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Fotografia: Sara Coelho
Publicado a: 20/11/2019

Depois de Singapura, os dois artistas voltam a trabalhar juntos em “Serotonina”.

Vasco Completo sobre “Serotonina”: “Sinto que a escrita do Tamura expressa uma certa melancolia que existe na minha música”

Fotografia: Sara Coelho
Publicado a: 20/11/2019

Vasco Completo convidou João Tamura para colaborar em “Serotonina”. O tema foi apresentado com um lyric video assinado por Pedro Mkk e integra um maxi-single juntamente com “Domingo (ou Devíamos Cheirar À Mesma Casa)”.

Anteriormente conhecido como Caco, o guitarrista e produtor entrou em cena a solo à boleia do colectivo Monkery Collective. Após três entradas na compilação que apresentava o grupo, dividido entre Lisboa e Londres, Vasco Completo começou a trabalhar no seu próprio portefólio, que está digitalmente arquivado em plataformas como o SoundCloud e o Bandcamp. Nos últimos anos editou o EP de estreia Narcisos e ainda alguns singles, como “VHS”, “Alive” ou “Polaroid”, este último alvo de uma menção honrosa nos prémios Novos Talentos Fnac 2018. Em Outubro deste ano ouvimo-lo revisitar uma das suas primeiras faixas de sempre: “Running” foi apresentada juntamente com um vídeo da autoria de Beatriz Passos, agora numa versão mais lenta e reverberada. Um par de semanas antes, vimos o seu nome constar nos créditos de Singapura, o primeiro acto do álbum de estreia de João Tamura, com quem volta a colaborar no seu derradeiro lançamento de 2019 — e que fará parte do alinhamento da actuação do rapper no Super Bock em Stock. O Rimas e Batidas falou com Vasco Completo acerca deste novo lançamento e dos projectos que tem guardados na gaveta para o ano que se segue.

Esta não é a primeira vez que colaboras com o João Tamura, que depois de te ter recebido no seu último trabalho deixa agora também uma impressão sua no teu catálogo. É um daqueles casos da música portuguesa que facilmente imaginávamos em cima das tuas produções. Como se deu esta ligação?

Também sinto que o tipo de escrita dele expressa uma certa melancolia ou profundidade que existe na minha música. A minha ligação com o Tamura deu-se por um convite meu para uma participação, ainda na altura do Narcisos. Na altura não se deu, mas posteriormente o João convidou-me para ajudar na produção do Singapura – Acto I, o disco lançado no passado mês de Outubro pela Discos Distopia. Gravei, a partir da excelente produção do Link, e ficou um belo trabalho — ter ficado com aquela guitarra final da “07/Março/93” foi incrível, ainda por cima depois de ter ficado fã do Tamura com essa música. Enquanto ele aguardava pela mistura do Singapura, pediu-me para trabalharmos numa coisa nova e passei-lhe este instrumental.

No lyric video tens ainda a ajuda do Pedro Mkk. Que ligação fazes entre o suporte visual resultante da parceria e a música que nos apresentas hoje?

A ideia pedida ao Pedro foi ela bastante específica e objectiva. Com alguma liberdade para experimentar com a forma, sugeri-lhe a ideia das luzes da cidade a andar de carro, naquela estética esbatida e desfocada. Aliás, até lhe pedi a responder a um insta story em que ele mostrava um vídeo dele com uma estética semelhante. Com aquelas legendas dignas de filme — também pela qualidade da letra do Tamura — acho que ficou uma peça bonita de se ver, sem tornar o lyric video enfadonho, a meu ver. O lado visual é muito relevante para o tipo de ambientes que procuro com a minha música. Pensando bem, enquanto que há artistas que procuram expressar-se a partir duma narrativa mais clara, com uma linha de raciocínio cronológica, por exemplo, acho que muito do que eu faço se baseia muito mais no desenho de ambientes/sentimentos/moods, numa visão muito mais vertical da narrativa da música que horizontal (penso que o Jon Hopkins disse mesmo isto, na altura do Singularity, salvo erro). Como tal, esta imagem das luzes sempre foi uma que me emocionou. Recordo-me desta estética a andar de carro à noite em miúdo, nos meus primeiros anos de vida (se a memória não estiver a enganar-me).

Fala-me do lado conceptual deste tema. Como nasceu esta ideia do “Serotonina”?

Andei viciadíssimo na “Limerence” do Yves Tumor. Até acho que a “Serotonina” define, ou assemelha-se, em termos do mood dessa música. Quando fui ler sobre o que era limerence fiquei fascinado. É uma espécie de sentimento platónico, dum amor quase obcecado, mas sem ser abusivo (leiam mais sobre isto, não sou a melhor pessoa para explicar, visto ter sido um conceito criado no ramo da psicologia). A ler sobre isto, deparei-me com a serotonina, conhecida, entre várias outras funções (tanto quanto entendi), por controlar os “moods“, a nossa disposição e emoção. Achei esta ligação curiosa e, tendo falado disto ao Tamura, ele soube pegar com exactidão e mestria nesta ideia. Elevou o instrumental a outro patamar, a meu ver. Dentro desta noção, culmina na “Domingo”, que aparece como expressão da função da serotonina no cérebro, pela sensação ambígua que sempre tive perante este dia da semana: sereno e melancólico.

De que forma é que foi construída a faixa, desde a produção até à gravação final? Deixaste o João mais à vontade para divagar no instrumental ou tinhas uma ideia mais específica em mente e deste-lhe algumas indicações sobre aquilo que pretendias?

Inicialmente, o mais engraçado é que essa faixa nem estava destinada para um rapper. Ao contrário do que foi com a “ID” e com o J-K, na qual lhe pedi algo mais objectivo (embora ele tenha encontrado espaço para criar de maneira livre também), esta música estava planeada para ser ou apenas instrumental, ou ter um spoken word por cima. Aliás, quando o Tamura me pediu instrumentais para trabalhar, enviei o da “Serotonina” e disse-lhe mesmo para tentar uma cena mais falada, em spoken word mesmo. Quando ele recebeu, disse-me que gostou tanto que queria tentar rimar por cima. A estrutura ficou conforme lhe enviei, e aquela parte cantada ficou óptima, na minha opinião. Quanto ao instrumental foi algo de muito espontâneo e tentativa-erro na primeira fase. Na segunda, foi muito mais moroso e calculado. No final já não sabia que instrumentos deixar, ou como deixar a mistura. Comecei a ficar um bocado paranóico à volta do beat. Começou com a guitarra que, em conjunto com a batida, coloquei a altura (“pitch”) mais grave e diminui os BPMs de tudo — andei a ouvir muita coisa em “slowed + reverb”, em minha defesa. Fui adicionando camadas, entre teclados e samples. No fim, e graças ao Link, ainda gravei um vocoder (uma experiência divertida e viciante), e juntei uns adds porreiros de baixo do Miguel Ropio (estávamos todos no ensaio dos concertos para o Tamura). Por estar com muitas coisas em mãos neste período, a faixa que estava quase terminada em Abril, só ficou mesmo feita agora, no princípio de Novembro… Mas sai em tempo de frio, por isso fez sentido. Não sei se gosto de fazer música sazonal, mas senti que este beat não pedia calor.

Já tinhas contado com vozes convidadas no “ID”, neste caso do J-K e da Carolina Caldeira. É algo que pretendes aplicar mais regularmente à tua obra daqui para a frente?

Não sei bem dizer. Eu tenho intenção ainda de experimentar imensa coisa com a minha música. Acho que não me consigo focar num estilo apenas, nem mesmo fazer uma faixa catalogável num género só. Tenho feito muita coisa este ano que ainda creio que se dá bem apenas em instrumental. Por cá, estes eram dois dos rappers com que eu tinha mais curiosidade em trabalhar. Penso que, com ambos, ainda se vão dar mais trabalhos para a frente, se tudo correr bem. Tive sorte que eles os dois aceitaram trabalhar comigo. São dois dos tipos que acho mais interessantes a escrever por cá: um pela escrita mais metafórica, o outro pelo lado mais emotivo e poético, penso. Ambos têm timbres que encaixam no tipo de instrumentais que crio, além do que já referi. Quererei certamente ter mais vozes diferentes, mesmo fora do rap, ter vocalistas. Inclusive tentei chamar outras pessoas para gravar vozes para esta faixa, mas acabou por nunca se concretizar.

Além de ser instrumental, a proposta sónica que nos ofereces em “Domingo (ou Devíamos Cheirar À Mesma Casa)” é também bastante distinta do que fizeste no “Serotonina”. Mais experimental, com espaço para trilhar caminhos menos óbvios, de guitarra em riste. Fala-me desta dualidade musical e de que forma é que ela representa o espectro de sons com que pretendes embelezar a tua discografia.

Pegando um pouco no que disse na pergunta anterior, tenho vários universos musicais que pretendo explorar. O r&b, a electrónica, o ambient e o mundo alternativo (além duns sub-géneros mais pontuais), serão certamente os mundos que procuro mais. Eu tentei durante um tempo forçar, quase, uma certa coesão no meu projecto. Acho que me apercebi que a carga emocional, a profundidade conceptual e o meu cunho pessoal nas faixas (muito pelo carácter harmónico e lento das mesmas, e pelo uso da guitarra, creio) conseguem fazer esse trabalho por mim. Não acho que faça sentido agora fazer um disco completamente fora destes géneros em que estou a trabalhar, mas sou livre de o fazer. Há muitos mundos por explorar. Para “embelezar” a minha discografia, como disseste, gostaria imenso de trabalhar em música para audiovisual (filmes ou curtas-metragens), por exemplo. Mas penso que, para fechar esta questão, uma grande influência minha para o registo deste maxi-single é o Burial. Neste último ano explorei mais a sua discografia além do Untrue e a diversidade de música que ele faz é impressionante… mas quando o ouvimos, sabemos que é Burial, certo? Tem o cunho pessoal dele. Mesmo que neste último maxi-single dele, o “Claustro”, tenha feito algo mais upbeat, típico da electrónica que fazia na altura do seu conceituado álbum no lado A, o lado B é uma faixa ambient (e que faixa!), sem beat. O formato em que a “Serotonina” sai, com este lado B, podia ser uma ode ao Burial, também. Foi companhia e inspiração ao longo de 2019, para mim.

Já passou um ano desde que editaste o teu EP de estreia. O que se segue daqui para a frente? Já te passou alguma ideia pela cabeça sobre o que vai ser o teu ano de 2019 a nível artístico?

2019 foi bom para ter mais e melhores concertos — riscar o Lounge de salas em que me queria estrear, e o Sofar Sounds Lisbon, onde já queria ir há um tempo. 2019 já terá apenas selecção de demos e decisões para os futuros trabalhos. Tenho um EP para terminar no início de 2020, tenho um conceito no qual estou a começar a trabalhar para um futuro álbum. Mas ainda é cedo. Além de adorar o registo e formato do EP, sinto que para chegar ao álbum ainda preciso doutras ferramentas e noções técnicas que ainda estou a apreender. Tenho um projecto audiovisual quase a ser lançado com a Beatriz Passos, o verde-mar; algumas colaborações que ainda estão ou a ser faladas, ou na gaveta. Para o início do próximo ano, ainda vêm remisturas deste maxi-single, se tudo correr bem. À parte isso, tenho em mim todas as vontades do mundo para colaborar com mais malta, para trabalhar mais com vídeo, e para produzir mais e melhor.

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