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Publicado a: 21/12/2017

Vêm aí os novos Black Bombaim

Publicado a: 21/12/2017

[TEXTO] Gonçalo Tavares [FOTOS] Renato Santos

Os Black Bombaim estão diferentes: deixaram as jams ventosas, que se desenvolviam no tempo e no espaço, e focam-se agora na insistência (mas ainda sabem a stoner). Foi isso que ouvimos no passado sábado, no Círculo Católico de Operários do Porto (CCOP), durante o ensaio aberto da primeira residência que irá culminar no lançamento do seu novo álbum.

Num auditório centenário, ouvimos duas peças compostas por Pedro Augusto (Ghuna X, Live Low) com o trio – que, desta vez, experimentou novos caminhos. Ritmos longos com a guitarra a sobrevoar como um synth distante e  repetição com momentos de encontro dos 3 músicos, ruídos electrónicos a suportarem a distorção de Ricardo Miranda, loops de feedback. É evidente o choque das linguagens do produtor e dos barcelenses, e é evidente que se está a abrir uma nova página na criativa carreira da banda.

Para além desta sessão, os Black Bombaim vão participar em mais duas residências artísticas, em Fevereiro e Abril, dirigidas pelos produtores Jonathan Saldanha (HHY & The Macumbas) e Luís Fernandes (Peixe:Avião). O resultado das três vai ser compactado num LP a ser editado pela Lovers & Lollypops no segundo semestre de 2018.

Falámos com os quatro músicos (Ricardo Miranda, Tojo Rodrigues, Paulo “Senra” Gonçalves e Pedro Augusto) e com o Joaquim Durães, também conhecido como Fua, da Lovers & Lollypops, para compreender melhor o processo e toda a extensão deste projecto.

 


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Os Black Bombaim (BB) parecem ser uma banda que está à vontade em criar com músicos externos. Isso é algo que se espelha numa parte substancial da vossa carreira, em discos e concertos associados. Passados 10 anos desde que lançaram a vossa demo de estreia, o que acham que mudou na vossa forma de abordarem este tipo de criação?

[Tojó] Nós gostamos muito de trabalhar com convidados porque é a única forma que temos de aprender enquanto banda. O primeiro disco que fizemos, Saturdays And Space Travels, é super stoner, tem as influências de quando éramos miúdos e com [aquilo] que crescemos. A partir daí não quisemos fazer um disco igual, nunca mais. Daí querermos trabalhar com convidados – se tivermos só os 3 acabamos por cair na rotina. A nossa directiva foi sempre trabalhar com pessoas diferentes, de forma assumida ou não. Por exemplo, o TITANS foi assumido como um disco só para convidados. Tínhamos vários, inclusive o Pedro [Augusto]. Trabalhámos com convidados ou com bandas, como por exemplo o disco que fizemos com os La La Ressonance.

[Ricardo] Se bem que o processo aí foi distinto.

[T] Claro. Foi outra maneira de apreender coisas novas.

[R] No TITANS fizemos as músicas e depois os convidados tocaram por cima. Não houve muito trabalho de grupo. Aqui há mais “veneno”.

[T] Exacto. O TITANS é uma continuação do SST, mas com convidados. A partir daí, nós trabalhámos com os convidados mais in loco, no momento. E neste projecto isso é muito fixe porque são eles a ditar as regas.

Portanto o Pedro teve mais peso nas composições do que vocês?

[T] Peso total. É essa a premissa do projecto.

[Pedro] Varia conforme o produtor. No meu caso, eu tinha uma proposta, mas não sabia como se ia desenvolver.

[T] Nós somos um canal para a tua ideia. Mas o canal também sofre distorção, que é a nossa visão, a nossa interpretação daquilo que nos estás a transmitir.

[P] Exactamente. Por isso convém dar ideias que permitem isso, ideias pouco quadradas.

[T] Neste disco é isso que se pretende. A ideia vem do produtor e nós somos um canal. Portanto, a ideia é moldada. Por isso é que é diferente dos discos anteriores.

[R] De certa maneira é mais cativante para nós. É um desafio maior, é mais interessante.

Tendo em conta essas colaborações anteriores com o Pedro, porque é que o chamaram agora? Por conseguirem prever a sua contribuição ou por não fazerem a mínima ideia do que ele podia acrescentar nesta nova fase de criação?

[T] Não fazíamos a mínima.

[P] Essa é que é a situação de perigo em que se colocam.

[T] Falamos com estes produtores porque já os conhecíamos e porque nos conhecem, o que é importante porque podem ter uma visão fora da caixa para o nosso som.

[R] Trabalham connosco desde o SST. Já vêm com uma ideia concreta.

[P] O projecto está assente numa relação de confiança entre todos, e há vários níveis de ligação. Desde o trabalho instrumental, como ligações musicais, como o trabalho técnico, que também tenho com o Ricardo, até a ligação social de irmos beber uns copos juntos.

[T] Tudo importa.

 


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Em relação ao regime de residência: já falaram que dá para pôr mais “veneno”, que é um espaço de maior exploração. Para além disso, há mais alguma característica da residência que querem destacar? Por exemplo, em comparação com o regime de colaboração dos vossos discos anteriores.

[P] Para mim é estarmos concentrados x dias seguidos sem termos que desmontar nada, com tudo preparado. O trabalho é muito concentrado, e isso é importante. Nós todos temos outras vidas e tivemos que concentrar este tempo para pudermos fazer isto.

[T] Há bandas profissionais que alugam um estúdio por algum tempo e compõem o disco em estúdio. Nós nunca fizemos isso, e isto é uma aproximação. Estarmos num sítio focados a construir um disco.

[P] Isso é uma coisa que pode mudar de processo para processo, de produtor para produtor. Neste caso assumimos que tínhamos que chegar ao final da residência com um produto feito. A minha ideia foi tentar evitar ao máximo repetições ou seja, um take bom fica. Nós não gravamos por partes. Fizemos takes directos com toda a gente.

[T] Isso não quer dizer que o que tenha sido gravado hoje em frente do público seja o take final. Mas poderá ser.

[Fua] O que eu senti é que o ataque às músicas com o público foi completamente diferente.

[T] Claro, muda totalmente o feeling e a nossa postura. É como num disco ao vivo.

Portanto beneficiaram de ter público na gravação?

[T] Sim. Pode não ter sido o melhor take, mas acho que sim.

[P] Sim.

[Senra] Provavelmente.

[T] Essa diferença de postura vai se notar no som.

Este novo disco vai ser acompanhado por um documentário, um filme-ensaio “ sobre a criação musical e a sua relação com a paisagem enquanto espaço de criação de mitologias e de somatização de fantasmas”. Para além disso, há um tema para cada um dos três segmentos de criação deste Ruína e Memória. Como se expressam estes temas no que ouvimos hoje?

[F] A piada disto tudo são as diferentes perspectivas que há sobre o mesmo trabalho, sobre a mesma matéria-prima. Cada um dos produtores vai ter uma imagem, e desafiamos também o Miguel Filgueiras e o Manuel Neto para um ensaio sobre a forma como estes processos se desenvolvem. Toda a gente está à procura de visões diferentes sobre o mesmo tipo de processo, que vai ser desconstruído ao longo do tempo. No caso do Miguel e do Manuel tem a ver com a forma como achavam que os produtores iam pensar sobre a Ruína e Memória, e é aí que surge essa perspectiva.

[T] Toda a gente pensou nisso antes de saber qual era o objecto. Nem havia uma nota de música.

[F] Há um desafio que é lançado aos produtores, há um desafio que é lançado ao Miguel e ao Manuel, e há um desafio que é lançado ao João Arantes e ao João Brandão, da gravação. E no final, todas estas ideias vão se encontrar em algum lado. Não sei se vai ser claro para o público, mas o processo é o mais importante neste projecto.

 


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Mas essas diferentes perspectivas são orientadas pelos temas que referiram?

[T] Os temas foram inventados para o documentário. Todas as pessoas envolvidas pensaram para o ar e no final tentamos juntar tudo, o que é ainda mais interessante. Pode não bater tudo certo, mas vamos tentar.

[F] Eu acho que ao longo do percurso as diferentes coisas se vão encontrar. Por isso é que está tudo a ser documentado, para se tentar encontrar esse sentido no final. São várias linguagens, várias interpretações diferentes de um mesmo conceito.

[T] Isto não é só um disco dos BB, são muitas coisas a acontecer, muitas pessoas a trabalhar com um objectivo comum. Aliás, o disco pode ser o menos importante. O processo, todas as diferentes colaborações, conviver, esta procura comum para se encontrar um guião para o documentário, tudo isso é mais importante que fazer um disco.

[F] E a forma como o público pode acompanhar o processo também é especial para as pessoas. Elas sentiram que se passava mais alguma coisa, que isto não era um concerto.

[P] Sacralizamos algo técnico como um espectáculo.

[T] Sim, foi algo diferente.

[P] É importante referir que isto é uma opção desta combinação, de nós os 4. Não vai ser sempre assim. Cada produtor vai ter as suas opções. Outras partes deste disco vão ser gravadas em estúdio, com versões mais longas.

Então o ensaio aberto não é premptório para as próximas fases?

[T] Vai haver sempre uma pequena apresentação.

[P] Sim, mas, por exemplo, usar o take da apresentação no disco é que já não é linear. Nós é que assumimos isso, já que estávamos neste espaço super confortável e que logisticamente tínhamos tudo o que era preciso.

[T] Olha, no caso do Jonathan [Saldanha] vamos gravar numa câmara anecóica. É desconfortável. Acho que só podem entrar 20/30 pessoas lá dentro, ainda não sabemos muito bem. E antes de estarmos com o Pedro também não sabíamos muito bem como ia ser todo o processo. Fomos desenvolvendo-o à medida do tempo.

[P] Depois, a partir do momento em que chegámos, fizemos opções sobre o espaço. Decidimos que queríamos pôr uma cortina e pintar a parede de branco, por exemplo. Usámos o espaço em prol das nossas ideias.

[T] Foi learn as you go, tivemos que aprender no momento.

[S] Saímos do conforto do que já fazíamos. Musicalmente também. O desafio é esse.

[T] Tu ouviste a primeira peça, não tem nada a ver com aquilo que conheces de Black Bombaim.

 


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