Os Turnstile nunca esconderam a vontade de romper com os cânones mais rígidos do hardcore, recusando purismos em favor de uma abordagem livre e expansiva ao género. GLOW ON, obra que os projetou a um novo patamar de visibilidade e ambição, manifestou esse desejo de alargar as fronteiras do hardcore, equilibrando tradição e inovação numa só respiração. NEVER ENOUGH, o mais recente trabalho do grupo, é uma continuação lógica do percurso iniciado em GLOW ON, com um pouco mais de tudo: mais força, mais melodia, mais tecnologia ao serviço da composição. Isso é notável nos primeiros momentos da titular “NEVER ENOUGH”, que abre o disco com uma maré de sintetizadores planantes, antes do entoar de um refrão reduzido a máxima transcendente.
Sem nunca abdicar do vínculo identitário que os une à cidade de Baltimore, berço para uma fértil comunidade de músicos a operar nos extremos do punk/hardcore, o quarto capítulo na discografia dos norte-americanos beneficia de um novo sentido de espaço, reforçado por um aturado trabalho de estúdio (bem como a ajuda de magos como A.G. Cook, Blood Orange e Faye Webster). Essa dimensão espacial revela-se na presença recorrente de interlúdios e arranjos eletrónicos que ocupam os interstícios do disco, como o sinal intermitente que pontua os metros finais de “LOOK OUT FOR ME”, uma homenagem declarada ao livro de estilo de Baltimore onde, sobre um padrão rítmico irrequieto, se escuta uma passagem da série The Wire, que se desenrola precisamente nessa cidade.
Como consequência, o resultado é menos urgente do que os seus antecessores, mais concentrados em perpetuar a ética punk do meio que os viu despontar. Diluído o fator surpresa e a energia férrea dos primórdios, resta apenas a ambição de um grupo que arrastou de novo o rock para o centro do debate. Grosso modo, NEVER ENOUGH totaliza apenas quatro (de um total de 14) amostras que se enquadram numa ideia convencional de pós-hardcore. Em alternativa, devolvem-nos um conjunto de canções livres, destemidas e expansivas. Essa mudança deve-se, em parte, à saída do guitarrista Brady Ebert, deixando uma parte significativa do trabalho nas mãos do guitarrista Pat McCory. Mas há outro ponto a considerar. O alargamento do calendário de gravação permitiu à banda abordar o estúdio não apenas como espaço funcional, mas como extensão do próprio processo criativo, moldando o disco com tempo, intenção e margem para experimentar. Exemplo disso é o murmúrio sereno da flauta de Shabaka, a dissolver o ímpeto galvanizador que irrompe “SUNSHOWER” na reta final.
Depois de “CEILING”, interlúdio viperino mergulhado em boas doses de auto-tune, surge um triunfo pop melódico chamado “SEEIN’ STARS”, revestido pela voz espectral de Hayley Williams, antes de “BIRDS” retomar em voo decidido a senda aberta por “T.L.C.”, do LP anterior. Quando chegamos a “MAGIC MAN”, no final, já só resta a voz de Brendan Yates — clara, frágil, transparente. Embalada por uma deriva de teclados aquosos, é mais uma afirmação estóica de uma banda sem amarras ou limitações formais. O trunfo de NEVER ENOUGH, afinal, reside no encontro e não tanto na procura. Confiar nele é cada vez mais uma certeza.