplaudia sempre de forma efusiva. Havia gente sentada mesmo à frente do palco, outras distribuíam-se pelos dois outros patamares da sala. Por toda a parte ouvia-se “ela é tão fofinha”, talvez pela delicadeza com que toca cada instrumento, talvez pela forma como se movimenta entre instrumentos num espectáculo que é só dela, talvez pela forma simpática e sorridente com que agradecia sempre os aplausos. O certo é que Surma lançou o seu primeiro álbum, Antwerpen, apenas em Outubro deste ano, e há já quem reconheça as músicas e as aplauda aos primeiros acordes.

Neste concerto passou por quase todo o álbum e outras tantas num total de doze temas aos quais não podia faltar “Hemma”, a terceira música do alinhamento, e “Maasai”, que tocou mesmo a meio. No final houve quem fincasse pé à espera de um abraço, um beijinho ou um álbum autografado e Débora não falhou a ninguém.

– Alexandra Oliveira Matos


ikopongo


O “pai banana” José Eduardo dos Santos abandonou o poder e parece que estão a acontecer mudanças relevantes em Angola, mas o activismo de MCK é mais necessário do que nunca para as coisas se encaminharem num bom sentido. “É tempo de Angola acordar para a cidadania”, diz o rapper angolano, que fecha a edição deste ano da curadoria com selo Rimas e Batidas. “Já não temos o pai banana, agora temos o J-Lo”, brinca Luaty Beirão, um dos convidados pelo parceiro MCK.

A música interventiva do rapper fez-se ouvir através dos pratos de Nel’Assassin (de novo chamado ao palco) e do hype man e (grande) cantor Isac. As sonoridades africanas da banda entranham-se nos beats orquestrais de hip hop. As letras são, como sempre, compostas por rimas ousadas e desafiadoras do regime que há tantos anos dirige o país – e que é tão urgente de mudar.

O mais interessante é que esta vanguarda de activistas angolanos, de tudo aquilo que podia fazer para chegar ao seu objectivo, usa o rap como forma de expressão e como veículo para mudar um sistema político que governa milhões de pessoas. É incrível pensar na disparidade que o hip hop pode ter, desde esta força real social à música popular e despreocupada que milhões de pessoas por todo o mundo consomem em festas. MCK não terminou o concerto sem abrir o apetite para o novo álbum, que, adianta, vai contar com os cortes precisos do alfaiate Nel’Assassin.

– Ricardo Farinha 


valete


O auditório do Cine-Teatro Capitólio esteve sempre composto para assistir às diferentes formas de hip hop e a actuação de Valete não foi diferente. Sem um álbum editado desde 2006, o artista continua a ser um dos nomes mais acarinhados pelo público.

“Poder”, uma das faixas mais recentes do autor de Educação Visual, estreou o alinhamento. Uma aula de história dada pelo professor Keidje Lima e uma maneira de nos prepararmos para o que seria o resto do concerto.

Numa homenagem ao hip hop nacional e uma espécie de definição de “quem é quem”, Valete atribuiu cognomes a Dealema, “Os Espartanos”, Mind da Gap, “Os Pioneiros”, Chullage, “O Guardião”, Sam The Kid, “O Ilusionista”, Xeg, “O Sábio”, Capicua, “A Imperatriz”, Dillaz, “O Infante”, e Slow J, “O Anjo Azul”.

Moralista ao longo de todo o espectáculo, o MC pediu desculpa ao hip hop, disse que que eram precisas mais mulheres a rimar – destaque para a referência às Jamal, o primeiro grupo feminino de rap português – e, como é seu apanágio, falou da ostentação que se vive no género musical. A mensagem que repete em “Rap Consciente”, potente tema que marcou o seu regresso e que não poderia faltar no conjunto de canções escolhidas para apresentar no festival lisboeta.

Clássicos como “Fim da Ditadura”, “Canal 115”, “Subúrbios” ou “Roleta Russa” não faltaram e fizeram as delícias de todos aqueles que marcaram presença para ouvir as canções mais antigas. Em forma e a “cuspir” com a mesma veemência que lhe reconhecemos desde que começou o seu percurso singular na música nacional.

– Alexandre Ribeiro


on


Não temos muitas mais palavras para dedicar aos Orelha Negra. São eles que não dizem uma única frase durante um concerto, mas somos nós que ficamos sem saber o que dizer. São, provavelmente, a melhor banda portuguesa da actualidade. E estrearam-se no Coliseu dos Recreios, a encabeçar o primeiro dia da edição de 2017 do Vodafone Mexefest.

Os efeitos visuais e de luzes hipnotizaram um público que vibrou durante toda a actuação. Os Orelha Negra levaram-nos pela sua viagem de sonoridades, que atravessa muitos climas e texturas distintas.

Equilíbrio é a palavra-chave: o scratch raw de Cruzfader a evocar o espírito directamente mais hip hop; os samples disparados por Sam The Kid que funcionam como carimbos no passaporte desta jornada; o maestro Fred Ferreira a marcar o ritmo desta orquestra épica que atravessa o hip hop, a soul, o funk, o jazz, o disco e tantos outros sons; o baixo groovy de Chico Rebelo, que é um dos principais alicerces de todo o espetáculo; e os inúmeros mundos que João Gomes solta a partir dos teclados.

Um concerto de Orelha Negra é uma epopeia de histórias, sentimentos e aventuras, que nos levam a tantos lados. Não há qualquer falha na interpretação destes senhores músicos, simplesmente harmonia, originalidade e perfeição. Terminou e nem sabemos como reagir. Só podemos agradecer mais uma vez.

– Ricardo Farinha

 


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