Nem salvação nem condenação. A candidatura de Manuel João Vieira não acrescenta qualquer descrédito à absoluta descredibilização em curso da democracia contrafeita, destapando apenas o vazio de ideias fora do enquadramento puramente económico, cujas consequências, o partido Chega aproveitou, com propostas que partem sempre da negativa e da negação do outro.
Vieira não é a espectacularização de Debord na medida em que resume somente a ela, mas, ao invés, o simulacro de Baudrillard, atrás do qual nada existe. A diferença deste candidato para o Vieira de há 20 anos não está em si, mas no mundo e na conjuntura, o que o torna não o cataclismo, mas o catalisador que precipita o cair da fachada de humanismo no poder, agora mera gestão automatizada para lá de todas as formas de política e, por isso, sintoma precoce da competição com a automatização da esfera política, cuja morte começou quando o maquiavelismo foi trocado pelo instagramável até restar apenas a encenação dramática de burocratas servos das instituições económicas sem escrutínio popular, verdadeiros regentes em função.
Nesse sentido, Vieira é um candidato nietzschiano por excelência, olha para o abismo que lhe devolve o olhar e apresenta-se além de quaisquer grilhões morais e, por isso mesmo, como método puro, pois a sua existência é efectivamente o único desfecho lógico e previsível, como um Tiririca 2.0 lusitano, de todas as estratégias corporativas e mercantis da política, que nos presentearam a nova extrema direita, sendo assim o verdadeiro candidato suprapartidário, que não é o mesmo que independente.
As suas actuações terão um de dois efeitos possíveis e é isso que perturba o sistema partidário: ou diluem o efeito Chega elevando a fasquia circense para novos patamares, ou normalizam ainda mais esse efeito circense atirando o desempenho expectável de todos os futuros candidatos ainda mais para fora da clássica esfera política, incrementando a sua tiktokização, produzindo conteúdo vazio para consumo rápido norteado por esse mesmo barómetro.
Também a visita de Cristiano Ronaldo a Donald Trump, se apresenta como único desfecho coerente da sua personagem, validando simultaneamente quer o totalitarismo da Arábia Saudita, quer o dos Estados Unidos, de uma só penada, não como opção pessoal — isso deixou de ser possível quando CR7 se tornou embaixador do país — mas como parte das tarefas do seu cargo. Foi no momento em que o jogador assinou o contrato enquanto representante do país — já então uma ditadura — que legitimou automaticamente o regime do Príncipe, logo, este momento na Casa Branca foi simples confirmação desse facto.
O erro reside não em CR7, a face humana de uma corporação que se apresenta como qualquer outra na implacável perseguição do lucro sobre todas as outras coisas, mas em todo um país que teima em fazer dessa corporação espelho de grandiosidade, insistindo numa atitude provinciana de heroísmo lusitano por amor a alguém, cujas capacidades se resumem à prática desportiva e à gestão neoliberal da sua imagem.
Como Vieira, também Ronaldo é apenas a revelação do vazio que sempre esteve presente e que, na nossa incapacidade de o aceitar, preenchemos esperando que, de tanto insistir na fantasia, ela se torne realidade.