Tem sido um ritual recorrente nos últimos anos. Quando no calendário surge uma Sexta-feira 13, dias simbólicos marcados pelo azar e pela penumbra, eis que um vulto surge entre a neblina do hip hop nacional. O seu nome é Tilt e a sua aparição é o azar de muitos rappers, raramente poupados pelas suas rimas afiadas e de pé em riste. Para ele, portanto, é um dia de sorte — tal como expressou na faixa que deu início a esta pequena tradição, “TREZE”, desvendada a 13 de Novembro de 2020, uma sexta-feira: “A fazer a minha sorte, só que eu emano 13”.
Quase cinco anos depois, a 13 de Junho deste ano, Tilt decidiu elevar o repto e lançou mesmo um EP dedicado a esta temática. MIASMA integra as faixas já reveladas nestas datas e adiciona novos temas — sendo que existe ainda uma versão deluxe, com duas músicas extra, disponível à venda em CD.
Foi o pretexto para uma entrevista no Rimas e Batidas, na qual o rapper de Almada — que também milita nas fileiras de ORTEUM e ESCALPE, sem novidades para anunciar por agora — acaba por também levantar o véu sobre o seu primeiro álbum a solo de longa-duração, Espirro, um disco “mais pessoal” e em construção há bastante tempo, que deverá ver a luz do dia entre o final do ano e o início de 2026. E aí a sorte será toda nossa.
Tens sido um sinónimo de Sexta-feira 13, ao teres lançado várias faixas nestes dias simbólicos do azar ao longo dos últimos anos. O que é que desta vez te levou a editar mesmo um EP, em vez de um novo single?
Basicamente, dei por mim na Sexta-feira 13 anterior, que foi em Dezembro, quando lancei o “Bem Dizido”, a olhar para as Sextas-feiras 13 que tinha no ano seguinte, que é algo que faço… Como é que hei-de explicar? Lancei a minha primeira faixa desta onda numa Sexta-feira 13, que foi o “TREZE”, e depois estive sem fazer quaisquer tipo de referências ou de prática de lançamentos às Sextas-feiras 13, mas retomei o ano passado. Decidi agarrar na data e fazer isso. O que eu faço é, a cada Sexta-feira 13, vou olhando para a seguinte e vou pensando, vejo quanto tempo tenho, o que é que posso ou quero fazer. Cheguei a Dezembro do ano passado, olhei para 2025 e só havia uma Sexta-feira 13. E pensei: “Bem, não posso só lançar um som. Tenho aqui um bocado de tempo. Vou tentar magicar alguma coisa.” Tinha já três faixas feitas, aquelas que já tinham saído, e fiz as outras todas de Dezembro até Maio, por aí. Foi assim que aconteceu o projecto.
E todas estas faixas foram escritas e feitas a pensar neste conceito de Sexta-feira 13? Ou já tinhas alguma feita anteriormente que depois acabou por encaixar na data?
Sim, acabei por fazer mais ou menos isso. As outras três faixas não fiz, basicamente, sobre a Sexta-feira 13. Talvez haja alguma referência na introdução, há questões de azar, mas o resto é um bocado freestyle. A própria questão de Sexta-feira 13, aquilo que estou a tentar fazer, acaba por ser mais um ambiente, um cenário…
Um universo sombrio.
Exactamente. Tento fazer um universo, que é um bocadinho diferente do que será o meu álbum, por exemplo, que não é todo assim, tão para o sombrio. E isto da MIASMA é uma coisa que me dá que pensar… Acho que até pode ter sequelas.
Ou seja, gostavas de lançar mais faixas nas Sextas-feiras 13 que existirem no próximo ano?
Gostava, mas se calhar não para o ano. Já tenho uma ideia ou outra para o ano, acho que tenho duas Sextas-feiras 13. Mas o que estou a dizer é que não acho descabido um volume 2 daqui a dois ou três anos.
E fizeste uma versão física com duas faixas extra. É um mimo para os fãs que apoiam o artista e compram o CD, digamos?
É basicamente isso. Como dizes, é uma forma mais directa de eu poder agradecer o apoio directo que me dão. Porque o apoio mais directo que se pode dar a um artista é comprar a merch ao próprio, é ir a um concerto do próprio. São as melhores formas de apoiar directamente um artista, sendo que um artista precisa de sobreviver, de subsistência para criar. E basicamente é criar aqui uma forma de as pessoas sentirem mais necessidade de apoiar o artista e de elas sentirem que também compensa.
Para, no fundo, terem algo em troca.
Exactamente, há sempre uma coisinha em troca. E eu já faço isto desde o Alimentar Crianças Com Cancro da Mama. Há coisas que nunca foram para a net que estão no Alimentar Crianças. O disco já tem mais de 10 anos e não vão para a net e as pessoas até respeitam muito isso…
Já poderiam ter feito o upload, não é?
Já podia ter acontecido ao dia de hoje, não é? Facilmente, já passou tanto tempo. Mas não aconteceu. Acho que as pessoas eventualmente acabam também por sentir esse valor nas mãos. “Tenho aqui uma coisa que não está em mais lado nenhum”.
É mais ou menos evidente que, enquanto rapper, sempre gostaste de explorar o teu lado mais sombrio, de levar o teu rap para esse campo. Também foi isso que te atraiu no conceito da Sexta-feira 13 e no simbolismo do azar?
Sim, eu gosto muito, sou muito do contra… Gosto de fazer do azar sorte, gosto de brincar com essas merdas. E isto partiu do início, com o “TREZE”, em que eu fazer isto era o azar para muita gente. Eu seria o azar para muita gente. No entanto, é uma sorte para mim também ter o amor das pessoas. Portanto, para mim é um dia de sorte. E há todo um misticismo à volta do 13, de que gosto, identifico-me. Não sei se sabes, uma das origens disto foram os templários que foram mortos.
Não conheço a história, estás-te a referir às origens da Sexta-feira 13, é isso?
Sim, isto foi uma maldição de um grão-mestre templário que foi perseguido pela Inquisição. Isto tem tudo a ver com os verdadeiros vs. os falsos. Em que a Inquisição, que representa a Igreja, andava a caçar e a matar pessoas, e algumas delas eram os próprios templários, que eram uma linha puríssima do Cristianismo e por isso a Inquisição não gostava deles. Eles eram inimigos da instituição da Igreja. Mas, lá está, a verdadeira Igreja, a verdadeira religião, não é uma instituição. E os templários eram puros seguidores de Cristo. Vejo isto um bocado como os puros vs. impuros. É uma maldição que eu decido lançar para os impuros, basicamente. É quase uma ameaça.
Faz todo o sentido também no contexto do rap, obviamente.
Exacto, tento colocar isso também aqui neste universo, tento transportar e vejo os mesmos princípios no rap e no hip hop.
E sobre o álbum que estás a preparar, o que podes contar?
Posso adiantar aqui algumas coisas. Se o álbum não sair este ano, algumas pessoas vão morrer. Portanto, este álbum vai sair este ano, ok? Estou a planear para o final do ano, naturalmente. Pode existir aqui uma pequena possibilidade de passar para o início do próximo, mas seria só por questões de gestão e, nesse sentido, não ia ter de matar ninguém [risos]. Mas sim, o álbum está preparado, basicamente, só à espera ali de uns arranjos. E a MIASMA vem também nesse caminho, no sentido em que é um cheirinho daquilo que aí vem. O conceito de MIASMA acaba por ser algo que emana de podridão, de algo decomposto. Não só acho a minha cena podre, no sentido em que perturba e incomoda, como também o meu disco está ali parado há algum tempo e a MIASMA acaba por ser um reflexo de ter ali um disco parado e necessitar de lançar alguma coisa. Meio que está ligado, uma necessidade à outra.
Mas suponho que o MIASMA seja um projecto mais sombrio e que o teu disco não tenha só isso. O álbum será a soma das partes, das tuas várias facetas enquanto rapper? Ou até sentes que vais explorar coisas diferentes, que até agora não tinhas mostrado?
Esse disco, comparado com o MIASMA, é um disco muito mais pessoal, com faixas mais introspectivas. O MIASMA, para mim, foi uma coisa muito mais de freestyle, um exercício de rap. O outro é mesmo aquilo que eu quis fazer de um disco.
Mas sentes que vem um pouco no seguimento dos teus EPs anteriores ou achas que vai ser uma coisa mesmo diferente, no sentido de ser mais pessoal?
É mais pessoal que os discos anteriores, mas a nível de sonoridades é tudo mais ou menos o mesmo, embora seja menos sombrio. Acho que é um disco mais variado no que toca a ambientes. Queria cenários diferentes. Enquanto o MIASMA me parece tudo dentro do mesmo universo, acho que no meu álbum consigo passear um bocadinho, fazer ali uma história e explorar ambientes diferentes. O Karrossel, Karma e o Alimentar Crianças com Cancro da Mama são discos muito conceptuais e o Espirro também acaba por ser — mas mais completo. Acho que acaba por satisfazer várias partes de mim. Acho que vai ser o meu trabalho mais completo até agora.