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Third Noise Principle

Cherry Red Records / 2019

Texto de Rui Miguel Abreu

Publicado a: 19/01/2019

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O subtítulo ajuda a estreitar o foco: “Formative north american electronica 1975-1984 – excursions in proto-synth pop, diy techno, noise and ambient exploration”. Trata-se de Third Noise Principle, o mais recente volume na importante série Close to The Noise Floor através da qual a Cherry Red já tinha anteriormente disponibilizado antologias dedicadas à “electrónica formativa” do Reino Unido e da Europa.

O mérito destas compilações é múltiplo: tomando o exemplo deste novo volume concentrado na produção norte-americana, ao alinhar diferentes perspectivas — cold wave, punk, synth-pop, experimentalismos variados, disco, industrialismos mais ou menos pesados… — o que uma antologia destas consegue é criar uma nítida imagem de uma vasta paisagem estética onde antes porventura poderiam apenas existir retratos soltos e desligados; por outro lado, estes volumes provam que não é apenas uma questão de sintonia tecnológica: o que une estes diferentes exploradores não é o facto de usarem as mesmas ferramentas, mas sobretudo a vontade de erguerem novas linguagens musicais, separadas muitas vezes do comum devir histórico da música popular.



A viagem aqui proposta volta a estender-se por quatro CDs num total de 60 faixas incluindo algum material inédito, o que só valoriza o seu aspecto documental. Pode ainda referir-se o facto de ao fazer ombrear material de nomes amplamente conhecidos — casos dos Suicide, Craig Leon, Residents, K Leimer, Philip Glass, Patrick Cowley, NON, Marc Barreca, Laurie Spiegel, Terry Riley, Tuxedomoon, Nash The Slash, Steve Roach, John Bender ou Ministry — com outros mais obscuros — Lon C. Diehl, Voice Farm, K7SS, Short-Term Memory, Galen Herod, Dog As Master, Mental Anguish, Boy Dirt Car ou Sequencer People — e ainda aqueles que sendo relativamente familiares, têm ainda muito por descobrir — Tone Set, Richard Bone, Kevin Lazar, Controlled Bleeding ou Joel Graham –, estes trabalhos antológicos alcançam o objectivo de revelar ao mundo que o tempo não filtrou para o presente tudo o que merecia a posteridade. A diferença entre a relativa notoriedade de alguém como, por exemplo, Marc Barreca e a dimensão mais discreta de uns Rhythm and Noise pode ser meramente acidental (e encontrar exemplares de 1984 do primeiro álbum do grupo na Ralph Records a 10 euros no Discogs indica que a atenção especulativa do presente ainda não se voltou para eles).

Pode argumentar-se que muito do material aqui incluído tem já o estatuto de clássico sobejamente conhecido (e é impossível citar um exemplo mais notório do que o de “Rocket USA” dos Suicide de Alan Vega e Martin Rev), que já mereceu oportuna reedição anterior (o incrível “Donkeys Bearing Cups” de Craig Leon, por exemplo, é uma das peças de Nommos, álbum que a Superior Viaduct reeditou em 2013) ou que já foi coberto por mais ambiciosas antologias apresentadas por etiquetas especializadas como a Vinyl On Demand (casos de Tone Set ou K Leimer…). Tudo verdade, mas há muitas maneiras de contar uma mesma história, muitas formas diferentes de apontar uma câmara e o ângulo adoptado pela Cherry Red tem sido sobretudo didáctico, objectivo que volta a ser cumprido neste terceiro volume de Close to the Noise Floor que volta a contar com detalhadas notas para cada faixa, com declarações sempre que possível dos músicos originais.



O ensaio que abre o generoso booklet, a cargo do jornalista Dave Henderson, e a curadoria de Richard Anderson são pontos altos de um documento que tem a modéstia de reconhecer o trabalho de Frank Maier na Vinyl On Demand ou contributo reverente de uma revista como a Electronic Sound como factores cruciais para se chegar ao resultado final aqui apresentado.

Para o ouvinte, poder contar com estes manuais introdutórios a um universo complexo, de muitas e difusas camadas, é um luxo que não se pode nem deve dispensar. Cada uma das 60 faixas cuidadosamente escolhidas para este alinhamento poderá funcionar como porta de entrada para fascinantes universos paralelos. “AM City”, dos Voice Farm, é um exemplo possível: tema que abria um álbum de 1982 originalmente lançado na Optional Records pode ainda ser adquirido por meia dúzia de euros, dado extraordinário tendo em conta que se trata de uma belíssima polaróide de um tempo em que dois amigos, armados com pouco mais do que um Farfisa, uma Roland Space Echo e uma Drumatix TR-606, conseguiam projectar imagens de um fantasioso futuro que continua, quase quatro décadas depois, a soar moderno e exótico e misterioso e sedutor. O que só me faz querer clicar no botão “add to collection” do Discogs…


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