Mais logo, pelas 18 horas, a Casa das Artes Bissaya Barreto, em Coimbra, inaugura a nova exposição do artista plástico angolano Hamilton Francisco, mais conhecido como Babu. Quem também estará por lá será Vítor Rua, que se apresentará em concerto pelas 19 horas.
Sempre com novas ideias a borbulhar, enviámos sete questões ao criativo músico para perceber aquilo a que se propôs para a criação da banda sonora de Diálogo Babu x Cassiano e, entre outros assuntos, a utilização de um instrumento que chegou a rejeitar usar nas suas obras.
Como é que surgiu esta colaboração com o pintor Babu?
Conheci o Hamilton Babu já há muito anos, através da performer Luísa Francisco. Embora tanto eu como ele seguíssemos cada um a carreira do outro, era daquelas situações do “um dia havemos de trabalhar juntos”. Esta foi essa “altura”. Foi o instante em que a nossa amizade e profissão se mesclaram. Além da exposição de pintura que vai apresentar na Fundação Bissaya Barreto, havia o LP, que era o objecto de arte perfeito para a nossa reunião.
Tens um longo historial de colaborações com artistas visuais, recuando ao António Palolo. O que torna este tipo de parceria tão apelativa para ti?
Na verdade, já nos GNR, no mítico LP Independança, colaborei com o pintor Luís Camacho (que nos fez a excelente capa). Com os Telectu ficou o António Palolo, artista que funcionava como um terceiro Telectu pois não só nos fazia capas como montava instalações ou realizava vídeos para os nossos concertos. Isto além de estar presente nas nossas vidas diárias. Mas houve outros pintores na minha vida, pois eu próprio adorava pintar e fascinava-me ver ou falar com pintores e observar como funcionavam na sua arte.
Podes explicar as duas peças que apresentas neste teu novo LP?
As duas peças têm em comum o terem sido realizadas em 2018, nas Caldas da Rainha. A peça de guitarra vem na tradição das minhas obras para guitarra ambiental, algo que iniciei no Of Melancholy e posteriormente no Of Serenity. Pretendo realizar música que não precise ser escutada, mas apenas ouvida e sentida. Que sirva para ler, estudar ou dormir e relaxar. Mas que simultaneamente seja uma peça que pretendo importante para o repertório deste instrumento. Já a peça electrónica, realizada num sintetizador analógico construído propositadamente para mim pelo inventor holandês Paul Tas, é uma obra que eu gostava que se inserisse na tipologia musical da música electrónica (na senda de um Stockhausen ou Xenakis, e não como agora o termo é utilizado para descrever a música pop electrónica). É uma obra aparentemente simples (construída a partir de quatro notas musicais), mas levei muito tempo a compô-la, pois desejava que fosse uma obra solística de electrónica, que representasse uma forma de tornar real a minha filosofia musical de criação que intitulo de “Ordem Zero”, ou seja, uma ordem onde todas as múltiplas possibilidades de realização sejam compatíveis uma com a outra, tal como acontece quando estamos numa casa e se escuta música numa sala e na outra está a passar uma música diferente, e nós (ouvintes), estando no corredor da casa, escutamos as duas músicas como se de uma só se tratasse. Esta forma de compor teve início na minha carreira em 1999, embora só a tenha posto em prática, na realidade, na minha obra para orquestra Arbeit French Fries, que escrevi para a OrquestrUtópica.
Peças para guitarra acústica não têm sido muito comuns na tua discografia, pois não? Tenho-te ouvido sobretudo em instrumentos electrónicos ou guitarras eléctricas processadas…
Tens toda a razão: não só a guitarra acústica tem sido muito pouco usada nas minhas obras, como houve uma altura em que a rejeitava mesmo, por a achar totalmente fora do contexto do meu trabalho. Até que um dia pensei: “mas durante a minha infância e adolescência sempre adorei a guitarra acústica, porque não utilizar essa prática?”. E foi assim que, lentamente, regressei à guitarra clássica acústica ou de cordas de metal e até mandei construir em 2000 uma guitarra propositadamente para mim pelo Luthier Gil de Oliveira. Foi muito fácil integrar a guitarra acústica nas minhas obras pois toquei-a durante pelo menos uma década e com treino clássico. Recordo-me de um momento decisivo, em que fui tocar num festival de música improvisada na Galeria Monumental, e contra todas as chances, apresentei-me com uma guitarra clássica e tive muito bom feedback por parte do público, mas também por parte dos meus colegas músicos (recordo-me que o Rafael Toral adorou essa parte do concerto), o que para mim serviu de incentivo para continuar. Mas, na realidade, apenas uma vez na minha vida dei um concerto usando apenas a guitarra clássica e esse concerto foi na Bienal Jorge Lima Barreto, em Vinhais, com o Carlos Zíngaro e o Carlos Barreto. Na actualidade, escrevo cada vez mais para a guitarra acústica.
São dois instrumentos muito diferentes, os que usas neste LP. Essa decisão teve a ver com a arte do Babu?
Teve, sim! Eu cheguei a propor ao Babu que o disco fosse unicamente de guitarra, mas ele, depois de escutar as duas obras, sentiu que a peça electrónica se conjugava com a forma como trabalhava no seu estúdio e creio que chegou a trabalhar a escutar a minha obra. Se tivesse de fazer uma analogia, estas duas peças seriam uma espécie de Yin e Yang: uma requer atenção e alguma disponibilidade para a usufruirmos e a outra podemos simplesmente limitar-nos a “estar” presentes.
Vais apresentar este álbum ao vivo em Coimbra: suponho que vás usar os instrumentos originais? Como vais resolver o facto de cada uma das peças usar mais do que uma pista? Vais fazer uma versão “redux”?
A peça da guitarra é relativamente fácil reproduzi-la recorrendo a um pedal de loop e tocar comigo próprio. Já a peça electrónica requer o uso de “suporte digital” (algumas das pistas estão pré-gravadas) e depois toco por cima dessa base. Não é fácil, mas não é impossível. Inicialmente era para ser reproduzida em octofonia (será o ecossistema ideal).
Tens mais alguma aventura deste género planeada até ao final do ano?
Deste género, a trabalhar directamente com um pintor, não. Mas estou a trabalhar com o Zé Moura da Flur (que me está a produzir um duplo CD), que vai ser trabalhado artisticamente (a capa), pelo Márcio (também da Flur e da Holuzam), e irão sair dois CD, realizados durante a pandemia, já no campo, em Vila Cova de Alva, num novo estúdio. Será música muito linear e minimalista, uma espécie de viagem no tempo, até às obras de um Halley dos Telectu. Tenho muita fé neste objecto artístico que se está a construir.