pub

Fotografia: Marina Cruz
Publicado a: 21/03/2024

Desbravar trilhos e sons.

Tremor’24 – Dia 2: Magia e ruído um pouco por toda a ilha de São Miguel

Fotografia: Marina Cruz
Publicado a: 21/03/2024

Calhou-nos na rifa que a nossa ida ao Tremor Todo-o-Terreno seria na manhã desta quarta-feira (20 de Maio) e, portanto, isso justificou uma dormida tática mais cedo que o habitual (por causa disso, não assistimos ao DJ set do coletivo All Hands on Deck, oriundo de Manchester) para garantir que estaríamos a 100% para fazer o trilho. O Tremor Todo-o-Terreno é o tipo de atividade que confere sumo extra ao Tremor e o ajuda a transformar-se num festival extra especial. Fica o aviso a quem está pelos Açores: spoiler alert. Considerem-se avisados.

De phones nos ouvidos, o trilho levou-nos, com a toda a sua beleza circundante — se abrandar faz parte do mote do Tremor, então não há dúvidas que este tipo de atividades nos permitem mesmo abrandar —, às bordas da Lagoa das Empadadas, para escutar os Lavoisier, o duo formado por Patrícia Relvas e Roberto Afonso. Como descrever o que se viveu ali à beira-lago? A expressão “magia” talvez o resuma, mas não se revela suficiente para contar a história toda. Quando falamos de tradição, não há melhor local para a escutar do que aquele que é a tradição mais antiga de todas: a Natureza. 

Tal como um pássaro a flutuar levemente ao ritmo do vento, também a voz de Patrícia flutou como se nada fosse para cantar a belíssima “Os Bravos”, canção tradicional açoriana imortalizada por Zeca Afonso; a acompanhar, uma resposta longínqua de Roberto a cantar “Bravo meu bem”, que eventualmente se juntou ao sururu de viola da terra na mão, esse tão belo instrumento de cordas tradicional dos Açores. O concerto dos Lavoisier, que já antes nos tinham feito companhia nos nossos auscultadores através de uma peça a servir de banda sonora para o trilho (imaginem se os Sigur Rós tivessem nascido nos Açores), revelou-se um verdadeiro escape para a desilusão do “mundo real”, mas não esqueceu que a vida é uma constante luta. 

Ouviu-se uma belíssima versão de “Porque Não Me Vês”, de Fausto, e a interpretação da dupla de “A Presença das Formigas”, mais uma vez de Zeca (que acharia Zeca do mundo atual? Provavelmente nada de bom), a poucas semanas da celebração dos 50 anos do 25 de Abril, foi um momento de verdadeiros arrepios, uma chamada à ação para um povo adormecido que, mais do que nunca, precisa de despertar para a verdadeira luta. Pela verdadeira paz, pão, habitação, saúde e educação. Pela liberdade, lutaremos até ao fim. Porque a queremos “mais do que a morte”, porque a desejamos mais do que a nossa própria “vida”. Pena que nem todos pensem assim — mas pelo menos ali, com os Lavoisier, brotou uma réstia de esperança necessária para os tempos que se avizinham.



O Tremor Todo-o-Terreno decorreu pela manhãzinha; pela tardezinha, outra atividade do festival nos esperava: a sessão desta quarta-feira do clássico Tremor na Estufa. Apesar de algum caos com os transfers — entretanto, a organização do festival pediu desculpas ao público pela confusão —, lá conseguimos chegar, mesmo que atrasados, ao Miradouro do Rosário, localizado nas traseiras de uma igreja e cemitério na Ponta de Santo António, a 25 minutos de autocarro do centro de Ponta Delgada.

Se os mortos conseguissem acordar, não seria surpreendente se tivessem juntado-se a nós para dançar ao som de Landrose¸ o projeto a solo de David Temprano, baterista da banda de noise rock belga Cere. Imaginem se Zack Hill dos Death Grips, Brian Chippendale dos Lightning Bolt e Greg Saunier dos Deerhoof se juntassem para formar uma máquina de noise drumming com stamina alegadamente infinita, e o polvilho extra final fosse o “bom material” da eletrónica punk digital de Sewerslvt. Foi mais ou menos isso que se escutou durante uma hora à beira-mar. Deu para dançar, para os primeiros crowdsurfs do festival, e sentir os tímpanos a arrebentar. Magnífico.



À noite, para dar por concluído o nosso segundo dia de festival, e forçados a escolher entre o barulho eletrizante screamo dos Hetta e a delicada música ambiente da francesa Cécile Schott — ou seja, Colleen —, acabámos por nos ficar pela delicadeza.

O concerto de Colleen no Teatro Micaelense, perante uma sala praticamente cheia, é o tipo de espetáculo que o público vem “descobrir” ao Tremor. Não precisámos de muito tempo para perceber que a música de Colleen nos ia encantar. Rapidamente, e apesar do nervosismo que a própria admitiu — era o concerto nº250 do projeto e, por isso, espécie de momento de celebração para a artista —, vimo-nos envolvidos nas texturas daquelas melodias, daquelas peças sonoras, e entramos em estado de profundo transe. Sentimos, portanto. Agora, uma missão: fazer o trabalho de casa e ir explorar a discografia magnífica de Colleen. É por estas descobertas que também se vem ao Tremor.

O festival açoriano prossegue nesta quinta-feira (21) com a celebração do hip-hop açoriano de Sam The Kid e a Escola de Música de Rabo Peixe, e concertos de boa malta como os DEAFKIDS ou Kate NV. A fechar o dia, há set de DJ Lynce.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos