“Quando o trio se junta há m*rda por todo o lado” são palavras que nos remetem a 2014, ano do último álbum editado pelos icónicos Tribruto, o memorável Chavascal, em que se destacam temas como o “Amanhã de Ontem” com Sam The Kid, “De Volta À Carga” com Fuse e “Xaringado” com Valete, de onde retiramos esta linha que resume bem o trajeto do trio algarvio. Formados por Kristoman, RealPunch e Gijoe, os Tribruto marcaram a segunda década do milénio no hip hop nacional, sendo talvez os porta-estandarte da bandeira algarvia no panorama com um trabalho assinalável. Caracterizados pelo humor constante na sua música, notabilizaram-se também pela mestria na punchline trazida por Kristoman e RealPunch. Aliado a isso, a parte instrumental de Gijoe também denotava uma peculiaridade no som dos Tribruto, ajudando a trilhar um caminho artístico singular no país.
Ao todo são dois álbuns, uma mixtape, um EP, várias participações de alguns dos maiores MCs nacionais e um simpático número de fiéis fãs que elevou este projeto a outros patamares. Apesar disto, essa mesma bagagem de orgulhar qualquer um, tornou-se pesada no seguimento de Chavascal, e de forma algo silenciosa, o futuro dos Tribruto estagnou até aos últimos meses. O regresso aos palcos está prestes a acontecer, depois de na reta final de 2023 uma sessão de estúdio entre o trio ter reacendido uma chama coletiva há muito apagada.
O grupo algarvio volta aos concertos, sensivelmente 8 anos depois da última actuação ao vivo, já no próximo dia 5 de setembro às 22h, no Palco Magistério do Festival F, em Faro.
Como esta reunião não podia passar despercebida, falámos com Gijoe e RealPunch, que nos contaram qual foi o rastilho para este incendiário regresso antecipado por muitos.
Como acontece esta reunião de Tribruto?
[Gijoe] Basicamente, este momento foi uma junção de vários fatores, mas coincidiu termos feito um som que não tinha nada a ver com concertos, nem Tribruto. Eu desafiei-os e fizemos um som no fim do ano passado para o meu álbum, e acabámos por ter saudades de fazer cenas juntos e funcionou em estúdio. Por outro lado, eu acho que o Punch estar mais ativo, o Kristo estar ativo e eu estar ativo — se calhar até mais eles os dois se compararmos com a fase em que deixámos de fazer música juntos —, contribuiu bastante para tudo isto. Neste momento estamos os três a fazer cenas, mas nada como fazíamos com Tribruto. Mas esta reunião acontece depois de um convite direto, que nem era para o Festival F, era para um concerto isolado noutro evento em Faro. Na altura falámos um bocado e percebemos que fazia sentido para nós e moveu-se para o F. Até nos deu jeito porque tínhamos mais tempo para trabalhar e achamos que é um festival fixe para isto, até porque já tocámos lá e foram bons concertos. É esta a realidade, a razão do regresso foi um convite, mas só aconteceu porque já estavam a acontecer outras coisas em conjunto.
E acaba por acontecer num timing engraçado. 2024 marca uma década desde o vosso último trabalho, o Chavascal.
[RealPunch] É verdade, uma década do último e catorze do primeiro!
Recuando mais ou menos a essa altura, o que vos fez dar uma pausa no projeto?
[RealPunch] Nós tocámos cerca de 2 anos depois de lançar o Chavascal e depois nunca mais fizemos coisas novas. Ainda ponderámos, e aliás, tivemos uma faixa gravada, num registo de grime, mas acabou por nunca sair. Curiosamente, uma parte desse som está no novo álbum do Kristo [risos].
[Gijoe] Sim, uma parte dessa letra está lá no álbum [risos].
[RealPunch] E eu acabei por não usar a minha para nada, nem me lembro ao certo. Pronto, mas isto acabou por coincidir tudo numa altura em que mudei de trabalho, fui para Cabanas de Tavira, ou seja, ainda estou mais longe do que estava quando vim viver para Faro. O Kristo também se focou no futebol, o Gijoe tem 1001 projetos, e acabou por fazer todo o sentido… Epá, fez todo o sentido não, acabou por ser quase silencioso.
[Gijoe] Eu acho que a cena foi: o projeto ganhou uma dimensão que dava bué trabalho, no sentido de ser uma “máquina” pesada já, a nível de imprensa, vídeos, etc., e nós nunca tivemos equipa, ou seja, a equipa éramos nós que chamávamos e fazíamos acontecer. Para a dimensão que atingiu na altura era uma máquina um bocado pesada para o tempo que tínhamos e o retorno que dava. Eu sei que nunca fizemos música comercial que fosse assim tão fácil de vender, mas funcionava ao vivo e lutámos muito por isso, mas estávamos no Algarve… e as cenas estavam todas bastante deslocadas, mais que agora, e gastámos os trunfos todos de onde podíamos tocar por cá. O que sentimos é que se fizéssemos um álbum logo a seguir não íamos sequer ter tempo, energia e força para fazer muito melhor do que tínhamos feito no Chavascal. Por isso, não fazia sentido, acho que o que fizemos foi focar em coisas que cada um precisava na sua vida, havia outras prioridades, não acabámos ali com o projeto, não foi nada disso. Tribruto foi isso, ninguém tinha força para o próximo step.
[RealPunch] Eu também estive a tocar com o Diogo Piçarra, ainda tive o GLDNSHWR que saiu em 2018 e acabei por me desligar um bocado da música com a minha mudança a nível profissional. Foi algum tempo mais parado, fazia uma ou duas participações por ano, só voltei a ganhar o bichinho por isto durante a pandemia como já disse na entrevista do EP Do Minho ao Algarve. Agora o Kristo também andou meio desanimado, mas no ano passado voltou a ganhar o bichinho, o que também é fixe. Este convite surge numa altura em que voltámos a ter vontade criativa e há que aproveitar isso.
Olhando para o vosso Chavascal, as colaborações que juntaram ali são de sonho, é uma verdadeira chuva de estrelas… Sam The Kid, Valete, Mundo Segundo, Capicua, Fuse, etc.
[Gijoe] Eu acho que isso agora era quase impossível de ser feito. O investimento que fizemos a nível de tempo e energia foi bué fixe, a nível de catálogo é brutal termos isso, mas foi muito desgastante para os três. Foi um pico, que eleva o padrão para que o próximo não pudesse ser para brincar, tinha de ser algo maior ainda…
[RealPunch] Como é que nós íamos superar o que tinha sido feito, não é?
[Gijoe] Se aquele álbum tivesse resultado economicamente, o resto acho que resultou, nós podíamos ter contratado uma equipa, que era o passo seguinte, mas não dava. Com equipa fazíamos outra cena, ficávamos só focados na parte criativa, mas nunca tivemos isso, fazíamos tudo… management, booking, comunicação, tudo.
E para além deste concerto, estão a pensar em mais alguma coisa para o projeto?
[Gijoe] Para já é um concerto único, não é por uma questão de estratégia ou números. Por agora temos este objetivo, quando estivermos em cima do palco logo se vê. Estamos com vontade de fazer isto, de tocar o que tocávamos e até algumas coisas novas que possamos apresentar lá, mas temos de perceber se depois queremos repetir isso ou não. Também podemos ter só pica para este e ficar por aqui.
[RealPunch] Estivemos em estúdio e a verdade é que parecia que nunca estivemos parados.
[Gijoe] Deve ter sido das vezes que fluiu melhor entre todos. Acho que estes momentos a solo que existiram fizeram com que cada um pudesse experimentar outras cenas. Eu até costumo dizer isto aos meus alunos: quem só tem um projeto mete demasiada responsabilidade e foco nele. Com esses momentos fica muito mais fácil agora ir para o modo Tribruto e saber o que é Tribruto, o resto está noutros projetos. Sinto que a nossa maior dificuldade nos álbuns era querermos pôr tudo de todos lá dentro. Não estávamos a fazer o suficiente cada um fora, a nível de experimentar outras coisas, para depois chegar a Tribruto e termos uma visão mais clara musicalmente. Agora ficou mais fácil.
[RealPunch] Acho que agora estamos mais objetivos também. Estamos a falar de um gap de 10 anos, seja a nível pessoal/artístico, as “mesquinhices” acabam por ficar um bocado de lado e sabemos o que é para fazer, portanto não há que inventar.
[Gijoe] Senti uma cena — e ainda nem lhes disse. O que fizemos novo, nunca tínhamos feito, é fácil agora perceber o que é Tribruto, passado 10 anos. Foi bué claro perceber agora o que era a evolução de Tribruto, antes não o conseguíamos ver.
E como definem os Tribruto?
[Gijoe] Se tivesse que definir em uma palavra, é pesado. É isso que eu procuro, seja mais eletrónico, mais sampling, mas tem que ser pesado, tens que sentir esse peso. Digo isto porque também temos o palco, e os sons têm que te fazer aquela “cara de beat“, se não for assim não é Tribruto, esse é o meu objetivo, mas do lado deles diria que também é ter um bocado esse peso.
[RealPunch] É isso, basicamente é o peso. Vais ouvir aquilo que fizemos novo e vais ficar com cara feia, isso é certo. Porque tanto a nível instrumental, como de letra, flows, refrões, tu vais ficar mesmo com cara feia! É claro que temos sempre aquele tom irónico que nos caracteriza, mas esse efeito não vai faltar, é a teoria dos camiões TIR…
…tudo a fazer “tshhhh”. Já dizia o Kristoman no “De Volta À Carga”, grande barra. Acho que o Chavascal, a nível instrumental, teve uma estética super interessante, nas barras sentia-se esse “peso” e uma parte um bocadinho mais nasty e brincalhona, que contrastavam com a cena mais eletrónica do Gijoe, às vezes, muitas das vezes até meio melódica. Acho que essa sonoridade acabou por ser o primeiro passo de outros projetos teus.
[Gijoe] Sim, sim. A nível de rap, foi até essa a fase em que eu consegui experimentar mais, tinha essa liberdade. Era um bocado esse compromisso, estávamos todos a puxar uns pelos outros. Acho que isso ainda tem de estar em cima da mesa, temos que puxar pelo máximo uns dos outros, e agora até é mais fácil fazer isso, porque agora temos mais noção do que é Tribruto. Claro que se fizéssemos um álbum agora, tínhamos de variar mais a sonoridade do disco, mas como estamos só a fazer músicas, a cena é bué clara.
E quantas vezes já estiveram em estúdio neste processo de retoma?
[Gijoe] Nós já nos tínhamos juntado para fazer um som para o meu álbum e isso foi pré-convite, e depois juntámos mais uma vez. Na primeira vez nunca sonhávamos que isto ia ser sequer tocado ao vivo e na segunda vez foi já com a perfeita noção que era para apresentá-lo no Festival F.
E dessa segunda sessão de estúdio saíram quantos sons?
[Gijoe] Temos dois sons que são 100% novos. Um deles vai sair no meu álbum, o outro ainda não discutimos o que vamos fazer, fizemos completamente para o concerto. Estamos bué contentes, mas vai ser um desperdício se não vir a luz do dia…
[RealPunch] Vai ter que sair! Gosto bué da minha letra, tem mesmo que sair [risos]. Basicamente é só alinhavar a parte do lançamento, é isso.
Não quero entrar em intrigas, mas acho que deviam lançar esse som como o arranque de um próximo álbum de Tribruto [risos].
[RealPunch] Acho que depois de 5 de setembro logo terás essa resposta.
O lema é deixar tudo fluir, sem grandes pressões.
[RealPunch] Sim, nem vale a pena colocarmo-nos nessa situação de sentir a pressão.
Acho que estar em palco sempre foi uma das grandes “armas” de Tribruto, um concerto vosso era quase imperdível. Tinham uma grande química entre todos, muita cumplicidade, carisma e uma energia brutal. Guardo na memória um concerto vosso bastante intimista em 2016, num final de tarde em Faro, que foi qualquer coisa.
[RealPunch] Ah, sim! Aquele mítico final de concerto com o pôr-do-sol e toda a gente a cantar o “jogador da bola, sunsets” [risos]. O melhor é que tocámos isso duas vezes, provavelmente devemos ser das poucas bandas do mundo a fazer isso. Isso por acaso surgiu num dos retiros criativos que fazíamos na casa da avó do Kristo em Messines.
[Gijoe] Sim, na altura estávamos a fazer a mixtape, vocês estavam a escrever e eu como não tinha de fazer beats, porque era exatamente uma mixtape [risos], pus-me a inventar e fiz uns quantos beats diferentes e saiu-me esse meio a gozar, que acabou passado uns anos na “Paradoxo” do Chavascal.
Costumavam fazer muitos retiros desses?
[RealPunch] Opá bués, bués. Por exemplo, a mixtape Moços Marafados foi praticamente feita assim. O som “Correio da Manhã” surgiu numa sessão de freestyle num retiro desses. Estávamos a rodar beats, surgiu esse dos Pharcyde e começámos a cantar aquilo, não me perguntes porquê, mas lembro-me precisamente disso [risos].
[Gijoe] Também gravámos o vídeo da “Bud Spencer” lá…
[RealPunch] … feito às tantas da madrugada [risos].
E estes momentos de estúdio que tiveram, foram onde?
[RealPunch] O primeiro foi na Kimahera, a nova Kimahera. Até foi a primeira vez que eu e o Kristo gravámos lá depois das obras todas. E a segunda vez foi no estúdio do Gijoe.
Para o palco já não se reúnem há algum tempo, não é? Especialmente tu, Gijoe, já que o Kristo e o Punch ainda se vão encontrando em alguns concertos um do outro.
[Gijoe] Mais ou menos, eu costumo tocar com o Punch, portanto o Kristo também aparece quase sempre nesses shows e acabamos por tocar sempre juntos e é comum tocarmos sempre alguma cena de Tribruto. Apesar disso, a energia e o conceito são sempre diferentes, mas para nós sempre foi meio automático trabalharmos juntos em palco, por isso essa parte é quase como andar de bicicleta, nunca nos esquecemos.
[RealPunch] Sem dúvida alguma. A última vez que estivemos assim em ambiente de concerto como este que vamos dar agora foi no ano passado, no Silves Urban Music, e foi altamente.
[Gijoe] Acho que a nossa cena de palco, apesar de na altura termos feito algumas coisas inovadoras, como sincronizar vídeo com som e tal, sempre foi muito direta: era um DJ e dois MCs, nunca complicámos muito, a base era essa. Com mais ou menos coisas, funcionava tudo bem. Por isso é que não estamos muito preocupados com o que será este concerto a nível de infraestrutura, nós sabemos que as coisas evoluíram, não sei se há muitos grupos de rap neste momento a pisar um palco grande sem disparar fogo e não sei quê, mas funciona. Tribruto funciona na base, por isso não estou preocupado com o que temos de fazer a mais, se é que temos de fazer algo mais. Só precisa a energia dos três, basicamente.
[RealPunch] A verdade é que chegámos a um ponto em que cada live tem de ter tantos estímulos que, às vezes, o artista quase fica em segundo plano. São pormenores distrativos e esse nunca foi, de todo, o nosso objetivo.
[Gijoe] Ya, Tribruto é só: letra em cima de um beat que te faça sentir alguma coisa, e se te distraíres demasiado acho que pode perder a cena. Tribruto basicamente é skill, dos MCs e meu, e a partir do momento em que tiras isso acho que perde um bocadinho a magia. Há mais momentos únicos assim, até as falhas, que depois vão ter uma consequência qualquer…
[RealPunch] Nem que seja uma chamada de atenção em cima do palco, em forma de punchline, que acaba por ser um momento engraçado para toda a gente [risos].
Lembram-se de qual foi o vosso último concerto enquanto Tribruto?
[RealPunch] Sim, foi em 2016, na Receção ao Caloiro da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Para este concerto especial no F, o que estão a planear?
[RealPunch] Vamos a tudo, até ao nosso primeiro trabalho, o EP que se chama EP [risos].
[Gijoe] Basicamente, há sempre espaço para aqueles temas “obrigatórios” e os que nos apetece tocar, o concerto é isso. O Kristo fez uma proposta de tracklist e acho que nem trocámos quase nada do que ele sugeriu.
[RealPunch] Só mudámos agora quando estivemos em estúdio, foi bastante unânime logo.
Ok, então vai haver espaço para umas brincadeirinhas. Acho que deviam tocar aquele outro clássico do “Cabeçada nas Mamas” [risos].
[RealPunch] É às 22h, ainda não podemos… Por acaso é um dos meus sons favoritos de Tribruto [risos].
[Gijoe] Agora deste-me uma ideia, tocar esse som mas versão acústica [risos].
[RealPunch] Isso era muito engraçado, agora fiquei a imaginar o cenário [risos]. Eu curto bué desse som, não só por tudo o que o envolve, mas a cena do beat é aquela cena meio garage, estávamos nessa fase experimentalista, até arriscámos mais nos interlúdios do Chavascal, porque para além desse temos o “jogador da bola, sunsets” que são coisas bem diferentes.
[Gijoe] Olha, vou mudar tudo, vamos só tocar os skits dos álbuns! É isso: depois deste concerto, o próximo vai ser só os skits em acústico.
E a nível de convidados, alguma coisa pensada?
[Gijoe] À partida não. Queremos concentrar um bocado na base, sempre tivemos convidados como um extra para os concertos não se tornarem repetitivos, mas neste não faz sentido.
[RealPunch] Sim, este concerto vai ser uma celebração a Tribruto, por isso vamos ter o nosso espaço.
Ok, mas olhem, tenho uma ideia para um convidado! E que tal termos o Gijoe a dar as rimas dele no “Art Dêcor“? [Risos]
[Gijoe] Ui, acho que me lembro melhor das rimas deles do que das minhas… Ainda devo ter feito isso umas 5 ou 6 vezes, mas desta vez não vamos a esse som, não [risos].
Pronto, fica para uma próxima… Mas podemos esperar uma viagem completa à cronologia de Tribruto, certo?
[Gijoe] Sim, sim. Apareçam e levem a merch que tiverem de Tribruto, já nem me lembro de tudo o que fizemos na altura, por acaso.
[RealPunch] Temos algumas! Das t-shirts temos a do “Punho”, a de “Sex Sells”, a dos “Moços Marafados” e a dos “Comprimidos do Flow”. Depois fizemos uns casacos personalizados a dizer “Chavascal” e umas sweatshirts e t-shirts a dizer “Grande e Grosso”. Ya, é isso, apareçam vestidos a rigor, vamos a todo o lado: passado, presente e futuro dos Tribruto.