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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/04/2023

Explosivos artesanais e raides aéreos.

Tim Hecker na Culturgest: o mesmo combate

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/04/2023

Seis polícias de intervenção atravessam a rua. Passo sincronizado e com o passado. Vestimenta paramilitar. Capacete, escudo e cassetete na mão. O céu negro. Os edifícios cinzentos. No meio uma nuvem de fumo, resultado da mistura entre gás lacrimogénio e cocktail molotov. Há tensão. O que farão a seguir os assalariados do poder? Como escaparemos a nova investida? Caminharemos por ruas desertas entre edifícios modularmente repetidos? Quanto tempo demorará a fumarmos o cigarro nesta noite gélida? Tão presente este quadro recente de João Fonte Santa. A Europa. A Europa na sua eterna repetição do pós-guerra. Cansada. As cidades dos decretos. As cidades da privacidade e da pouca comunidade. A massificação das apps e da comunicação unidirecional. A sociedade binária. As respostas 0 ou 1. 

Uma nuvem espessa de fumo invade a sala. Dois amplificadores. A sua presença marca o silêncio totémico, por agora. E detrás do fumo nada, por agora. Tim Hecker e Otonashi Fumiya. Dois vultos. Cegos às apalpadelas, nós. Debruçados no som. Suave como um amanhecer. Falsamente suave, como todos os amanheceres. O que nos espera? Os dias não são mais do que finas sucessões de incontáveis minutos. Há precipício na curva? Uma suspensão contínua, que mais não é do que o reflexo em concerto do álbum do músico canadiano – No Highs (Abril, 2023). Temas como “Monotony“, “Total Garbage“, “Winter Cop“, “Pulse Depression“, “Anxiety” ilustram o que o autor descreve como “A beacon of unease against the deluge of false positive corporate ambient currently in vogue. Whether taken as warning or promise, No Highs delivers – this is music of austerity and ambiguity, purgatorial and seasick.” Sons de tonalidade ambient, um disfarce de acalmia. Momentos a resvalar no épico – falsidade capitalista, embrulho liberal. Tons de claridade – programas de resiliência. Não vai ficar tudo bem e todos sabemos. Sem esquizofrenia, sem militantismo anunciado à priori. Construção de diferentes níveis, por vezes aparentemente dispersos, mas que conformam uma ideia. Os graves permanentes, os raides aéreos a fazer lembrar ataques de aliados e nazis a Le Havre, os agudos de quem corta e pole o mármore. É físico. As vocalizações de Otonashi Fumiya reforçam esta marcha. O shō, instrumento de sopro de origem japonesa e tocado pelo mesmo, abre outros caminhos. No cruzamento, o regresso – “This is music of austerity and ambiguity, purgatorial and seasick.”

No fim, o desconforto. Dean Blunt há uns anos no Maria Matos, Vladislav Deslay o ano passado nos Jardins Efémeros e ontem – Tim Hecker. Caminhar no desequilíbrio é condição humana. Estar atento.


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