É sexta-feira ao final da tarde e estamos na Collect, em pleno Cais do Sodré, no centro de Lisboa. Estamos próximos dos dois sítios por onde a tour de Mick Jenkins passou no fim-de-semana transacto — o Musicbox, na sexta-feira; e o B.Leza, no sábado. Tempo para nos sentarmos à conversa com o artista que esteve encarregue da primeira parte da digressão, o canadiano TOBi, nascido na Nigéria, que chama “unapologetic soul music” à sua arte, onde cruza hip hop, soul e R&B.
No ano passado, quando celebrou o 30.º aniversário, lançou o seu segundo álbum, Panic, um disco em que expõe as suas vulnerabilidades, aborda assuntos íntimos, mas também revela as suas perspectivas sobre o mundo que o rodeia. É o disco que agora apresenta na estrada, nesta que é a sua primeira vez em Lisboa.
Como disseste num comunicado de apresentação, o álbum não deixou nada por dizer, porque abordaste temas muito diversos. Mas porque decidiste chamar-lhe Panic?
Acho que a ansiedade e o medo são coisas com que muita gente lida — aliás, toda a gente lida. E, para mim, a cura para o pânico é a verdade. Porque tudo aquilo de que tens medo… Assim que abordas essas coisas e as entendes, o medo dissipa-se. Esse foi o meu pensamento. E eu vivi com pânico, com ansiedade, por isso sei que tudo aquilo que me está a perturbar aqui [encosta o dedo à cabeça], assim que falo sobre isso, desaparece. Então quis fazer isso na música, à minha maneira. É um processo de cura. E também é sobre amor e esperança. Traz esse sentimento de que podemos fazer isto, de que nos podemos unir e espalhar amor.
Portanto, o processo de construir Panic foi como um antídoto para o pânico?
Sim, completamente.
Este é o teu segundo álbum e foi lançado no ano em que celebraste 30 anos. Sentes que a maturidade e a experiência que vêm com os anos reflectiu-se neste disco, nos assuntos que querias abordar?
Sim, mas na verdade comecei a fazer o álbum quando tinha 26 ou 27 anos. Passou bastante tempo e cresceu muito. Acho que acabou por ter muitos dos temas sobre os quais eu queria falar, as minhas perspectivas sobre a sociedade, mas também alguns assuntos mais pessoais. Mas eu queria falar dos temas mais globais com este álbum, simplesmente precisava de os deitar cá para fora. Por isso é que disse que não deixei nada por dizer, porque queria deitar cá para fora e sentir-me bem e confiante comigo mesmo e enquanto artista. E acho que o Panic contribuiu muito para isso.
O álbum também foi feito durante a pandemia, um período diferente para todos e que também implicou com muitas questões ligadas à saúde mental a que aludias há pouco. Sentes que este acontecimento também influenciou o resultado do álbum?
Acho que não, porque já tinha a ideia antes. A pandemia ensinou-nos muitas coisas. Ensinou-nos que precisamos uns dos outros, mais do que nos apercebemos. Sabes quando estávamos todos isolados? Não era normal. Somos humanos, somos seres sociais… Linguagem corporal, abraços, beijos… A vida é sobre isso. Portanto, estarmos ao telemóvel é fixe, mas não é a mesma coisa. Mas já tinha o conceito há uns anos. Porque vi isto a acontecer na vida: um crescente isolamento, uma maior ansiedade… E pensei: como é que podemos remediar isto através da música?
E foi simples colocares-te num modo introspectivo, para expores os teus receios e vulnerabilidades num disco como este?
Não foi… Porque quando o faço, tenho de falar sobre mim mesmo. E reflectires sobre ti mesmo é um trabalho árduo. Mas, ao fazê-lo, estou a libertar-me. E espero que também possa libertar outros. Sou um work in progress, todos somos. E é a marca que tenho na música, sabes? Não gosto de mentir nos discos, só quero transmitir a verdade. E agora, que estou em tour com o Mick Jenkins, o tipo de música dele… Ele é um artista muito honesto e autêntico e acho que é por isso que me identifico com ele.
E como tem sido estar em tour com ele?
Tem sido incrível. Cada espectáculo tem sido super divertido, porque vejo as pessoas a adorar a música… Não é só porque as faixas são fixes, é porque existe uma conexão verdadeira. Eu sou uma pessoa emocional, então, quando estou em performance, olho nos olhos das pessoas, estamos ali a divertir-nos… É incrível. Esta é a minha primeira vez em Lisboa e estou grato por isso.
E aqui, em Lisboa, vais tocar em dois sítios: no Musicbox e no B.Leza, um mais pequeno e outro ligeiramente maior. Preferes aqueles concertos mais intimistas ou os espectáculos mais grandiosos?
Os íntimos, onde mais facilmente ficamos malucos. Mas o concerto de hoje não será o mesmo de amanhã. Em cada um tento fazer algo ligeiramente diferente, no calor do momento, deixar que o espírito se apodere de nós.
Quando estavas a construir o álbum, também te mudaste do Canadá para Los Angeles. Sentes que foi fundamental para a forma como o disco acabou por ficar, ou foi um passo importante mas mais a pensar na tua carreira no geral? Uma vez que L.A. e os E.U.A. têm uma indústria e um público muito maiores.
Acho que é mesmo isso, nos E.U.A. existe um maior público, maiores infraestruturas, mas eu queria muito acabar o álbum. Porque o estava a fazer à distância, a partir de Toronto, no Zoom, com pessoas que estavam em L.A.. E não era o mesmo. Como te disse, eu preciso desse contacto humano, dessas experiências pessoais. Não sei se vou viver em Los Angeles para sempre, gosto de estar lá, mas também adoro Toronto. Mas agora tenho família em L.A., tenho amigos que considero família. Portanto, também estou em casa.
Além das colaborações que fizeste com outros rappers neste disco, colaboraste com instrumentistas de jazz como o Phil Ranelin. É importante para ti trabalhares com músicos ligados aos instrumentos, que evocam outros géneros e eras da música afro-americana?
Completamente, porque esses são os antecessores, são as pessoas que nos transmitiram um legado, e nós havemos de fazer o mesmo para os artistas do futuro. Não nos podemos esquecer deles, eles não podem ser apenas relíquias. Têm de fazer parte daquilo que fazemos, por isso foi especial. Foi mesmo uma das experiências mais especiais que já tive.
E o que é que gostas mais nos cruzamentos entre hip hop, soul e R&B? As melodias são uma parte essencial da equação? Aquele sentimento cru da soul?
A música é como ires a uma galeria de arte. Veres estas cores e texturas diferentes a interagirem umas com as outras, e acho que o hip hop, R&B e soul criam um casamento… Por isso é que chamo à minha música unapologetic soul music. Até olho para estes padrões aqui [aponta para três menus de cores distintas] e estão a interagir uns com os outros, é agradável aos olhos. E é assim que olho também para a música e para os cruzamentos entre géneros.
E sentes que as tuas raízes nigerianas, esse background que obviamente é diferente de muitas das pessoas que vivem no Canadá ou nos EUA, deram-te uma maior abertura musical, com uma abordagem mais melódica?
Sim, completamente. Porque cresci a ouvir o Fela Kuti ou o King Sunny Adé. Cresci a ouvir afro jazz ou música fuji. E é lindo porque estou a olhar para estas paredes e estou a ver imensas cores e texturas que me fazem lembrar da minha infância. Eu adoro afrobeat, embora não seja um artista de afrobeat, mas movo-me com o mesmo espírito. Também faz parte de mim.
O que é que desejas mesmo concretizar ao longo da tua carreira?
Quero fazer uma tour global em nome próprio. E quero levar a minha umapologetic soul music a todo o mundo, e usar a minha música para activar uma mudança com alma. Isso seria o mais importante.