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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/05/2019

Existem várias definições sobre este estilo musical, mas são poucas as que o caracterizam bem.

Um Lápis, uma Esferográfica Bic e uma Caneta de Tinta Permanente ou A Música Popular, a Música Ligeira e a Música Pop

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/05/2019


#01 – “A Pop apalpa o Google!”

Existem várias definições sobre este estilo musical, mas são poucas as que o caracterizam bem.

Se se procurar em enciclopédias ou numa rápida busca no Google a definição de Pop Music veremos que dizem que é uma abreviação do termo Popular – o que está certo! – e que é um género da música Popular – o que já não está totalmente certo! Mas depois dizem que na realidade, a música popular contém “todo o tipo de música menos a erudita” — o que já é falso ou é uma forma presunçosa de se analisar as variegadas formas musicais existentes no Planeta.

Que, por exemplo, o Jazz tenha nascido do “Povo” é uma verdade. Mas que tenha “continuado” do Povo já não é correcto e quase logo desde a sua fase inicial! Desde os anos 1950 que o Jazz se tornou cada vez mais uma tipologia musical elitista com músicos como Thelonious Monk ou Miles Davis a “eruditarizarem” esta tipologia musical, ao ponto de chegarmos aos anos 1960 (com o Free Jazz) e surgirem melómanos do Jazz a não reconhecerem “aquilo” como Jazz ou sequer como “música”! E estavam a falar de Ornette Coleman! Diziam na altura que era só “barulho” e “gritos”! Este tipo de Jazz — de Monk a Ornette –, requer por parte do ouvinte um conhecimento e uma cultura que não pertencem ao domínio do Popular.

Da mesma forma, se é verdade que a Pop tenha surgido do Povo, também rapidamente dele se afastou, e para comprovar isso basta escutarmos um disco como o Tilt de Scott Walker, o Low de David Bowie ou mesmo — já na época — o Sgt. Pepper’s dos Beatles. Também este tipo de Pop requer uma escuta “especializada” que não é apanágio das Massas.

Daí eu discordar da maior parte das definições existentes sobre Pop, pois são todas incompletas, discriminatórias ou presunçosas.



#02 – “As Cabras Leais não são Pop”

Depois há as definições a que eu chamo “Conversas de Café”!

Neste tipo de conversas o termo Pop é usado indiscriminadamente para qualquer músico: o Zé Cabra é Pop, a Maria Leal é Pop, o Julio Iglesias é Pop, os ABBA são Pop, e assim sucessivamente… Por outro lado há músicos ou grupos musicais que por vezes fazem Pop e outras vezes fazem Rock ou outra coisa (Ligeira, por exemplo), tornando-se — assim — difícil a sua catalogação num estilo musical específico.

Daí a necessidade de explicarmos cientificamente (a Musicologia é uma Ciência!), o termo Pop Music.

Comecemos por dizer que embora o termo Pop Music tenha surgido pela primeira vez escrito numa crítica em 1929, segundo o dicionário Grove o termo começa a ser utilizado na Grã-Bretanha em meados dos anos 1950, ou seja, numa altura em que existiam também os movimentos Beat em Inglaterra e o Rock & Roll nos Estados Unidos.

O termo surge como uma forma de explicar um estilo de música que aglomerava grandes audiências e atraía muito público e que não era música Clássica ou Erudita; exprimia-se sob a forma de “canção” e apresentam como exemplos os Beatles, os Rolling Stones ou os ABBA.

Ora aqui começa a minha discordância com tal tipo de definições! Em primeiro lugar essa ideia de que se pode dividir toda a música existente no Planeta em música Erudita e Popular é de uma ignorância e arrogância enormes! Em segundo lugar temos de ter em atenção a diferença abismal entre o que é música Pop, música Ligeira ou música Popular.

Por último é necessário observarmos com atenção que tipo de músicos ou grupos incluímos em cada estilo musical!



#03 – “Pop lava mais branco”

É que as coisas não são assim tão lineares como possam parecer.

Vejamos o caso dos Beatles e os Stones: embora seja inquestionável que ambos os grupos tenham surgido na mesma época e no mesmo País, já não é assim tão óbvio que seja fácil caracterizá-los como sendo Pop!

Por exemplo, os Beatles criaram realmente canções para multidões e que não eram — com raras excepções! — música Erudita, e portanto estariam incluídos nesta definição de Pop. Mas continham também composições bastante Rock ou até próximas da área da música Concreta e Electrónica – como o tema “Helter Skelter”. Já os Stones surgem largamente influenciados pelo Blues e o início do Rock americano, sendo assim mais um grupo Rock do que Pop, mas que no entanto têm no seu repertório músicas que se enquadram perfeitamente na Pop, como a canção “Angie”.

Os Queen, por exemplo, são um exemplo de um grupo em que a fronteira entre a Pop e a Ligeira é muito ténue! A prova disso mesmo, é que concursos muso-capitalistas como o X Factor incluem – como obrigatório! – uma “Semana Queen”, em que os concorrentes só podem cantar temas dos Queen, e todos sabemos que esse tipo de concursos nada têm a ver com música Pop, mas sim com música Comercial ou Ligeira. O seu sucesso – dos Queen – parece ser inverso ao dos ABBA: enquanto os ABBA conseguiram – aparentemente! – passar da música Ligeira (participaram no Festival da Eurovisão), para a Pop (são citados em algumas enciclopédias sobre Pop), já os Queen parecem ter conseguido passar da Pop (os seus primeiros discos), para a Ligeira (com a aglomeração de êxitos para serem consumidos pelas Massas como o “We Are The Champions”).

Outro exemplo flagrante de um grupo que teve início no estilo Pop e que depois se virou para a música Ligeira, são os Supertramp, cujo primeiro disco Crime of the Century parecia anunciar algo de novo na Pop, mas que em discos posteriores resvalaram para uma música mais comercial.



#04 – “Parolos Gastronómicos”

Mais complexo é caracterizarmos os Velvet Undergound: são Pop ou Rock? Ou são as duas coisas? É que se dissermos que são Rock teremos de ter em atenção que os Velvet têm temas como o “Sunday Morning”, e são um produto do Andy Warhol (e este é o Papa da Pop Art!).

Se dissermos que são Pop não nos podemos esquecer que a música deles era altamente enérgica, de alta intensidade, com distorções, letras e poemas inteligentemente agressivos, ou seja, aparentemente o contrário daquilo que associamos à Pop Music!

Já meter numa mesma frase os nomes dos Beatles e ABBA como sendo colegas do mesmo estilo musical parece-me abusivo!

Os Beatles são inquestionavelmente a maior Banda Pop de todos os tempos, enquanto os ABBA foram concorrentes e vencedores de um Festival da Eurovisão e que recentemente se tornaram mais populares pelo facto de Hollywood ter feito um filme com músicas deles.

Quando eu tinha 16, 17 anos de idade, se algum colega me falasse nos ABBA sem ser para os gozar, eu nunca mais falava com essa pessoa!

Os ABBA eram uns parolos! Se alguém nessa altura ousasse dizer Beatles e ABBA na mesma frase era “fuzilado”! Então o que eram os ABBA? Eram e são aquilo que o filósofo italiano Umberto Eco intitulava Música Gastronómica: uma música pasteurizada feita para ser consumida sem perturbações e que não obrigue a reflectir sobre ela! Esse tipo de música teve vários nomes através dos tempos: música Ligeira, música Comercial, música de Massas, Muzak e por aí fora, mas chamar Pop a este estilo é esticar demasiado a corda!



#05 – “Uma Kitsch Pimbalogia Disfarçada de Pop”

Nunca nenhum músico vencedor de um Festival da Eurovisão (com a excepção-que-confirma-a-regra-mas-mesmo-assim-com-mínima-importância-histórica da descalça Sandy Show, o azeiteiro Chris de Burgh ou os Pimbalheiros ABBA) conseguiu pertencer ao Mundo da Pop ou do Rock! Nunca tivemos nenhum Bowie ou Zappa ou Lana Del Rey que tenha “nascido” num Festival da Eurovisão! Isto porque o Festival da Canção é uma Pimbalhada e sempre o foi! Dizer que o que escutamos num Festival da Eurovisão é Pop é quase tão absurdo como dizermos que a Maria Leal é música de Jazz! O Festival da Eurovisão é de facto um evento para grandes audiências, e não é de todo música Erudita! Mas não é Pop! É música Comercial. Pop não é! Ou pelo menos geralmente não é! Se alguém me falasse no Festival da Canção ou da Eurovisão quando eu tinha 13 anos eu imediatamente punha um termo na conversa! Era como me falarem do Marco Paulo ou do António Calvário! A parolice era a mesma!

Mas lá está: na actualidade há quem queira afirmar que músicos como o Marco Paulo ou António Calvário são “ícones Pop”! Ora músicos como o Marco Paulo, António Calvário, Tony de Matos, Roberto Leal, ou Paco Bandeira, não são músicos Pop! São músicos da dita música Ligeira! Mas nunca na vida foram ou são músicos da Pop Music!

Todos estes nomes que vou enumerar de seguida, são nomes que durante décadas estiveram ligados à designada música Ligeira portuguesa: Simone de Oliveira, Fernando Tordo, Carlos do Carmo, Paulo de Carvalho, José Cid, António Calvário, Dulce Pontes, Carlos Paião, Tozé Brito, etc., e todos eles — não por acaso! — participaram no Festival da Canção e muitos no da Eurovisão! Dizer que estes músicos são Pop, é como dizer que o Miles Davis era Pimba!



#06 – “X Factory: uma Fábrica de estrelas de poucos watts”

Os músicos Elton John e Sting já disseram publicamente que “nunca sairão verdadeiros músicos Pop ou Rock de concursos como o The Voice ou X Factor”! E têm razão! Porque aquilo é “formatado” para atingir um “alvo” de pessoas menos cultas (musicalmente falando), em que o mais importante é os cantores atingirem notas agudas no range, para exaltação dos seus ouvintes maravilhados com tal “virtuosismo” à la Whitney Houston!

Daí eu ter ficado surpreendido como é que um músico como o Conan Osiris (que eu admiro já desde o seu primeiro disco em 2016) aceitou participar num Festival da Canção, pois eu vejo-o como um bom músico da Pop e não como um músico da música Ligeira!

Os Festivais da Canção e da Eurovisão são uma Parolada! Comparar “aquilo” com um Concerto Pop ou com um Festival Pop é um ultraje!

Repare-se que mesmo na actualidade, certos músicos que poderiam estar incluídos na categoria de pertencerem ao grupo dos músicos que deveriam ir ao Festival da canção, não o fazem! Se no passado tivemos músicos como o António Calvário, Fernando Tordo, Simone de Oliveira, Carlos Paião, Carlos Mendes ou José Cid, a participarem neste Festival, seria natural — actualmente — imaginarmos a participação de músicos como o Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, Paulo Gonzo, Olavo Bilac, Anselmo Ralph, Mariza, Amor Electro ou o Rui Reininho, mas isso não acontece (ou ainda não aconteceu ainda).



#07 – “Uma rosa é uma rosa é uma rosa…”

Por isso, e concluindo, tal como se sabe perfeitamente o que é um músico de Jazz, também se deveria saber muito bem quem é músico Pop e quem não o é! Mas nem sempre é assim tão linear.

Assim, a primeira distinção a fazer é entre música Popular e música Pop!

Na primeira — a música Popular — podemos incluir músicos como o Quim Barreiros ou o Conjunto António Mafra ou um Zeca Afonso (não fiquem “espantados” de eu meter no mesmo “saco” o Quim Barreiros e o Zeca Afonso, pois o Zeca Afonso convidou o Quim Barreiros para participar num seu disco dizendo que “tem de ser esse rapaz a entrar neste meu disco”!).

Na segunda — a música Pop — estão músicos como o João Peste, JP Simões, Bernardo Devlin, Flak, Manuel João Vieira ou na actualidade o Conan Osiris, Them Flying Monkeys ou os Keep Razors Sharp.

A segunda distinção a fazer-se — esta mais difícil! — é a de destrinçarmos quem é Pop e quem é Rock! Mas este ponto é menos importante que o primeiro, pois por vezes o mesmo artista faz Pop e Rock ou a “fronteira” entre uma coisa e a outra é minimal! E não nos esqueçamos que o Rock segundo o dicionário Groove, é um género da música Popular! Não da Pop! Mas por outro lado quando surge a Pop na Grã-Bretanha, já existia o Rock & Roll nos EUA! Ou seja, no fundo o termo Pop surge na Grã-Bretanha para representar algo que já existia nos EUA e que lá chamavam de Rock! É mais complexo do que isto mas, simplificando, diríamos que o Michael Jackson era Pop e o Iggy Pop é Rock (o que não deixa de ser um paradoxo alguém com o nome de “Pop”, afinal ser do Rock), ou que a Madonna é Pop e a Bjork é Rock.

E a terceira distinção a fazer — e a mais fácil de todas! — é entre a Pop e a Ligeira: uma – a primeira – tentou unir a “Alta” e “Baixa” Cultura e entrou para a História da Arte como um Movimento Artístico, enquanto que a música Ligeira não passa de um produto comercial sem qualquer valor histórico-musical!

Músicos como o Roberto Carlos, Nelson Ned, Julio Iglesias, Rod Stewart, ou a boy band One Direction, não são nem nunca foram Pop! Se tivesse de fazer uma “metáfora” sobre esses três estilos musicais — Popular, a Ligeira e a Pop — diria que a Popular era um Lápis (usado pelo povo, é barato e dura muito), a Ligeira uma esferográfica Bic (para se usar e deitar fora), e a Pop seria uma Caneta de tinta permanente (pode durar uma vida).


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