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Fotografia: Ross Halfin
Publicado a: 05/11/2025

Quando o racismo também se espelhava na música.

Um arco-íris skinhead, do nazi ao vermelho

Fotografia: Ross Halfin
Publicado a: 05/11/2025

No livro Nação Skinhead, George Marshall propõe-se a retomar a tradição do movimento skinhead das constantes associações com os neonazis. Mas o pior inimigo de Marshall, editor da fanzine Skinhead Times, é o próprio Marshall, que dificulta a sua própria tarefa — e a do leitor — apesar dos constantes esforços em apresentar os skinheads sob uma visão pueril, como grupos de bons rapazes que gostam apenas de beber uns copos ao som de bandas oi! como Cock Sparrer ou The Business e pregar partidas.

Por um lado, o autor traça, da mesma forma que o faria quem estivesse no pub a conversar com um amigo enquanto bebe umas pints, os primórdios do movimento skinhead a partir da classe operária, estabelecendo ligações à música northern soul e ao ska, sustentando aí a ausência de racismo fundacional. Por outro, opta pela habitual estratégia obscura da extrema-direita ao pavonear, não um antagonismo na relação com outras nacionalidades, etnias ou credos, mas uma inquietação face à alegada discriminação e sofrimento da comunidade branca, que insiste em associar ao proletariado, num exercício de autismo eurocêntrico.

Persistindo, ao longo do livro, no ardil de criar confusão onde ela não existe, faz uso da habitual estratégia de virar o bico ao prego em diatribes críticas sobre o facto de todos os skinheads serem retratados como nazis pela comunicação social, quando na verdade, são, insiste, apenas gajos trabalhadores com um aspecto extravagante e orgulho no seu país.

No capítulo sobre a Resistance Records, não só o mais interessante, mas também o mais claro, a narrativa está assente na perda de privilégios dos caucasianos, dando como exemplo a imunidade do gangsta rap, enquanto género tolerado ou mesmo glorificado pelos mass media, em oposição à música white power, nas palavras do próprio, censurada quando deveria estar disponível nos escaparates das lojas para quem a quiser adquirir, até porque, defende o autor, sendo o fruto proibido o mais apetecido, o interesse diminuiria gradualmente.

Embora menosprezada no livro como uma ameaça menor, a Resistance Records foi uma editora com afinidades com a National Alliance, fundada por William Luther Pierce, uma das figuras de proa da supremacia branca norte americana contemporânea. Com diferentes géneros de música no catálogo, o destaque da Resistance Records foram os RAHOWA (Racial Holly War), que terminaram quando George Bundi, fundador da banda e da editora, renunciou ao neonazismo, depois de cumprir 12 meses de prisão por agressão a uma manifestante de esquerda. Depois de Bundi, a Resistance Records atravessou diversas fases. Esteve nas mãos de um dos criadores da Blood & Honour, organismo criado por Ian Stuart da banda neonazi Skrewdriver e, através de diferentes pequenas subsidiárias, distribuiu os discos de Burzum, cujo fundador e único membro, Varg Vikernes, cumpriu pena pelo homicídio de Euronymous, membro dos Mayhem, tem uma vasta bibliografia com claras inclinações nazis e foi acusado de discurso de ódio racial, tendo inúmeras ligações conhecidas à extrema-direita mundial, assim como a Kayne West. 

Além da música e do merchandising, a Resistance Records é também conhecida por ter desenvolvido o videojogo Ethnic Cleansing, onde os utilizadores escolhem um nazi skinhead ou um membro do KKK, cuja tarefa é disparar contra negros e mestiços no ghetto, com a missão final de assassinar Ariel Sharon e impedi-lo de prosseguir com a dominação judaica sobre o mundo.

Escrito em 1996, num mundo anterior ao 11 de Setembro e à islamofobia resultante, ao wokismo e acima de tudo, antes da ascensão da extrema direita neoliberal ao comando das maiores democracias ocidentais, os argumentos que Marshall propõe, sob a fachada da liberdade de expressão, chegam-nos envoltos na mesma oratória estafada da inversão retórica sobre as discriminação das maiorias face aos privilégios das minorias que mais não são do que o estado social a funcionar, assim como da teoria da Grande Substituição.

Simultaneamente à exposição em linguagem informal de que Marshall se socorre, o livro exibe orgulhosamente as disparidades ideológicas, que por vezes também são mero vazio de ideias, dos skinheads, como se de multiculturalismo se tratasse, invocando casos de skinheads filipinos ou negros para justificar isso mesmo. No processo descreve pontos de vista de skinheads que se consideram patriotas, mas não racistas (“O que há de errado nisso?”, perguntam), embora tenham por rotina espancar pessoas asiáticas por não se inserirem naturalmente em Inglaterra e não se esforçarem por fazê-lo, ao nem sequer comunicarem em inglês. 

Chegamos ao fim do livro com uma indelével sensação de glorificação burgessa da violência, ostentada como condição sine qua non para ser skinhead, e a Marshall falta apenas encolher os ombros e dizer “boys will be boys” para a justificar. Inegável é também a exaltação simplória da cultura do álcool como requisito para ser skinhead, em si igualmente violenta e encaminhadora a actos violentos.

Além da fracassada negação ao longo do livro na inexistência de qualquer tendência política vincada no movimento skinhead, que é defendido como apolítico (“a política fode isto tudo”, diz-nos um dos personagens, em determinado momento) são vários os parágrafos em que se insiste, num longo e sinuoso desfile de provas, testemunhos e teses, em resgatar os skinheads, mesmo os SHARP (Skinhead Against Racial Prejudice), das garras da esquerda, deixando a sensação que o preconceito político parece, afinal, ser maior com marxistas do que com fascistas.

Feitas as contas, Marshall parece não nos deixar alternativa entre decidir se os skinheads são, na melhor das hipóteses, um bando de arruaceiros machos nacionalistas, vaidosos e alcoolizados com o suave fetiche homoerótico de quem gosta de andar à porrada ou, na pior, maioritariamente bairristas nacionalistas alcoolizados que dançam ska e oi!, sem noção de que apolítico não é o mesmo que apartidário e de como isso redunda numa permissividade para com a extrema direita, acabando por ser o próprio autor a dar como falsa a premissa que se propôs provar verdadeira e que o levou a escrever o livro.


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