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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Bernardo Casanova
Publicado a: 12/03/2024

Com bem mais no horizonte do que a vista e a memória alcançam.

Van Zee no Capitólio: O Novo e o Mar

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Bernardo Casanova
Publicado a: 12/03/2024

Chegamos à conclusão de que poderemos estar a ser demasiado exigentes sobre quem, afinal de contas, ainda agora começou nisto. Mas esse é o preço a pagar pelo sucesso. Porque com o sucesso vem a responsabilidade de lhe corresponder em medida pelo menos não inferior, e quanto maior for a subida, ainda para mais repentina, maior será a vertigem.

A nota preambular facilmente poderia ter aplicação sobre o rescaldo dos desanimadores resultados que vimos desenrolarem-se na madrugada de domingo passado adentro, mas a noite eleitoral, deste lado, passou-se alheia a sondagens ao minuto (bom, mentimos se dissermos que não espreitámos pelo telemóvel a progressiva ocupação dos assentos parlamentares aqui e ali), ainda que estivéssemos bem perto dos principais actores políticos. Por exemplo, do Hotel Altis — de onde um dos candidatos a Primeiro-Ministro se foi apercebendo da sua derrota nessa contenda — ao Capitólio distam a pé uns dez minutos, sempre a subir, mas nem os socialistas fizeram questão de testemunhar a segunda de duas noites de estreia de Van Zee a solo em Lisboa, nem os fãs do artista madeirense quiseram perder o segundo concerto de apresentação de do.mar na mais cotada avenida da capital para acompanhar as oscilações percentuais em tempo real.

Servisse-nos um de consolo do outro. Não sobre derrotas alheias, de que cor forem, há que ressalvar. Mas, enfim, numa fase em que, por muito que nos custe aceitar, um desfecho como o que se verificou já nos diz respeito, nem a predominância de um espírito juvenil nos contagiou ao ponto de embarcarmos na maré de êxtase perante a presença de Sebastião Caldeira, que recebeu a sua inquestionavelmente fiel tripulação a bordo de um vai-a-remos centrado ao palco da sala de espectáculos adjacente ao Parque Mayer.

Deste capitão, por sua vez, não se duvide. Já mostrou, vezes sucessivas, ter tudo o que é preciso para vingar. Não se conquistam meio milhão de ouvintes mensais do dia para noite, muito menos se mantém essa multidão sintonizada meses a fio sem se ter qualquer coisa de especial. Ponto assente. Agora, não nos esqueçamos que tudo isto se arrecadou em pouco mais de um ano, e não há quem, nessas condições, não acuse dores de crescimento. Que nesta noite nebulosa (a tantas dimensões…) se manifestou, de forma geral, pelo excesso que, apesar de tudo, sempre abona mais a favor do que quem peca por defeito.

Temos, cá para nós, que o tom com que Van Zee abordou a esmagadora maioria das canções que escolheu levar para ambas as datas — com do.mar em clara evidência, mas com espaço para algumas das “antigas”, se assim pudermos caracterizar — prender-se-á com o seu histórico de actuações até à data. Entre festivais, alguns já em palcos consideráveis, e festas académicas, a pouca estrada que já tem acumulado tem-no obrigado a puxar pelos decibéis acima porque os contextos assim o exigem. E chegado ao Capitólio com o ímpeto e a vontade de quem tem granjeado Portugal de lés a lés, agarrou-se ao palco com todas as forças e amarrou a plateia com todo o carisma (e os créditos que a sua música encerra, verdade seja dita) que lhe assiste, quando, por mais inusitado que possa parecer à distância, era contenção que se lhe pedia.

Porque, novamente — e vale a pena sublinhar —, há realmente um magnetismo na música de Van Zee que não deixa indiferentes largos milhares de pessoas. E é precisamente por essas canções irresistíveis que este prodígio madeirense tem amealhado, também ao vivo, rios de gente, canções essas, nessa noite de 10 de Março, cantadas quase à desgarrada, de um só jorro, sem poupança no fôlego e sem economia de esforço vocal. Com banda à retaguarda na mesma frequência, nem teve outra hipótese que não a de esticar cada faixa do alinhamento e furar o próprio suporte instrumental para se fazer ouvir. De tal forma que algumas delas acabaram desvirtuadas da sua força original, contraste ainda mais vincado com as entradas de colaboradores de do.mar como Ivandro ou pikika, que, despidos de adornos melódicos e alinhados com os respectivos tons de conforto, devolveram designadamente a “Chamadas” e “Saudade” as suas versões translúcidas.

Tudo isto para dizer que o menos teria sido mais. Que todos os males, nesta sede, fossem esse, não obstante. Até porque, de resto, nada há a apontar a quem nos seus vinte e poucos anos e em tão escasso tempo teve tamanho e tão orgânico impacto numa indústria tantas vezes calculista. Estranho seria não haver absolutamente nada a melhorar numa fase ainda embrionária. Aliás, na prática, estas foram as suas primeiras duas (sem contar com a primeiríssima no Hard Club) grandes datas em nome próprio, sendo que para este ano já tem outras 37 em agenda. Nada mau para quem, nas suas palavras, há um ano nem contava fazer da música primeiro plano. Hoje, não há plano na música contemporânea portuguesa que não passe por ele. E isso, mesmo não tendo ficado esclarecido na sua performance isoladamente considerada, é incontornável a todos os níveis. Soprem que ventos de mudança ao longo da nossa costa soprarem.


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