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Fotografia: Vera Marmelo, Marina Cruz, Inês Subtil & Your Dance Insane
Publicado a: 22/03/2024

A reter na memória.

Tremor’24 — Dia 3: celebrar as novas vozes do hip hop açoriano

Fotografia: Vera Marmelo, Marina Cruz, Inês Subtil & Your Dance Insane
Publicado a: 22/03/2024

Comecemos a revelar a história desta quinta-feira (21 de Março) de Tremor in media res. Razão: o terceiro dia do festival açoriano ficou marcado por aquele que terá sido o concerto mais simbólico da edição de 2024: o que cruzou Sam The Kid com a Escola de Música de Rabo de Peixe e vários talentos do hip hop açorianos, selecionados a partir de uma open call lançada pelo festival em fevereiro passado. 

Como, então, abordar este momento? De Chelas para Rabo de Peixe, Samuel Mira veio fazer algo mais que “orientar” ou “ensinar” estes “putos”. No hip hop, ninguém precisa de ser ensinado; aqui, o papel de Sam foi construir o espetáculo em torno das potencialidades de cada MC, dando dicas quando necessário, e conferir-lhes espaço para a sua persona brilhar. Mais que uma celebração do “novo” hip hop açoriano, o concerto também serviu de montra para estes 14 miúdos e graúdos, oriundos das várias ilhas do arquipélago, mostrarem as suas skills a novos públicos. 

Que há talento nos Açores, disso não existem dúvidas. Podíamos estar aqui a escrever sobre a qualidade ou potencial dos 14 nomes que passaram por cima do palco — e já lá vamos aos destaques —, e das qualidades dos músicos da Escola de Rabo de Peixe, mas acima de tudo, o espetáculo montado em torno destes jovens alerta para o quanto continuamos a ignorar aquilo que é produzido fora de Portugal Continental. Não faz sentido que, tirando Sandro G, o Padrinho do hip hop açoriano, nenhum outro rapper daquela região tenha conseguido alcançar sucesso nacional desde que a cultura urbana cresceu em popularidade no nosso país. 

O hip hop açoriano não desapareceu desde Sandro G; pelo contrário. Continuou por aí, a sofrer mutações e a fazer miúdos e graúdos locais vibrarem com o talento que não consegue fazer-se escutar além das ilhas. Será possível que a magnífica voz de Madruga, nome artístico do jovem de 17 anos de Ponta Delgada Lucas Jesus, não consegue furar no Continente? Será impossível pensar em escutar Joana Pacheco, jovem de 26 anos natural da Ilha Terceira e estudante de Canto Jazz no Porto (e a única MC feminina presente no lote de 14), numa faixa das redoma? Que o trap sujo de Oestrela não pudesse fazer vibrar plateias de Queimas por este país fora? Ou pensar que os delírios jazzísticos de Dusk não pudessem encontrar espaço no hip hop alternativo da tuga continental? A resposta é que sim — devia ser possível. 

Em entrevista ao Observador, Sam falava que o “rap das ilhas tem mais dificuldade de chegar ao continente, o que não faz sentido no dias de hoje”. Se a “insularidade” e a “e a distância dos grandes centros urbanos limitam exponencialmente o potencial de artistas açorianos em formar um semblante de carreira”, como relatava o realizador Diogo Lima, responsável pelo documentário AZ-RAP: Filhos do Vento, à Comunidade Cultura e Arte em 2023 ajudam a justificar isso, como se pode criar melhores condições para que o potencial destes artistas se desenvolva? Iniciativas como esta, do Tremor, são um ponto de partida, claro; mas não é suficiente. Por estas páginas, já fazemos muitas vezes o possível — e o impossível — para expor o melhor do que se faz no hip hop em Portugal. Contudo, isso também não é suficiente.

O hip hop, como sabemos, desenvolveu-se nas periferias, na margem de grandes centros urbanos, antes de se tornar a figura de proa da música popular contemporânea. Em Portugal, sem dúvida que já é a forma dominante de música pop. Portanto, como é que em 20 anos nenhum fenómeno das ilhas conseguiu suceder ao grande “Sandrinho”? Qualidade, ao que parece, não falta. Faltam, sim, oportunidades. Temos todos de fazer mais e melhor.

Para terminar um espetáculo que começou com uma versão instrumental de “Grândola Vila Morena”, e já com o PA a sofrer pelas vestes, escutou-se uma versão especial de “Eu não vou chorar”, o hit maior de Sandro G, com cada MC a contribuir um verso. Se dúvidas houvesse que este espetáculo funcionou inconscientemente como passagem de testemunho (tardia, infelizmente) de Sandro para os seus “filhos”, este momento talvez tenha sido a derradeira confirmação. 

Nos Açores, há talento. Abram bem os ouvidos. Os 14 MCs que participaram no espetáculo foram Cafaia, Dusk, itzjotap, Joana Pacheco, kyasutā, Lil kyra, Madruga, NicTobu, NTK, Oestrela, Outsidah, Valério, Joya Black e Bensky. Os alunos da Escola de Música de Rabo de Peixe foram orientados pelo professor Carlos Mendes.



Voltemos agora atrás. Antes de nos dirigirmos para o Porto de Pescas de Rabo de Peixe, onde aconteceu a homenagem ao hip hop açoriano, parámos no Mercado Municipal da Ribeira Grande para presenciarmos o concerto dos La Jungle, duo de noise rock belga formado por “Jim” e “Roxie”.

Com um concerto sempre no limiar de pedir um moshpit que nunca parecia chegar — felizmente para todos, apareceu na última música para total libertação da energia acumulada na hora anterior — os La Jungle partiram — literalmente — tudo. Em formato de concerto que poderia acontecer numa garagem em Rio Tinto, a dupla não deixou que nenhum loop não se fizesse ouvir. Quem não dançou, achámos mal. Quem não moshou, pior ainda. Se a banda teve de pedir desculpa porque achou que partiu o palco, é sinal de que o concerto foi bom. E não é que foi mesmo?

E a falar em rockalhada, o nosso regresso às Portas do Mar ficou marcado pela curiosidade em assistir ao concerto dos brasileiros DEAFKIDS, trio formado por Douglas Leal, Mariano (mas não o Gato!) e Marcelo dos Santos. A coisa prometia quando nos apercebemos que Douglas usava uma t-shirt de Scúru Fitchádu, mas o concerto nunca nos captou totalmente. Espécie de rock tribal e dissonante, sem dúvida, mas para qual era necessária uma atenção que, se calhar, já não estávamos tão dispostos a dar. Ficam para a memória os delays e reverbs, as grooves hipnóticas, e a pujança da batida tribal. Coisas boas, portanto. Ao menos isso.

Minutos antes, fomos ao belíssimo espaço que é o Auditório Luís de Camões para assistir ao concerto da russa Kate NV. Começou bem — synth-pop a querer-nos fazer levantar o corpo, outfit digno de Streets of Fire, vocais transcendentes, e dancinhas soníferas. Contudo, o concerto de Kate NV foi isso e apenas e só isso. A produção exímia das suas malhas não salvou que o concerto, infelizmente, se tornasse enfadonho, transformando-se de sonho onírico celestial em inferno monótono vulgar. O maior desapontamento do festival até ao momento.

O Tremor prossegue esta sexta-feira com concertos de Glockenwise, PoiL Ueda, o supergrupo Estrela e mais uma edição de Tremor na Estufa.


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