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Publicado a: 09/11/2018

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[TEXTO] Miguel Santos

Vince Staples está de volta. “Get the Fuck Off my Dick”, um tema taciturno acompanhado por uma campanha de marketing hilariante e inventiva, tinha sido a última vez que apareceu a solo no radar. No seu novo álbum, FM!, o conceito é outro: um segmento de vinte minutos (quase) seguidos de música mostrado por Big Boy, conhecido apresentador de rádio de Los Angeles. No seu terceiro “longa-duração”, o rapper de Long Beach continua a sua caminhada como um dos mais distintos e honestos rappers no hip hop norte-americano.

À semelhança do digital e sucinto Big Fish Theory, em FM! as rimas concisas de Staples assentam por cima de instrumentais electrónicos que contribuem para o ritmo frenético do álbum. Kenny Beats é o principal responsável pela atmosfera sonora que se ouve mas Hagler também volta a colaborar com Staples, um dos primeiros produtores a capturar a essência do rapper em temas como “Blue Suede” ou “Screen Door”. Seja qual for o produtor, as músicas de FM! estão bem conjugadas entre si, uma qualidade que dá mais força ao conceito do álbum.

Depois da descarga energética de “Outside”, de letra ameaçadora e beat acelerado, a música abranda para entrar sem espinhas em “Don’t Get Chipped”, de batida opulenta e um refrão cativante de Jay Rock, que termina esta sequência escorregando para a arrepiante “Relay”. Esta canção completa uma tríade de músicas que nos remetem para espaços diferentes e que mostram a capacidade que Staples tem em mudar eficazmente de ambiente num curto período de tempo, uma abordagem sem tempo a perder, prática e que vai directa ao assunto.

Essa abordagem é algo que o rapper já demonstrou nos seus trabalhos anteriores e em FM! continua a revelar uma acutilância na descrição das peripécias de uma vida passada, arranjando novas maneiras de falar sobre tempos difíceis e sobre as voltas que a sua vida deu. “Feels like Summer” introduz o álbum como uma brisa de Verão premonitória de tempos mais sombrios. Staples não esquece o que ficou la para trás e nunca consegue estar verdadeiramente em paz com o passado:

“Still struggle with the past, I’m strapped
Somebody gotta watch my back
Everybody wanna count my bag
Ease off me, these streets taught me
Speak softly, please don’t taunt me”

Esse “trauma” que transmite na sua música é especialmente visível em “FUN!”. A música é desconcertante sem nunca deixar de soar descontraída, um olhar sisudo do rapper na nossa direcção, um tema desconfortavelmente dançável, como se tivéssemos de olhar para todos os lados enquanto curtimos o seu groove. O videoclipe acrescenta uma camada de realismo ao tema: é filmado como uma pesquisa de Google Maps de um jovem branco que observa Staples a cuspir os versos em várias situações familiares ao rapper mas distantes do rapaz. Uma vigília a alguém que morreu, um assalto, um polícia a prender dois jovens.

Tudo isto é ironicamente descrito como algo divertido, e sempre com o olhar de Staples focado no seu observador. Mas em “Tweakin’” não há ironias, a verdade está exposta para todos ouvirem. Nesta música vemos Staples no seu desabafo mais confessional, é o tema de FM! onde o conceito de programa de rádio mais se funde com a realidade da sua vida e digno para acabar o álbum.  Sob uma das melhoras batidas do projecto, melancólica e discreta, o rapper “cospe” palavras sinceras sobre uma realidade crua com a ideia da morte e da violência demasiado presente:

“Had me up in church at a young age
Should’ve had the nigga at the gun range
Woulda been a lot more useful shit
Who up in the pulpit truthful shit”

Curiosamente, na altura em que mostra mais do que uma camada superficial, o projecto acaba. É um tipo cuidadoso, e se há algo que a vida lhe ensinou foi a não se mostrar vulnerável por muito tempo. E isso implica que este projecto seja penosamente curto, com pouco mais de vinte minutos de música, com temas como “Bleedin’” ou a entediante “Run the Bands” a tirarem força a um projecto lacónico. O álbum deixa-nos a desejar por mais, queimando ainda tempo desnecessário com interlúdios que pouco acrescentam à estética geral. Por estes motivos, FM! mostra-se como um projecto que é mais a ideia de um conceito do que a sua execução.

No skit “”(562)-453-9382”, ouvimos Big Boy desafiar um ouvinte a dizer sete celebridades começadas pela letra “V” para ganhar um prémio. Este momento, que surge antes de “Tweakin’” encerrar o álbum, funciona como uma espécie de teste de relevância de Staples. Não é uma celebridade, uma estrela pop, ou um dos mais conhecidos porta-estandartes do hip hop actual. É uma pessoa que discute as suas experiências embalado por instrumentais cada vez mais seus, produzindo na periferia um som cada vez mais central. Mas parece preterir a profundidade em função do entretenimento, e FM! surge assim como um álbum de teste de subwoofers, um programa de rádio para quando nos queremos armar em durões pelas ruas da cidade.

 


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