Há eventos que nos obrigam à revisitação de memórias e, simultaneamente, são criadores de novas. Assim aconteceu no sábado, 31 de Agosto, quando nos aproximávamos do local da mostra Vai-m’à Banda. Houve quem fosse do expresso de teleférico e quem preferisse a aventura de se embrenhar nos bosques da Penha de Guimarães. De repente o GPS dizia: “Bem-vindo ao local de busca”.
Ao redor, só afloramentos graníticos e a floresta. “Como é que é possível? Estamos perdidos!? Sim!” Absortos na surpresa natural, ouvimos o que seriam os sons de um P.A., ao longe, lá em cima. É perto! Mas também é longe, está abafado e sobe-se muito no acidente montanhoso. Desembocamos no local e havia uma mesa em frente a uma reentrância nos penedos, estes dois gigantes, e ao lado, no degrau, pai e filho discutiam a forma de melhor nos atender. Dentro havia toda uma família que preparava as melhores iguarias que se podem desejar naquele momento de sede e natureza. Venha uma! Olhamos as horas e o palco, lá em baixo, e percebemos que aquela pedaleira é de Bruno Pernadas. Olhamos o letreiro do lugar e tudo era perfeito, não estivéssemos no palco errado.
Avançamos a mais uma romagem, pelo coração da Penha de Guimarães por onde circularam fotógrafos conhecidos como o “Sr. Fernandes”, da Foto Beleza em tempos de revolução. Lá conseguimos dar com a Adega do Ermitão, onde o vinhão e a sande de presento se misturam com as pizzas e o Romeu Bairos. Um verdadeiro artista de variedades dos anos 70, não fosse estarmos no ano da graça do senhor 2024. Este cantor e guitarrista com um belo e carregado sotaque dos Açores trouxe ao calor da tarde êxitos como “Eu não vou chorar”, “Tédio” e “Saudade, esbanjou a sua boa disposição e acirrou as rivalidades locais — Braga vs. Guimarães. Partimos um naco de broa para ajudar a empurrar a alma até a próxima tasca.
Seria a vez d’Os amigos da Penha serem invadidos por uma multidão que pejou o anfiteatro que a natureza montou em frente a Bruno Pernadas. Estaria aqui demasiada gente que nos empurrava bouça abaixo para que escutássemos as melodias de Bruno da melhor forma. Num ADN cheio de post rock, se calhar mais do que jazz, fomos embalados numa osmose entre o que de melhor tem a Penha e as suaves composições tão bem executadas pelo músico que hoje se mostrava tímido à palavra, em contraponto com o público.
Tas’Copio foi o lugar que nos fez andar às voltas, outra vez, ali no coração da Penha. Deveria ser esta a intenção, fazer-nos descobrir tão aprazível lugar e lograr o seu intento. De costas para o pôr-do-Sol estava o mais aparatoso palco do dia. Um Nord Stage, um MOC e um Roland seriam as consolas da próxima viagem, esta totalmente proporcionada por Marina Herlop, a quem uns lhe colam o rótulo de experimentalismo, outros o do avant-garde folk. Acreditamos que daqui ainda há muito para definir. Marina Herlop parece saída de um estúdio de anime do Japão, com um sorriso infantil e uma mestria musical alienígena. Brindamos a partida do dia e a chegada da noite em frente a um ser belíssimo que poderia ser apenas o fechar do escaparate do Vai-m’à Banda, mas não. Marina Herlop é daqueles seres que se tivermos a sorte de nos cruzarmos, nos vai marcar e gravar uma memória de magia e fantasia. Já não havia tascas, nem Penha, nem mais nada a não ser o pasmo de tão delicioso espetáculo.
Há momentos que nos impactam de tal forma que nos deixam embebidos numa nostalgia duradoura. Assim conduzimos rumo a casa, a pensar em Marina Herlop e de como a humanidade é tão distinta na sua diversidade, onde de um lado do planeta se matam crianças e de outro deusas sobem a palcos humildes e os tornam em altares. É nesta dicotomia que se acende a centelha de esperança de que algo de bom nos traga o futuro.