Cassete / Digital

TUGALIFE

Kids

1980 / 2015

Texto de Sidónio Teixeira

Publicado a: 20/10/2015

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tugalife_kids_review

TUGALIFE. Eis o pseudónimo de Ivo Fontão, produtor de Kids. A par de Frederico Mendes (referenciado no meio como Nave Mãe), traz a essência do ADN português incorporado no underground londrino. A 1980, editora que criaram e representam, celebra agora este álbum de onze faixas, (curiosamente) disponível em formatos antagónicos – cassete e digital -, e que faz a travessia pelos diferentes pólos da electrónica, passando da chill out envolvente da música ambientalista às variadas vertentes do dub e do hip hop. Mas já lá vamos.

Antes, um pequeno apontamento àquilo que confere maturidade a um projecto destes, já capacitado para cruzar atmosferas poeirentas com habitats futuristas e sugestivos. Ainda sem o reconhecimento que lhe é devido, a 1980 conseguiu estruturar uma peça já com conhecimentos adquiridos em projectos como José Acid, Miguel Torga e Daino; e Kids é aquilo que induz a ambiguidade da palavra experiência.

Voltando à análise.

Aqui reside uma viagem no tempo que balança entre a nostalgia envolta em fumo do VHS e a era digital, mais actual e etérea. As faixas compõem diferentes tonalidades sonoras, que variam entre composições que tanto podem ser cruas e primitivas (“Wednesday”, “Court”) como sugestivas (“Same, Down”), estabelecendo assim a ponte que varia entre os dois mundos do qual nasce esta criação: o ruído e som não totalmente perceptível da antiguidade do VHS e vinil (tanto o vídeo como o ambiente de “Nineteen” correspondem) com a limpidez e configurações mais velozes da era digital. A dominância do instrumental encontra-se com sublimes traços vocais, elucidativos o suficiente para uma narrativa ainda embrionária, que em muito serve apenas de mote a um ritmo mais progressivo e cauteloso (“Off Target” fá-lo muito bem). As influências, por seu lado, chegam de vários polos, muito em função daquilo que é a experiência de um emigrante português no sul de Londres, onde residem muitas outras linguagens, tanto metafóricas como figurativas, desde a profundidade irrequieta do underground londrino à despertensiosa inspiração jamaicana e africana, nações que em muito contribuem para a diversificação cultural que por ali se gera.

Kids funciona como um convite à alienação, numa viagem pelo mundo submerso dos samples que ajudam a ecoar o baixo sombrio pelos corredores espaçosos e atempados por onde este trabalho circula. A reter ficam as diferentes sugestões melódicas que surgem consoante o passar de cada faixa, que tanto faz emergir a autonomia do universo onírico, como deixa a mente entorpecida em loops extenuantes, impossibilitando a vontade de tentar localizar TUGALIFE em determinado género ou estilo musical. A par de nomes contemporâneos como Old Manual ou Die Von Brau, Ivo Fontão reúne as componentes de um produtor que pode ambicionar ir ainda mais longe, embora ainda se encontre bastante dependente da divulgação que lhe falta. Ao fim destes 45 minutos, resta-nos o cansaço metafísico da desafiante caminhada pela metamorfose do vinil para a era digital, porque é isso que Kids representa.

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