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Tkay Maidza

Last Year Was Weird, Vol. 2

4AD / 2020

Texto de Miguel Santos

Publicado a: 11/09/2020

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Ouvir o vermelho, esboçar um sorriso doce. Duas acções que nada parecem ter em comum unidas por uma palavra e significado: sinestesia, sensação simultânea. Está ao alcance de alguns, estima-se que seja 1% da população…. escocesa. Mas mesmo sem nunca o experienciarem, é certo que todos os melómanos, no seu entender e sentir, já ouviram cores. E Tkay Maidza é uma artista que evoca essa sinestesia. 

A cantora australiana nascida no Zimbabué demonstrou desde cedo o seu potencial: depois de se afirmar como uma das forças emergentes do hip hop australiano com singles como “Brontosaurus” ou o EP Switch, o seu álbum de estreia TKAY mostrou uma cantora ainda à procura da sua voz mas certa de que a iria encontrar. Com uma sonoridade mexida e exasperada, o projecto soa a fogo de artifício sonoro lançado por alguém pronto a acender o próximo.

Eis que chegamos a 2020, um período que tem sido, no mínimo, bizarro. Mas o foco da estranheza para Maidza é aparentemente outro: Last Year Was Weird, Vol. 2 é a sequela do seu último projecto e promete fazer esquecer este ano durante meia hora com os seus temas coloridos. São orelhudos e instantaneamente apelativos, como “My Flowers” tão bem mostra. É um tema de cores quentes e uma introdução digna para estas flores que oferece, em que hip-hop, r&b e neo-soul são só algumas das suas pétalas. 



Tudo parece brilhar mais forte neste mundo conjurado por Maidza. A fugaz “24k” enaltece os tons anteriores e leva-nos pela noite fora com os pés bem assentes na pista de dança, fazendo lembrar GoldLink e o seu future bounce. Maidza revitaliza o estilo, trá-lo de volta com o seu cunho e a sua originalidade. Veio para ficar, como nos assegura “Shook” de hook assertivo e bons jogos de palavras. Num género que infelizmente continua a ser dominado por homens, Maidza insurge-se com um estrondo que deixa toda a gente atarantada. O seu sucesso é natural e naturalmente que continua a tingir algumas caras de amarelo, com um tema apontado aos invejosos e haters

Se essa demonstração de vigor e coragem não for suficiente, “Awake!” mostra-se à altura e traz o vermelho aguerrido para a mesa. A sua energia maníaca é capaz de rebentar com umas quantas cabeças, ou pelo menos alguns subwoofers. É um banger sujo com uma curta e insolente feature de JPEGMAFIA e com direito a canção de embalar assombrada. Depois de mostrar os dentes, está na altura de colher os louros e “Grasshopper” é a gélida apoteose de cores frias que esperamos sem o saber, como uma noite escura especialmente profética. 

O projecto termina de volta aos laranjas de um Sol no seu apogeu transmitido pelas grooves de “PB Jam” e especialmente “You Sad”. A canção é puro deleite, um sentido e resoluto beijo de despedida antes de um “até nunca mais” entoado sem nenhum arrependimento. São cores que parecemos ouvir ao longo de todo o projecto. Mas a verdadeira virtude de Last Year Was Weird, Vol.2 está nos padrões que consegue formar com essas cores, e a versatilidade e engenho de Tkay Maidza estão inscritos nesses fractais sonoros. 

A música de Tkay Maidza evoca a sinestesia, mas esta mixtape vai mais longe, é caleidoscópica. Talvez não seja a primeira palavra que nos ocorre quando pensamos em música, mas quando a nossa sensação do som escapa às palavras do costume, urge-se que se encontre maneira de a descrever da forma que consideramos adequada. Chegamos, portanto, a esse adjectivo e uma palavra que, não vestindo a tradicional farda sonora, assenta que nem uma luva: Last Year Was Weird, Vol.2 é um projecto caleidoscópico. Conseguem ver?


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