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Publicado a: 26/04/2017

“O Universo não existe e a Terra é plana”

Publicado a: 26/04/2017

[TEXTO] Rui Correia [FOTOS] Tiago Rosas

Se captei a atenção do leitor, não estou a tentar ter piada, muito menos a mandar uma tirada de “pós-verdade” a ver se cola. É uma mera transcrição de uma conversa de backstage em que o surrealismo prevalece na memória, comparando com as científicas rap talks onde se mede o conhecimento de cada um de nós nesse Universo.

Bem perto do berço da nação, intersectaram-se no passado sábado, em Braga, dois dos grandes exploradores do escrita rap em português: Keso e Nerve, actuaram no TOCA, espaço amplo e agradável com sala de cinema convertida a sala de espectáculos.

As portas abriram-se já após as atenções se terem esfumado de outro universo incontornável, o de um clássico de futebol, e pausadamente, DJ Spot fez o acompanhamento certeiro ao público que se foi acumulando: skills foram jogados incansavelmente a duas mãos sobre clássicos – em jeito de homenagem, ouviu-se Guru, um dos melhores liricistas da sua geração, que nos deixou há 7 anos – e temas mais recentes como “HUMBLE.” de Kendrick Lamar, “Call Ticketron” de Run The Jewels ou “These Words Are Everything” de Jonwayne.

 


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“Dá para ver que acabei de chegar”. Já para lá da meia-noite, Nerve foi o primeiro a assumir o palco, só e bem acompanhado pelas suas pedaleiras, que expõem, pela voz, os seus diálogos interiores. Da languidez do último tema lançado, “DESERTO”, desbravando terreno sonoro à volta dos álbuns T&C/AVNP&NMTC e ENPTO, assisti a um concerto irrepreensível tal como recordava do último espectáculo que tive oportunidade de ver, aquando da apresentação do seu último disco no Vodafone Mexefest em 2015. Talvez mais irrequieto desta vez (dadas as luzes excessivas em palco), o perfeccionismo da sua escrita é dobrado ritmicamente a desejo de Nerve e, ao vivo, foi elevada ao modo peça teatral, em que a encenação de faces e gestos revelaram sarcasmo acérrimo sobre as coincidências da vida, reflexões e indecisões que nos toldam a todos como pessoas (humanas).

“Se ao que vens nem à porta bates/o que é que me trazes?”, o tema misterioso que surge no final do disco KSX2016 abriu o concerto de Keso. Falo de “O Medo”, música inteiramente cantada, enquanto sentado no alto do seu posto de experimentação (de onde vai controlando a sua voz através de uma mesa de mistura e de onde vai lançando samples da MPC) e que serviu de introdução aos últimos concertos no Musicbox (Lisboa) e no Plano B (Porto), este último com sala esgotada. O formato também não se tem alterado nestes últimos concertos: Keso apresentou-se ao vivo com DJ Spot, de cuts precisos e pratos que soam vindos do espaço, numa dinâmica que tem crescido de concerto para concerto, eficaz pela simplicidade. Num set que cobriu toda a discografia, com destaque para KSX2016 e Revólver Entre as Flores e com um único convidado a marcar presença em palco (falo do rapper Kapataz, um verdadeiro hype man durante o tema “Manobras no Outono”), a sala foi levada pela maré impulsiva do artista. Na sua versatilidade, sentiu-se a vulnerável inquietação, de quem fala o que diz ser, seja quando se lança em spoken word ou a cantar (como em “Gente e Pedra”), KESO tem um discurso premonitório e claro de confrontação consigo e com a sociedade. Uma estranha forma de empatizar, que se entranha.

 


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Da intuição à perfeição, dois artistas que apelam à subversão, souberam equilibrar-se nesta data privilegiada em Braga, onde foram levados ao “colo” por um público fiel que não parou de entoar letras suas de início ao fim. Imagino eu, acontecimento aguardado há meses/anos, o de poderem fazê-lo cara a cara.

Uma nota final apenas para a falta de um momento colaborativo entre Keso e Nerve em palco. Esta foi uma experiência que anseio poder repetir numa futura oportunidade.

 


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