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Publicado a: 26/11/2015

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[TEXTO] Sidónio Teixeira

 

Algures num bar underground de Los Angeles, o anfitrião interrompe uma noite entretida sem realmente saber o que vai apresentar. “We got these young dudes, they’re called Villa…Village Plan or some shit”.

-What?
-Villain Park
-Villain Park, nigga
Villain Park
Villain Park. Ye Ye that’s right. Everybody make some noise for Villain Park.

Ei-los. Quatro miúdos da Westside americana formados na escola da rua que trocam beats como se fossem cromos. Rapazes que cresceram diante de Mac’s e que fazem a palavra chegar por SoundClouds e pela arte do mão-em-mão. Inspirados na atitude dos street smarts contemporâneos e admiradores precoces de projectos mais exógenos da região descontraída da América. O bando Villain Park traz um portefólio da década áurea dos 90s, com uma abrangência que recupera tapeçarias melódicas ao estilo de Dilla ou Madlib, postura A Tribe Called Quest, atitude Wu-Tang e o espírito Slum Village.

Smokey V, kilaM, Classicko e Niftee dão nome ao colectivo que logo nas primeiras batidas se assume percussor do boom bap. Tal como se descrevem, eles são o equilíbrio entre o estilo moderno e a vibe Old but Gold. Eles dizem que é “A Mesma Merda do Costume” e, querendo ou não, fazem-na soar como nova, rejuvenescida, sendo talvez isso que os torna efectivamente aliciantes e convincentes numa primeira – e posteriores – escutas. kilaM falou pelo grupo à EARMLIK quando disse “We’re trying to change people’s perceptions of what hip-hop is in 2015”. E é esse o propósito aparente deste quarteto: desconstruir a dicotomia West/Eastside, funcionando com uma ponte entre uma e outra margem. As inspirações são todas elas palpáveis e logo na primeira das faixas (“Brain Cells”) isso não passa despercebido: um stoner-funk com letras e instrumentais a replicarem o rebelde “Insane in the Brain” (“we’d like be you in hell, fuckin’ up your brain cells”), acabando com alusões óbvias aos interlúdios e prelúdios do já mítico To Pimp a Butterfly (aqui modificado para I remember you was getting lifted, always under the influence).

Sendo este trabalho uma desconstrução de antagonismos entre as margens, a verdade é que a faixa que dá seguimento a “Brain Cells” não deixa, ainda assim, de querer estabelecer o espaço que estes rapazes querem ocupar dentro do movimento, seja ele onde for (“Me and the MC’s tryin’ to get my place, so put your face in a bucket and get the fuck out of my space”). “Stache Box” incorpora, contudo, pistas sonoras que, novamente, não escondem a influência dos antecessores nesta projecção. Tanto o G-Funk como o liricismo (a afirmação de um estatuto e espaço próprio, já assinado em tratado pelos dinossauros da zona) são claros apontamentos daquilo que edifica o espírito da beachside – veja-se a frequente recorrência ao hook: “It doesn’t matter where you’re headed; it don’t matter where you goin’ or where u from. It’s getting dark arround here, it’s Villain Park arround here“.

Por entre rimas e batidas, estamos em “One Time a correr ao lado destes rapazes nas ruas de L.A. em perseguições a passo lento e ajustes de contas entre as minorias e a implacável força fardada. Somos mártires à procura de uma justiça que nunca jogou a favor de quem a reclama (“As you’re gonna stand near or stand up or be another innocent victim shot with his hands up. You think about it, don’t talk about it, my nigga you be about it. Racism way around it is gonna stay if we allow it”). Uma luta pela igualdade num meio onde reina a diferença, e que mais uma vez acaba com um negro caído nos braços de outro, rematando a faixa com um gritante e arrepiante “HEY“, atónito perante a força devastadora de uma bala. Passos de quem-nada-viu fazem-se ouvir. A força do episódio deixa marca no ouvido e pede um replay antes de seguir em frente.

Minutos à frente segue-se pelas entradas estreitas de um bar, a caminho do fundo de uma sala. Ali está um palco envolto numa multidão efusa que sente a força de cada verso, onde se desafiam ideias e se exalam irritações. Batidas e samples – orgânicos discretos, tal como Donuts – que loopam em sincronia com cada rima, muito ao estilo do The Shelter, em Detroit, onde Eminem arrumou com o colectivo Free World através da força das palavras.

Caminhar para trás e saltar para a frente nas diferentes pistas é em muito o desafio desta peça. Estes exemplos pontificam as arestas pelas quais este EP se prima: versatilidade estilística que varia entre a ferocidade lírica da East e a rebeldia irascível da Westside. Uma capacidade já notável em saber reciclar o existente e recriá-lo aos tempos modernos. Estes vilões são a ameaça da indústria: o resultado de um nome já em muito impulsionado pela internet, que lhes permite ecoar as ideias para cada vez mais gente sem o suporte de uma editora, à semelhança de conterrâneos do underground como Bada$$.

Para aquela que é a primeira obra já composta por rapazes acabados de sair do secundário, conhecidos e formados pela arte da rua, este Same Ol Shit merece o reconhecimento pela forma como extrai e trabalha a melhor das qualidades inerentes ao hip hop: a multiplicidade de formas e conteúdos que se podem criar a partir daquilo que já existe.

Faixas essenciais: “Brain Cells”, “Stache Box”, “One Time”, “Play The Villain”.

 

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