[TEXTO] Vasco Completo
O último álbum de Thundercat está aí e é o seu melhor trabalho até à data. O artista não tem sido especialmente memorável no seu registo fonográfico a solo, apesar da sua sonoridade funk e fusão profundamente marcante (e de boa qualidade, diga-se) e as colaborações de alto calibre com Kendrick Lamar, Terrace Martin e Flying Lotus, o seu parceiro de longa data no que toca à produção, elevarem-no a estatuto de intocável, de momento. A sua capacidade técnica ao nível do seu instrumento, o baixo é, realmente, fora do comum e coloca-o num patamar que não é fácil de atingir por qualquer músico. É esta sonoridade que marca Cosmogramma e You’re Dead e grande parte de To Pimp a Butterfly – o baixista esteve no processo de composição, produção e gravação do aclamado álbum de K. Dot.
Por alguma razão, Stephen Bruner, apesar de bem visto no mundo da música – tanto no jazz – já trabalhou com Herbie Hancock diversas vezes –, como na electrónica mais experimental – Flying Lotus – ou no hip-hop -, não alcançou ainda o nível de relevância que merecia quando é o principal protagonista. Thundercat tem assinado discos de qualidade, dotados de boa produção, com estilo vincado e personalidade (musical, claro) marcadamente presente. No entanto, parece sempre que todos os aspectos dos álbuns ficam aquém do que conhecemos do Thundercat das colaborações. E isso acabou de mudar. Porque, afinal de contas, tudo muda e até as participações se expandem: agora temos Kendrick Lamar, Pharrell Williams, Wiz Khalifa, Michael McDonald, Kenny Loggins, Kamasi Washington e (o sempre esperado) FlyLo. Uma lista de colaboradores de alto calibre e relativamente variada.
O álbum começa logo numa confusão. Após a introdução com “Rabbot Hoo”, “Captain Stupido” traz uma batida duma completa sensação de alucinação – ou vá… bebedeira. Uma letra completamente irónica e cómica para uma batida tão frenética. O espírito de Thundercat traz sempre muita diversão consigo. Neste registo, o equilíbrio entre a escrita e os instrumentais é conduzido de forma exímia.
O baixista e produtor mantém a mesma tipologia composicional no que toca a fazer músicas de curta duração, mas que funcionam de forma muito ligada e com um desenvolvimento interessante. O álbum percorre-se com uma dinâmica interessante e um ritmo cativante, até certo ponto.
Este é capaz de ser o melhor registo vocal de Stephen, de 32 anos. Parece que se preocupou verdadeiramente em fazer canções – no sentido pop da palavra – ,em mostrar-se, não só como baixista, mas também como bom cantor que é. Nota-se, agora sim, uma excelente capacidade de criar melodias para uma canção.
Em retrospectiva, os momentos altos do álbum são capazes de ser a fantástica “Walk On By”, com a participação brilhante de Kendrick Lamar – é raro o rapper fazer uma má colaboração. K. Dot está mesmo a um nível insuperável. “Jethro”, com uma produção e arranjos magníficos, também merece destaque: aqui podemos ver que ao concentrar-se mais na harmonia, pelo uso menos exacerbante do seu instrumento, Thundercat torna tudo um pouco mais fascinante.
Menções honrosas a “3AM” – com um trabalho excelente ao nível melódico na voz e do arranjo da harmonia, a “Them Changes” e a “Drink Dat”. A última – com um ambiente pop muito bem trabalhado e produção incrível – deixa muito a desejar, culpa da colaboração desinteressante de Wiz Khalifa.
Nota-se, muito claramente, uma nova pesquisa por novas sonoridades, novos timbres e, mais importante, novos ritmos, já que nos álbuns anteriores existia sempre um andamento muito frenético. Sente-se igualmente a procura por uma sonoridade mais adulta, mais rica, também. Até ao nível do design de som, da espacialização sonora, está mais aprofundado (veja-se o começo de “Uh Uh”, ou mesmo o fim de “Rabbot Hoo”). Menos experimental. Um pouco mais minimalista: o álbum soa, sem dúvida, mais corpulento. Avé Thundercat!