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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/07/2025

O pianista nova-iorquino actua em Braga esta quinta-feira.

Vijay Iyer: “A música é feita para que cada ouvinte possa cultivar a sua interpretação única e pessoal”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/07/2025

O pianista Vijay Iyer regressa a Portugal com o seu working trio em que militam também o contrabaixista Harish Raghavan e o baterista Jeremy Dutton. Vão apresentar-se no espectáculo que marca, já esta quinta-feira, dia 3 de Julho, o arranque da edição 2025 de Julho é de Jazz, festival com uma ambiciosa programação que se divide entre o Theatro Circo (a sala que recebe o Vijay Iyer Trio) e o gnration e que se prolonga até ao próximo dia 12, como podem ler aqui.

O ano passado, vimos este trio no Funchal, cidade onde assinaram um concerto memorável:

“A chuva ameaçou, mas não chegou a acontecer no primeiro dia de programação no palco principal do Funchal Jazz, no belíssimo Parque de Santa Catarina, suspenso sobre o oceano Atlântico. Ainda assim, quando terminou a prestação do incrível trio de Vijay Iyer, a sensação era de que toda a gente tinha sido levada (lavada?) na intensa corrente que as suas mãos, primeiro, os seus pés e o resto do corpo, depois, e a sua cabeça, enfim, geraram: a música que se desprende de si, entra no piano e depois sai pelo belíssimo e cristalino sistema de som dirigido ao público, é um caudal onde parece caber o mundo, onde certamente coexistem ecos de séculos de tradição erudita, blues e gospel, apontamentos de múltiplas culturas e fragmentos dispersos de novos territórios ainda não cartografados. A intensidade é tamanha que há momentos em que a plateia parece mesmo suspender colectivamente a respiração quando aguarda o que aquela mão esquerda vai fazer de seguida enquanto a direita nos mantém irremediavelmente sob o seu domínio. 

Ao seu lado, Vijay teve, como ele mesmo cuidou de referir, dois pesos-pesados, “líderes de pleno direito com belos trabalhos lançados em nome próprio”: Harish Raghavan no contrabaixo e Jeremy Dutton na bateria. Juntos tocaram, sem pausas, sobretudo material de Compassion, o aclamado álbum que Vijay Iyer lançou já este ano na ECM em trio com a contrabaixista Linda May Han Oh e com o baterista Tyshawn Sorey, e do trabalho anterior, igualmente com Oh e Sorey, Uneasy (2021). Ainda que esses dois músicos sejam gigantes, a verdade é que Harish Raghavan e Jeremy Dutton brilharam de forma intensa durante o concerto de ontem. O contrabaixista tem uma presença incrível, um tom fundo e nobre e logo no primeiro solo deixou a sua própria marca distinta, com uma demonstração de classe absoluta na forma redonda com que responde à tal torrente do líder, com frases de elegância plena, mas também de grande inventividade e assertividade, capaz de equilibrar groove com abstracção, às vezes na mesma frase. Já Jeremy Dutton é uma autêntica fera, que nos seus próprios ensembles já dirigiu talentos gigantes como Ambrose Akinmusire e Joel Ross. Com um toque subtil, cheio de swing, Dutton comanda o tempo sem nunca se impor e é a fundação certa que consegue suportar o peso do caudal gerado por Iyer.”

Numa breve chamada telefónica, pouco antes de se dirigir ao aeroporto para viajar até Portugal, Vijay Iyer deixou-nos algumas válidas impressões sobre o que vem tocar e o que planeia fazer no futuro mais próximo.



Vi-o em trio no Funchal, no ano passado, e devo dizer que foi um espectáculo muito bonito, sobre o qual tive a oportunidade de escrever. Gostava de lhe perguntar se presta atenção ao que se escreve sobre si, se dá ouvidos aos fãs. É comum, por exemplo, ficar à conversa com alguns admiradores a seguir a cada espectáculo?

Claro. É frequente ficar à conversa com as pessoas após os concertos. Eu também sei que toda a gente tem a sua experiência única em qualquer evento de música que seja. Essa diversidade de respostas faz parte do propósito da música, que é provocar toda uma série de reacções nas pessoas, em termos de emoções e sensações. A música não é feita para dar uma única perspectiva em definitivo, mas sim para que cada ouvinte possa cultivar a sua interpretação única e pessoal. Esse é o papel que a música tem. Todos nós, mesmo quando estamos a ouvir uma mesma coisa, temos diferentes tipos de reacções. Eu abraço essa diversidade de interpretações e acho que ela faz parte daquilo que nós, músicos, fazemos. Mas também há esta questão, de eu estar a tentar criar algo que seja coeso, com uma certa intenção de apelar à união e à acção. Na maior parte do tempo, nós os três, em palco, estamos neste processo de construir, reconstruir, descobrir coisas à medida que avançamos… Às vezes pode ser um verdadeiro desafio, conseguirmos ouvir-nos e encontrar-nos de modo a que consigamos dar suporte uns aos outros.

Por falar nisso: eu não sei se tem ideia do número de vezes que já partilhou o palco com o Jeremy Dutton e o Harish Raghavan. Eles ainda o continuam a surpreender sempre que tocam juntos?

Sim. Há sempre uma certa provocação [risos]. Eles os dois têm uma forma de tocar que faz com que a experiência nunca soe rotineira, especialmente quando estamos a tocar em datas sucessivas, porque ficamos com aquela sensação de: “Eu já fiz isto ontem, não vou repeti-lo amanhã” [risos]. Nós tentamos sempre virar o jogo para que surjam novas possibilidades.

Pode falar-me sobre o repertório que escolheu para este concerto em Braga? Estou certo de que será diferente daquele que trouxe até ao espectáculo a que assisti no ano passado, no Funchal. Que tipo de material é que vocês andam a tocar agora?

Muito do repertório gira em torno dos últimos dois discos do trio — Uneasy e Compassion. Mas eu também comecei a ir buscar material ao meu próprio arquivo pessoal dos últimos anos — música dos últimos 15, 20 anos. Portanto, é sobre isso que nos vamos debruçar no concerto, mas também existem coisas novas que ando a desenvolver que… À falta de melhor termo, gosto de lhe chamar “música de protesto”.

Isso faz todo o sentido nos tempos que correm.

Faz sempre sentido [risos].

Verdade…

Mas eu tenho andado a investigar sobre as várias formas de protesto ao longo da história e a música que inspiraram e acho que, de alguma forma, isso tem vindo a ficar cada vez mais explícito nas coisas que ando a fazer no presente.

Como é que lida com a vida na estrada? Viaja com livros? Aproveita algum do tempo que vai tendo livre para escutar música? O que faz nestas alturas em que tem tantos concertos durante várias noites consecutivas?

Uma pessoa tem de criar uma certa disciplina. É fácil nós deixarmo-nos cair em maus hábitos. Acaba por ser sistémico, quando uma pessoa frequenta este tipo de espaços, onde existe álcool. Uma pessoa pode perder-se nesse ciclo. Eu tento lidar com o stress da estrada ao compor novos temas, ao ler, ao escrever as minhas próprias palavras — quem sabe se algum dia, num futuro mais longínquo, eu não lanço o meu próprio livro… E nesta altura da minha vida, também tenho amigos em todos os cantos da Europa, portanto há alturas em que a minha única preocupação é arranjar tempo livre para ir estando com essas pessoas.

Vai dando sinais de ter aí algumas novidades na calha, inclusive acaba de me falar na possibilidade de um livro. E em termos de discos, tem planos nesse sentido?

Não sei se conhece um grupo que eu tenho, Fieldwork.

Conheço, sim.

Eu tenho esse grupo há imenso tempo, para aí desde o início dos anos 2000. Sou eu, o Tyshawn Sorey e o Steve Lehman. Nós temos um álbum novo que deverá sair durante os próximos meses. Depois, há diferentes peças que tenho vindo a escrever para alguns intérpretes de música clássica. Elas têm vindo a ser gravadas e, eventualmente, também acabarão por sair. Há uma peça para um quarteto de percussão que eu creio que sairá no Outono. Também há outra composição para piano solo que deverá sair durante este ano. Tenho uma outra para piano e orquestra de cordas, já foi gravada e eventualmente verá a luz do dia. É isso. Vou tendo diferentes pedaços de trabalhos espalhados por aqui e por ali.

Também editou recentemente um belíssimo trabalho em colaboração com o Wadada Leo Smith.

É verdade! Saiu há uns meses e já o tocámos umas poucas vezes juntos. Ele é uma pessoa que está muito próxima do meu coração. Nós vamos regressar à Europa com mais datas, lá para o final de Outubro.

Gostava de vos ver por cá.

Eu acho que não vamos ter datas em Portugal. Temos Alemanha e Reino Unido, penso eu. E nós não podemos fazer digressões muito longas, porque ele está com 83 anos e o ritmo precisa de ser mais brando. Mas há sempre mais coisas no horizonte. Em Janeiro do próximo ano estarei em Luxemburgo com um ensemble clássico para um projecto meu com um realizador de cinema.

Está sempre ocupado, portanto.

Sim. E também dou aulas em Harvard. Digamos que tenho uma vida bastante ocupada, sim [risos]. Ainda para mais agora, que Harvard está…

Literalmente sob ataque?

Sim, sim… Daí a música de protesto. É mais importante do que nunca.


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