pub

Fotografia: Jame St Findlay
Publicado a: 29/05/2025

Medos, derrotas e desamores servidos em curtas canções de rock num novo álbum.

Vaiapraia: “Preciso de uma vivência acumulada para conseguir sentir que tenho um disco”

Fotografia: Jame St Findlay
Publicado a: 29/05/2025

Alegria Terminal, editado a 23 de Maio, é o mais recente trabalho de Vaiapraia pela Maternidade e surge como solução escapista para uma sociedade em decadência. Com melodias catchy, apoiadas nos cantos de sereia das suas bandmates, Rodrigo Vaiapraia oferece (à falta de cura) tratamento para os males que vamos partilhando. Medos, derrotas e desamores são transformados em canções curtas e incisivas, numa interpretação rock com ironia e humor daquilo que é uma civilização em ruínas. E se este for o penso rápido, não o queremos ver descolar.

Não sendo spoiler, vale mais a pena lerem de seguida a entrevista que o artista concedeu ao Rimas e Batidas a propósito do seu novo disco. Mas não antes de atentarem as datas em que poderão escutar o sucessor de 100% Carisma (2020) — com os EPs Estrelas e Trovões (2023) e Culpa Trauma Vergonha (2024) a terem surgido a meio do percurso — ao vivo: Vaiapraia toca hoje mesmo (29 de Maio) no Rock In Ria (Aveiro), tendo logo de seguida passagens pelo Texas Bar (30 de Maio em Leiria) e Caldas Late Night (31 de Maio nas Caldas da Rainha); mais lá para a frente há actuações no The George Tavern (29 de Junho em Londres), Barreirinha Bar (5 de Julho no Funchal), Noites de Verão (24 de Julho em Lisboa) e Sons no Montijo (25 de Julho no Montijo).



Nos últimos cinco anos, portanto desde que lançaste o 100% Carisma, houve dois EPs com luto, culpa, trauma e vergonha. Sobre o que é que te debruças neste novo álbum e de onde surgiu a necessidade de fazer agora um longa-duração?  

Enquanto eu estava a fazer os EPs já estava a fazer este álbum. Mesmo antes do 100% Carisma sair, já estava a trabalhar neste álbum de certa maneira. Porque a maneira como eu trabalho — e agora é uma coisa que eu já percebo e que acho que é preciso alguns anos para perceber — tem a ver com acumulação. Como se fosse tipo um arquivo desarrumado de muitas coisas.  

Um hoarding de pensamentos? 

De observações em cima de tudo, sim. Ou de coisas que eu vou tirando daqui e dali. Mas eu já te conto uma coisa que leva literalmente à letra isso para este disco. Mas sinto que quando o outro disco saiu nós tocámos muito pouco por causa da pandemia. E eu mudei-me, tive a estudar, a minha vida teve várias mudanças… Mas o que eu sinto é que eu preciso de uma vivência acumulada para conseguir sentir que tenho um disco. E hoje em dia, a crítica que eu faço em relação ao 100% Carisma é que eu acho que ele foi pensado de maneira muito emocional, muito impulsiva. No todo, podia ser mais despido, mais coerente. Aos olhos da pessoa que eu sou hoje, acho que, no todo, ele ganhava em ser mais curto, por exemplo. E isso foi um bocado uma aprendizagem. Então… Eu estive a fazer muitas músicas desde que começou o confinamento, durante o confinamento, quando deixou de ser confinamento, quando mudei de casa várias vezes, de cidade, de país, etc. E comecei a perceber: “Ok, como é que eu vou fazer um álbum? Será que vou fazer um álbum a solo?” Durante muito tempo, foi o que eu achei que ia acontecer, mas depois nunca se reuniam as condições para eu fazer um disco. Nem eu tinha tempo, nem os recursos para estar no estúdio — a pagar uma pessoa para me gravar, misturar —, nem eu sentia que estava preparado. Estas músicas são uma família. E tinha muitas músicas que fui fazendo e deitando fora. Umas foram para esses EPs, outras eram para estar neles e não estão. Foi muito fazer e deitar fora, fazer e deitar fora. E depois fui selecionando. E em termos de banda, comecei a trabalhar neste disco em 2022. Tivemos dois períodos de residência que foram muito diferentes e que foram muito importantes para afunilar aquilo em que eu ia trabalhar.  

E qual era a história que me querias contar? 

Ah! Na primeira vez em que eu toquei cá em Londres — que faz agora dois anos — conheci uma pessoa que era do círculo de amigos do meu namorado, que é a Katie O’Neill. E ela disse: “Olha, eu entro no mês de Junho e tenho agora um estúdio livre, devíamos ir para lá fazer umas sessões. Gostei bué da tua cena”. Não me explicou bem porquê, mas disse só “olha, bora”, e fomos para esse estúdio numa casa de um artista. Uma casa bué fértil de um artista indie conhecido. Não vou fazer name dropping [risos], mas… Acima de tudo, sinto que eu precisava de a conhecer naquele momento. Ela deu-me bué confiança, que eu não estava a ter, porque durante estes cinco anos duvidei muitas vezes do papel da música na minha vida. E quanto tempo é que eu iria dedicar à música, de que maneira, onde, como… Será que fazia sentido fazer música estando aqui em Londres? Etc, etc, etc. E depois, nesse primeiro concerto, não só da Katie, mas a reacção que eu tive de várias pessoas que não falam português… deu-me imensa confiança enquanto músico. Na verdade, eu tenho bastante confiança em mim enquanto letrista e enquanto performer, mas não tenho muita confiança em mim enquanto músico. E ela deu-me essa confiança. Tipo, como as pessoas não falam português, muitas vezes, quando eu toco cá, elas cantam as coisas que eu faço com a minha voz, ou o baixo, ou isto e aquilo. E eu fiquei: “Ah ok, eu consigo fazer isto.” Então, desde aí, até ao final do ano passado encontrámo-nos várias vezes. E ao início estávamos a pensar fazer um disco a solo, tentar trazer umas cenas mais electrónicas, tipo, brincar um bocado com registos mais experimentais. Mas a cena não estava a rolar. E ela queria manter a cena rock, mas trazer uma cena, I don’t know, mais “agora”, I guess. Mas depois, a primeira vez que a minha banda tocou em Londres, no final de 2023, ela foi ver e disse só: “Não. Esquece tudo o que nós andámos a fazer. Nós temos de fazer um disco é com a tua banda. Tipo, não faz sentido fazer outra coisa”. E depois tivemos uma residência no Cacém, no Teatro Mosca, que foi bué importante para trabalharmos nas nossas músicas. Ainda por cima deram-nos mesmo um auditório, não estávamos numa sala de ensaios, estávamos a ensaiar no palco para uma plateia vazia. E há muito da banda no álbum. Desculpa, já estou a ir muito para além da tua pergunta.

Estás óptimo, segue o coração. Estavas a falar da língua há pouco. Fez-me pensar na “Sing Along”, em que estás a falar para um público que não entende a tua língua. Tem alguma coisa que ver com isso que estavas a falar? 

A primeira música que abre o disco é mesmo a falar sobre isso. Acho que eu estava mesmo muito cínico. Não sei. Cansado, com várias perguntas. Um bocado desiludido com várias coisas. E essa música é sobre esta ideia de porque é que eu estou a fazer música. E a resposta é tipo… Junta um bocado o inglês e o português, porque a certa altura já é tudo um bocado igual. Na verdade faz um bocado um paralelo com essa música da “Sing Along”. Porque a única coisa que importa é estarmos aqui, neste espaço. Estamos a tocar, estamos a cantar e estamos a fazer esta cena acontecer em conjunto. Eu refleti muito sobre isso, sobre esta ideia do: “Será que devo fazer músicas em inglês? Será que não devo? Será que é uma coisa falsa? Será que é uma coisa boa?” E em Portugal fala-se muito disto. E acho que aqui há menos pudor. Também porque há tantos imigrantes de tantos sítios, as coisas misturam-se muito. Mas eu também sinto que, a certa altura, percebi que não tenho de estar a agradar o público português, nem o público inglês. Eu vou só fazer uma coisa que me divirta. Porque há uma dureza e há uma dificuldade em fazer música até ela se tornar uma coisa que é desfrutável e que é realmente uma coisa que traz prazer. E nesse processo eu não quero fazer coisas mais complicadas do que elas já são. Principalmente porque eu não faço música a full time e a minha música tem que ser uma coisa directa. Sinto que todas as músicas em que eu penso muito, depois não são boas músicas. Acho que a idade tem-me trazido essa confiança na intuição. E um bocado porque eu naturalmente sou um people pleaser, gosto de agradar um público. E eu tento contrariar essa minha tendência. Não é uma coisa boa nem má, mas quando eu estou inseguro, a coisa que menos me ajuda é estar a pensar no que é que os outros vão achar.  

E achas que com o amadurecimento foi menos necessária essa procura de validação?  

Eu acho que… eu sou um ser social. Nós somos todos seres sociais. E eu sou uma pessoa bastante social. E a maneira como eu estou integrado ou não numa comunidade ou em várias comunidades impacta-me muito. Eu sentir que sou entendido ou não sou, que sou validado, que sou apreciado… É uma coisa que pesa. E acho que isso não é uma coisa necessariamente negativa. Isso quer dizer que eu não penso só em mim. 

Claro, e pode ser um reforço positivo. 

Mas, sem dúvida, acho que uma pessoa é mais feliz se diminuir a quantidade de validação externa que precisa. E uma coisa que para mim é importante são as definições de sucesso. É uma coisa em que eu penso muito, porque se nós formos pensar no nosso trajeto artístico como as empresas pensam nos seus resultados, na sua carreira, nos factores indicativos de performance boa ou negativa, no fundo é o que a quantidade de streams vai dar, a quantidade de concertos vai dar. Se o teu cachê é alto ou é baixo. Se tu tens pessoas que estão lá a comprar o teu merch ou não estão. Todas essas coisas giram à volta da música enquanto indústria e são traduzíveis em coisas numéricas. São coisas que têm um peso e que são importantes para o músico poder existir e continuar. É estranho. São uma coisa muito corrosiva. E acho que é fácil — e eu entendo a quantidade de artistas que eu conheço, inclusive eu, que por momentos sentem isso — entrar numa espiral de comparação que é totalmente paralisante. E é fácil entrar numa mentalidade competitiva em que sentimos que ou somos nós que temos espaço ou é a nossa banda amiga ou é o nosso colega… Mas há uma cena importante que é: estás a ver aquelas marcas de chá um bocado parolas, do tipo Yogi Tea ou assim, aqueles sacos de chá que têm uma mensagem? Até tenho uma aqui no frigorífico em casa que eu pus porque eu achei tipo… “É isto! É isto! É isto!” E a mensagem era bem simples. “Joy is the essence of success”. Ou seja, se no processo está lá a tua razão real do estares a fazer música, o teu incómodo ou a tua celebração quando estás a fazer aquela canção, a escrever aquela letra, se estás a fazer aquela música com pessoas de quem tu gostas, se vocês estão a rir entre cada erro que dão… A música tem uma possibilidade muito maior de ser uma música que outras pessoas vão gostar. Não é só a guitarra e os pedais e os efeitos que tu usas. É a tua paleta emocional. Ela passa para a música. Eu acho que neste disco o meu modo foi carregar a intenção. E perante uma data de coisas negativas, um cenário em que muitas pessoas à minha volta não estão bem, a lidar com o luto e com várias coisas, eu acho que a música tem de ser um bocado uma alienação. Mas uma alienação que, no fundo, toca na realidade. É uma coisa que está presente. Não sei se estou a fazer sentido. 

Sim, eu acho que sim. Não sei se foi bem uma… crise que tu tiveste sobre a tua relação com a música, daquilo que estavas a falar há pouco, mas eu própria a certa altura deixei de escrever, porque achei que o processo criativo era tão doloroso que não justificava continuar. Quase deixar de gostar daquilo que eu gosto por fazer aquilo que eu gosto. E a forma de eu me conseguir conciliar com isso foi, na realidade, escrever por amor. Não sei se isto faz sentido dentro daquilo que estavas a dizer. 

Claro, sem dúvida. Acho que o que tu estás a falar toca numa coisa importante. Se tu paras de escrever, ficas tipo: “Quem é que eu sou se não escrevo?” 

Exactamente. 

É um bocado conseguir imaginar que a nossa identidade é outra coisa além do que nós fazemos. A nossa identidade é também quem é que nós somos, as amizades que nós temos com as pessoas que nós amamos, a maneira como nós aparecemos para alguém que está a precisar de nós. Isto são tudo coisas tão importantes, como qual é o nosso trabalho, ou qual é a nossa vocação, ou qual é a nossa paixão.  

Achei que Alegria Terminal era um paradoxo curioso. Por um lado existe esta estranha chegada ao termo “alegria”, por outro o culminar num estado terminal. Queres falar um bocadinho sobre este título?  

Eu escolhi o título porque eu gosto desse contraste. Ele vem da música de “Eu Quero, Eu Vou”, em que eu digo “duas andorinhas que são um casal, sinal numinoso, alegria terminal”. Acho que a coisa que mais gosto no título é que é um bocado ambíguo. E eu já perguntei a pessoas próximas: “O que é que tu achas? Ou o que é que te vem à cabeça?” E é bué interessante que várias pessoas dizem uma coisa, outras dizem outra. E eu gosto que se mantenha assim. Tipo, eu sei porque é que se chama assim o disco, mas eu não quero dizer [risos]. Mas representa as músicas do disco e representa as minhas preocupações nestes últimos anos. Acho que passam muito por ver o tempo a passar e o que é que se pode fazer com o tempo. E perceber que o tempo é limitado, que as coisas acabam. E como é que se pode olhar para isso sem ser de uma forma fatalista, mas ao mesmo tempo sem ser de uma forma ridiculamente positiva. Mas isto não é uma explicação, acho que eu estou preocupado com a mortalidade, acho que é isso. Eu acho que, no fundo, estou a tentar fazer uma data de músicas sobre nascer e morrer até estar totalmente confortável com isso. Até eu perceber que é ok. Imagina, eu sinto que quando eu comecei a fazer a cena de Vaiapraia, eu escrevia imenso sobre rapazes e sobre o que é a cena de ser gay, o que é sexo e não sei quê. E entretanto não há muito para onde ir… É uma cena que eu precisei de processar. E agora a cena que eu preciso de processar é a morte. E perder pessoas próximas e é como é que dás sentido a isso. E é perceber que eu não sou ateu. São várias coisas, não sei.  

Oiçam o disco e descubram. 

Sim, é isso. Está a fazer sentido o que eu estou a dizer? 

Eu acho que sim. É o estares confortável com a tua própria mortalidade e com a mortalidade à tua volta, de alguma forma.  

Não, não estou! Por isso é que estou a fazer estas músicas [risos]. 

É o chegares lá. Também senti que neste disco, por exemplo, em comparação com as trevas do último EP, houve mais luz. Ou seja, apesar de haver sempre luz e dor imprimida, achas que há mais luz do que trevas? 

Eu acho que há as duas coisas. Eu sinto que sempre que eu toco em banda, a maneira como nós escrevemos, e o facto de já não estar sozinho no meu quarto a fazer músicas que lhes vou mostrar… Eu só nos ensaios já estou com outra postura, com um tom mais social, mais animado porque estou com quem eu gosto. Eu sinto que o 100% Carisma é um disco brilhante em termos de valores de produção e acho que era assim que nós queríamos que ele fosse. E neste eu queria só… Eu lembro de lhes dizer: “Eu não quero tentar gravar uma coisa que soa assim ou assado, eu quero que o disco documente o tempo que se está a passar aqui.” No fundo, é mais como se fosse uma coisa de jornalismo ou de documentário. Estamos a tocar estas músicas neste espaço, daí também termos gravado em take directo, é tudo tocado ao vivo. Tem algumas coisas que dobrámos, mas a maioria é tudo tocado ao vivo. E eu não quero inventar muito. Mas em relação às trevas e à luz, acho que se calhar tens razão, acho que se calhar tem luz, mas uma cena mais fadística, de saudade, não sei explicar.  

É da distância. 

Acho que é esta cena de sentir o tempo a passar e as perdas que o tempo dá. Bem, isto parece uma música do Paulo Gonzo já [risos].

Sim, eu também senti, se calhar mais no início do álbum, que tens uma cena assim mais alegre, circense, e que as últimas músicas, não só pelo que elas dizem, mas pelo tom que elas têm, que já voltam a entrar um bocadinho mais nessa escuridão, mas sem nunca ceder completamente.  

Qualquer coisa assim, ya. Sei lá, a última música, que é a “Corta Unhas”, é sobre rejeição, mas também sou eu a dar uma resposta a mim próprio que eu preciso de ouvir às vezes: não é pessoal. Ou seja, montes de coisas que eu quis e que eu não tive e que eu quero e que não tenho… não é um ataque pessoal a mim. As coisas não resultaram dessa maneira. A vida não é justa, é só isso. Algumas pessoas são más e às vezes há rejeições que tu tens, porque as pessoas são idiotas, mas há várias coisas que é só uma pessoa a poder… Uma pessoa que não quer estar contigo, ou uma pessoa que está noutra, ou não ganhaste aquele trabalho, não ganhaste aquele dinheiro, ‘tá-se bem, não é fim do mundo. A rejeição não é igual à morte. Há uma volta a dar à rejeição, enquanto que à morte não. As coisas continuam a doer, mas é mais fácil. Passa mais rápido quando entendes uma coisa.  

Na “Carpideira” tu escreves sobre a tendência em achar que “é o que me magoa que me vai salvar”. Porquê? É o íman da toxicidade? Da auto-sabotagem?  

Não sei, essa frase veio-me assim bué de repente e eu achei só que tinha alguma coisa de verdadeiro nela. E o refrão é um bocado antitético ao verso todo. O verso é todo super “estamos a marchar, estamos com armas na mão, ‘bora aí, mais uma manhã, vamos arrasar”. É um bocado essa cena proactiva, meio combativa. E depois chega o refrão e não. A verdade é que eu só quero é chorar. Mas eu acho que também que a ideia de que o que te magoa te vai salvar também carrega um bocado essa ambiguidade. Pode ser entendida com essa maneira tóxica, como estavas a falar, mas também se tu percebes o que te magoa, mesmo a nível de medicina, estás mais próximo de um diagnóstico, estás mais próximo de uma cura. É estar em contacto com as tuas vulnerabilidades. Há uma letra da Kimya Dawson, dos Moldy Peaches, em que ela diz “I got good at feeling bad and that’s why I’m still here”. Ou seja, esta cena de escrever tantas músicas de tristes e deprimentes e que depois uma data de pessoas, a fanbase dela, se relaciona e que sentia que ajudou muito em momentos de crise de saúde mental, etc. E isso ser, no fundo, essa inclinação para o sofrimento que é precisamente a salvação do mesmo. Ou não há uma salvação, mas um remédio para o mesmo. 

Nessa música também dizes outra coisa muito engraçada, interessante pelo menos, que é: “É só sofrer que me faz valer.” A dor atribui valor? 

A história da música tem várias coisas que cantam esta ideia de sofrimento enquanto uma casa ou enquanto uma coisa de conforto. Mas sim, acho que o sofrimento, na maneira como a sociedade está estruturada, é uma maneira de criar valor. Seja através de uma canção da qual tu podes retirar a validação interna, fazer dinheiro, viajar… Ou toda a indústria farmacêutica que existe à pala do sofrimento. Eu também nunca tinha pensado nisso, mas essa música está a falar de uma coisa que também o “Ulucrudador” fala, não é? A música chama-se o “Ulucrudador”, literalmente. Eu fiz essa música depois de ver o documentário da Nan Golding, sobre a crise da oxitocina nos Estados Unidos. Mas basicamente é sobre a indústria farmacêutica, que cria uma droga que é dada a pacientes… Imagina, partes uma perna, dão-te aquilo e ficas viciado naquilo, estás constantemente a comprar aquilo, morres daquilo, e é literalmente uma epidemia. E a cena de morar em Londres, que é um sítio em que as pessoas estão aqui para trabalhar, para criar valor. Londres não é um sítio para tu assentares e estares com a tua família, é um sítio para tu teres o teu trabalho incrível que te vai permitir estabilidade para tu poderes ir morar para o campo com a tua família. É o que os ingleses fazem. E perceber como é que eu me integro nisso ou não me integro é estranho. Obviamente que há uma maioria das pessoas aqui que são dissidentes e indigentes e que vivem à margem destes trajectos, mas esta é a maioria. E os transportes públicos, as instituições, os hospitais, todas as estruturas funcionam à volta destes fazedores de lucro e de dinheiro. Então como é que tu podes circular à volta disto e como é que tu podes coabitar com isto? Perguntaste uma música, já respondi sobre a outra. Sempre a andar! Eficiência! 

Eu cheguei a pesquisar a palavra e só depois é que percebi. Estão a capitalizar a dor. 

Há pessoal que me pergunta “isso é um medicamento?” Parece aquele Ultralevur [risos]. 

E há alguma música que te seja mais especial neste disco?  

Sinto que a “Tupperware Furado” é importante porque deve ser a música que tem o verso mais antigo dentro dela. Lembro-me de ter outra música que depois nunca saiu em que eu falava que o “eucalipto é o bully da floresta”, para aí em 2017/18. Mas depois essa música foi sempre costurada. Deitava coisas fora, fazia outras… E deu imenso trabalho. Estivemos quase para desistir dessa música, porque não estávamos a perceber o que fazer com ela. Nessa música nós trocámos os instrumentos todos para tentar desbloquear! Quem tocou guitarra foi a Ana, quem tocou bateria foi a Bia, quem tocou baixo foi a Chica. Na composição; depois voltaram aos instrumentos delas e aí conseguimos desbloquear a cena. É uma canção sobre tomares a decisão que é a certa, mas que não deixa de ser difícil. A outra que eu queria falar era a “Ponte S”, porque foi das primeiras que eu fiz aqui em Londres a pensar neste disco, e que eu toquei muito a solo quando fui a Portugal naquela altura. Essa música ajudou-me a desbloquear uma cena qualquer. Eu tinha alugado uma sala de ensaios e às vezes ia sozinho e sentia bué: “Estou aqui sozinho, curtia bué estar com a minha banda…” E depois houve um dia em que eu estava a ir para lá, no autocarro, e estava a pensar numa pintura que eu tinha visto de uma ponte. Uma pintura simbolista de um pintor lituano e eu fiquei a pensar na ponte e na ponte e na ponte… e pensei só: “Eu não tenho nada para escrever, não sei sobre o que hei de escrever”. E depois a cena fluiu e foi só assim um momento. Sabes quando tens um momento? E acho que na maior parte das vezes desligar o cérebro é a saída. 

E quais é que são os próximos concertos na tua agenda e para quando é que estás a preparar a apresentação do Alegria Terminal? 

Na verdade posso dizer-te — ainda não foi anunciada — mas já está marcada em Lisboa. Vai ser na Faculdade de Belas-Artes no dia 24 de Julho, nas Noites de Verão da Filho Único. E cá em Londres vai ser dia 29 de Junho com as Girls 96, a Maripool e a Dudu. E depois temos mais alguns concertos. Vamos tocar à Madeira em Julho e também temos agora uns concertos em Maio.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos