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Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 29/04/2023

O retrato de um vilão.

Veelain: “Gosto de sentir um meio termo entre eu controlar o sample e ele me controlar a mim”

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 29/04/2023

Chegou à Monster Jinx bem no arranque de 2022, já com alguns projectos editados, como Beatlain III ou Cold Crack. Nesse “ano zero” de jersey púrpura colada à pele, Veelain deu o seu contributo em ROXO 08 e ainda se estreou na editora com um EP em nome próprio, The Land of the Sun, editado durante o Verão passado. Ontem o passo foi ainda mais arrojado e envolveu um retrato daquela que é a essência da sua música num formato de longa-duração — A Portrait of a Real Villain compreende 12 novos temas, praticamente todos eles instrumentais, com a única excepção a recair em “Cama Fria”, que regista versos do veterano MC dos Dealema, Maze.

Ao Rimas e Batidas, o produtor falou sobre os vários estados de espírito que a sua música atravessa, apontou-nos algumas das suas referências e abordou ainda o processo de recolha de samples e da criação das faixas.



Há tratados inteiros que discorrem sobre o poder dos títulos. Não te pedimos um tratado, mas podes por favor elaborar um pouco sobre o título do teu novo trabalho para a Monster Jinx, A Portrait of a Real Villain?

O título era apenas um dos muitos títulos de músicas que eu vou apontando de forma mais ou menos aleatória, por vezes são pedaços de poemas, bordões filosóficos, frases de filmes, brincadeiras de amigos, trocadilhos. Na realidade este título seria, eventualmente, uma faixa, mas com a proposta do Darksunn de me querer ver fazer um longa-duração, eu comecei a sentir necessidade de encarar essa proposta com uma certa seriedade que, na verdade, não tinha a nível conceptual e reparei nesse título que tinha apontado. Depois, daí apliquei conhecimentos adquiridos e adquiri outros para dar uma direção ao título, “o que é ser-se ou dizer-se que é vilão?”. Lembrei-me quase automaticamente do tempo em que se estuda Gil Vicente e de que essa palavra “vilão” já teve, como todas as outras, outros significados, tem um étimo. Percebi ao consultar o dicionário que, na realidade, é esse significado que eu quero desenvolver a partir deste álbum, um tipo que é do povo, “aquele que não é nobre”. Resolvi então contar uma história de estética romântica sobre como me tornei nesse vilão. No fundo, em grande plano estão os últimos 5 anos da minha vida e da pessoa que tive ao meu lado e em pequeno plano está toda a minha vida. Há temas que sem quebrarem a história têm um duplo significado — o tema “Deixei-te Ir” é dedicado à minha avó nesse segundo plano, assim como o tema “Como se me Guardasses” é dedicado ao meu pai.

No nome artístico que escolheste há algum aceno de cabeça ao MF DOOM?

Logicamente, não só ao MF DOOM mas também a Madvillain. Há algo que me fascinou desde cedo no duo, que é ambos desdobrarem-se em todas as personagens quanto as que eles quiserem, por isso, com certeza que é um aceno de cabeça.

Assumir a ideia de “retrato” através da música há-de certamente querer dizer que investes as tuas criações de uma carga emocional muito funda. Há algum “estado de alma” mais específico que te alimente mais a veia criativa?

A leitura é boa mas não está totalmente correta. Há um pormenor: até este álbum, eu vi o personagem “Veelain” como um heterónimo, fazia com que nada do que me é pessoal passasse para a minha música. O que este álbum fez foi torna-lo homónimo e aí sim, o álbum tem uma carga enérgica avassaladora para mim e, de alguma forma, sinto que gostei disso, a entrega foi diferente. Em relação a estados de alma que me alimentem a veia a criativa, diria que a melancolia, a introspeção, por vezes a ansiedade e até a revolta — acho que já fui a todos, mas sinto-me facilmente criativo nos que indiquei; acho tem que ver com a maneira como eu percepciono a arte e donde ela vem, não é diferente mas é minha.

Que rupturas ou continuidades, diferenças ou semelhanças identificas entre este Portrait e Land of The Sun?

São totalmente diferentes, mas precisei de um para fazer o outro. O Land Of The Sun foi um EP onde eu arranjei um motivo mais ou menos fútil – não digo totalmente, porque tem uma música dedicada ao meu gato – para experimentar tecnicamente certas texturas, ambientes e ritmos que me vieram a permitir uma maior domínio das mesmas no Portrait. A rotura parte precisamente do motivo, porque no fundo música sem motivo pode ser qualquer música, o que difere músicas é aquilo que sentimos e a importância desses sentimentos nas notas musicais.

Podemos falar de referências? Quem sentes que te inspira, desafia ou provoca para a tua própria criação?

A lista vai grande e cada vez maior, mas tentarei fazer uma enumeração curta e estruturada:
Eu cresci numa casa onde o Tom Waits, o Frank Zappa, o Nick Cave, o Bowie, entre muitos outros, esbarravam sonicamente nas paredes e ricocheteavam nos meus ouvidos e acho que isso já fala sobre mim. Durante a adolescência descobri o hiphop e toda a escola da renaissense era falou comigo, mas realmente quando encontrei o Madlib e DJ Shadow foi totalmente disruptivo. Após e durante isso há imensos nomes, sejam os Radiohead, os Portishead; seja o Flylo e o MNDSGN; sei lá, tanta gente que começa a ser difícil dizê-los todos, a Nala Sinephro, o Actress e por aí adiante. Esteticamente, sinto por uns um “tenho que experimentar fazer isto!” Por outros, uma absorção quase exotérica da música que fazem. Sou um observador da sensibilidade. No fundo, tem que me tocar.

A Monster Jinx vai quase sozinha mantendo este barco – bem tripulado, diga-se – que carrega uma certa ideia de hip hop instrumental já há uma série de anos. Fala-nos da tua relação com esta família, por favor.

A minha relação coma família Monster Jinx é de total aprendizagem. Olho para todos como meus mentores em coisas diferentes e acho muito relevante na formação de artistas isto, a mentoria, e acho que, no fundo, o papel desta minha família ao longo dos anos foi esta para com os artistas que convidam a fazer parte dela, o de ajudar a sermos nós próprios. É dum enorme simbolismo para mim a ideia de coletividade sem uma anulação da individualidade, é preciso perceber que não existem as duas separadas.

Vamos ser mais techies agora: com que ferramentas produzes e o que nos podes dizer sobre as tuas estratégias de produção ou, mais simplesmente, como é que os teus beats nascem? Há uma fórmula?

Não vamos muito longe [risos]. Eu tenho uma MPC Studio Black e uso o software da AKAI. Como nasce um instrumental? Bem, a música (a minha), depende do crate diggin‘, online hoje em dia, e para os instrumentos que procuro adapto esse diggin‘ a géneros e anos. Normalmente eu faço diggin‘ para um projeto inteiro, sempre, e só volto a fazer se precisar de algo. Depois corto tudo o que acho interessante desse crate e fico com uma biblioteca de instrumentos para esse projeto. Depois disso é seguir o coração. Hoje estou triste, vai um pouco de tristeza, amanhã estou calmo, vai um pouco de calmaria e segue por aí. Há sempre momentos de esforço e de estruturação de uma música, há ideias de texturas de ritmos ou melodias, mas eu gosto de sentir um meio termo entre eu controlar o sample e ele me controlar a mim.

Chamaste o Maze para uma faixa. Acho que nem é preciso perguntar “porquê?”, mas diz-nos como é que isso aconteceu e o que sentes por ele.

O Maze foi o meu primeiro mentor desde que decidi fazer música, faz 4 ou 5 anos. Ele tem centenas de maus instrumentais meus que, de boa fé, comentou um por um. É um ser que me deu muita força para continuar sempre e sempre, por isso é uma pessoa deveras importante para mim. Entrou agora pois agora foi quando fez sentido. Contei-lhe o que sentia e perguntei-lhe se ele já tinha sentido o mesmo e ele escreveu aquela letra, que deveras me toca, eu sei do que ele está a falar.

No press release fala-se da espinha dorsal do álbum, mas penso que mais em termos conceptuais ou emocionais. Em termos sonoros e musicais identificas também uma linha condutora mais definida?

A espinha dorsal refere-se a questões de âmbito sociológico que o conto O Covil, do Kafka, tem implícitas e, de alguma forma, eu pessoalizei-as no meu álbum — questões sobre questionarmos a nossa liberdade versus segurança e daí surgiram umas tantas outras que formaram o álbum. Em termos sonoros e musicais identifico, sim, uma linha condutora mais definida, os tons e as texturas. Os tons e as texturas são as palavras que ficam por dizer neste álbum, que é instrumental; completam as palavras, poemas e frases que escolhi para concretizar a história que o álbum conta.

E agora? Disco na rua, há alguns planos particulares para o mostrares às pessoas? Live acts? DJ sets? Instalações em Serralves?

Este álbum não tem apresentação única e exclusivamente porque me envolvi de uma forma tal que não consigo apresentá-lo. Teremos que esperar pelo próximo.


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