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Buraka Som Sistema: um mundo diferente

[TEXTO]  Rui Miguel Abreu [FOTO]  Gonçalo Santos

Os Buraka Som Sistema despedem-se hoje em Belém com um baile. Melhor ainda: com um Globaile que é uma semente para um futuro que eles mesmos tornaram diferente, pela força e originalidade da visão que ofereceram ao mundo. É um momento importante, profundamente simbólico e certamente emocional, este que Riot e Kalaf, Conductor e Branko e ainda Blaya protagonizarão hoje em Lisboa. Numa década, eles transformaram o país, bem mais do que provavelmente carreiras musicais mais longas e porventura com mais intensos aplausos da crítica. Mas mais do que as conquistas artísticas – que são significativas – os Buraka podem reclamar para si os efeitos transformativos de uma visão que de facto mudou coisas no nosso país.

 Há uma década, as explosivas passagens dos Buraka por minúsculos clubes de Santos pré-gentrificação prenunciavam uma movimentação de fundo que não tardou a acontecer. Em 2007 ou 2008, uma jornalista britânica de visita à capital para um evento da Red Bull Music Academy pediu-me uma lista de discos para comprar – pretendia regressar a Londres com uma pilha de CDs com um “som semelhante ao de Buraka” (palavras dela) e recordo que tive alguns problemas em explicar-lhe que eles eram então um caso singular. Quando se apresentaram como praticantes de “kuduro progressivo”, os Buraka suscitaram por parte de muito boa gente reacções tão estranhas como as que teriam gerado caso se descrevessem como “afro-xula”. Mas, mesmo numa capital pré-Principe Discos e Marfox, pré-Batida ou pré “fenómenos da net” como Deejay Telio, a verdade é que os Buraka já representavam o verdadeiro “underground sound of Lisbon”.

 Entenda-se: o que os Buraka ofereceram à modernidade foi uma perspectiva. Mais interessante do que produzir música electrónica no Bairro Alto ou na Damaia, em Almada ou em Sacavém fazendo um esforço tremendo para eliminar as fronteiras físicas e conceptuais que nos separavam de Nova Iorque, Detroit, Londres ou Berlim – e dessa forma apagando de facto qualquer característica diferenciadora – o que as produções de Branko e Conductor e Riot conseguiram foi fazer força das diferenças, criar originalidade a partir do que era comum: o som dos CDRs à venda na Praça de Espanha, a vibração que se soltava dos carros nas filas intermináveis da IC19 , as frequências que faziam saltar as pequenas colunas dos computadores que cozinhavam a revolução da Pontinha à Quinta do Mocho, da Arrentela à Cova da Moura, de Rio de Mouro até à Buraka.

 Os Buraka conseguiram levar essa visão para fora, apresentar outro Portugal ao mundo para lá do fado, tornar “Lisboa” uma palavra interessante para as revistas mais influentes no universo da música urbana mais avançada e pelo meio ainda afirmaram Kalaf como uma distinta voz intelectual e Branko como um verdadeiro produtor “globe trotter” capaz de se movimentar na mesma divisão dos Diplos deste mundo. A Enchufada abriu portas, alterou percepções, criou oportunidades e iniciou diálogos com outras latitudes afastadas do centro. Daí este Globaile. Daí esta nova e vibrante Lisboa que fez centro das periferias e tem vindo a derrubar barreiras e resistências: Lisboa como a nova Lisboa e não a Nova Barcelona ou Londres ou Berlim. Lisboa como o futuro e já não apenas como um glorioso passado. Lisboa como espaço de integração e diálogo, como laboratório avançado de novas dinâmicas sociais. Lisboa como palco para novos heróis, novos sotaques, novos balanços. Esta é a Lisboa que os Buraka hoje legam ao mundo num Globaile diverso e múltiplo e plural. A partir da mesma Torre de Belém onde há uns quantos séculos outros exploradores começaram a ver o mundo a transformar-se.


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