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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 20/03/2024

Uma memória para recordar no futuro.

Tremor’24 — Dia 1: abrandar ao som de uma lenda brasileira desgastada

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 20/03/2024

“Quando pousas o pé aqui, tudo começa a abrandar e a mover-se de outra forma.”

As palavras são de Márcio Laranjeira, proferidas numa entrevista a publicar em breve nestas páginas, e são aplicáveis a muitas situações do quotidiano. Neste caso, é uma descrição muito sucinta da energia que passa a fluir pelos corpos que se juntam para ajudar dar vida ao Tremor, o festival do qual é um dos diretores criativos (também é um dos responsáveis pela promotora do evento, a também editora Lovers & Lollypops), festival açoriano que arrancou esta terça-feira (19 de Março), e que prossegue a animar a ilha de São Miguel, nos Açores, até sábado (23).

Chegar a Ponta Delgada, independentemente de qualquer nervosismo ao aterrar (andar de avião tem destas coisas), implica uma mudança de velocidade. Implica desligar todos os recetores de informação vindos do Continente e ligar os recetores da descoberta. E não é que Ponta Delgada e São Miguel se movam de forma mais vagarosa que outros locais. Simplesmente aqui a energia é diferente; e quando falamos do Tremor, falamos de descoberta. De estar à cuca de novas coisas, novos sons, momentos, experiência. De fechar os olhos e fazer apenas uma coisa: sentir.

Se é necessário, para estar no Tremor, baixar o ritmo, o primeiro dia de festival serviu mais como forma de aquecimento que outra coisa. Quem vos escreve deste lado confessa que, além disto ser a sua primeira visita ao Tremor, também é a sua primeira visita a São Miguel e aos Açores. Portanto, antes de mais, era necessário caminhar por Ponta Delgada e tentar descobrir a energia do local — mais uma vez, sentir. Absorver. 

Tentar “experienciar” os Açores, o que quer que isso signifique, é uma sensação complicada de explicar. Não serão os cinco dias de estadia para o Tremor que permitirão entender este local onde a efervescência vulcânica se sente no ar, mas a porta de entrada será certamente aberta. Uma vez nos Açores, o desejo imediato é voltar — mesmo ainda antes de termos ido embora.

O primeiro dia de Tremor ficou marcado pelo concerto de um dos nomes mais “fortes” da edição de 2024 do festival: Jards Macalé. Após passagens por Braga, Espinho e Lisboa, o histórico cantor brasileiro chegou aos Açores para fechar aquela que foi a sua maior digressão europeia de sempre. A honra de vermos a sua tropicália ser tocada ao vivo já foi mais que suficiente para nos deslocarmos às Portas do Mar para nos juntarmos a outras tantas almas com desejo de celebrar a sua obra — marcada pela forma como o seu (ignorado à altura) disco homónimo de estreia de 1972 mudou a face do “roque enrow” brasileiro e pelo seu papel na criação do magnífico Transa (1971) de Caetano Veloso — e, acima de tudo, a liberdade de poderem bailar.

Celebrar Jards Macalé implica, contudo, saber as suas limitações. Breves momentos antes do concerto, um membro da comitiva do músico de 81 anos relembrou que este era o último concerto da sua digressão. Ficava o lembrete assim que o cansaço já era, de certeza, inimigo de Jards, cujo desgaste na sua voz bem se notou em momentos como a sua versão de “Garota de Ipanema”. Bem tentámos ignorar ao máximo que podíamos a circunstância, mas em momentos deu pena que não conseguíssemos escutar grandes cantigas como “Soluços” em todo o seu esplendor.

Como se isso não bastasse, a própria qualidade do som no espaço das Portas do Mar parecia tentar remar contra a corrente celebratória da ocasião. Porém, Jards e a sua banda virtuosa — as guitarradas de Gui Held bem se fizeram escutar, enquanto o jogo de groove entre o baixo de Paulo Emmery e o baterista Thomas Harres deu vida extra aos “esqueletos” destas grandes canções — fizeram o que podiam com as condições que lhes saíram na manga.

Sentado, de violão em punho, óculos escuros (esperemos que não apareça aí um post do Pedro Abrunhosa a ameaçar processo) e camisa vermelha a mandar estilo, Jards Macalé e companhia conseguiram dar vida a belíssimas canções como “Revendo Amigos” ou “Farinha do Desprezo”, vida suficiente para que corpos bailassem em sincronia ou tentassem cantar um coro que, tal como Jards, se revelou algo desafinado e fora de tempo. Não foi um grande concerto, mas ao menos foi uma memória que podemos relembrar daqui para a frente: vimos e celebrámos Jards Macalé, como conseguimos, uma vez na vida. O Tremor continua esta quarta-feira com o seu segundo dia de festival. Há concertos de Colleen, Hetta, Sarine ou Faizal Mostrixx.


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