Mesmo com a reformulada constituição, os The Bad Plus conseguem manter a ideia de punk no jazz. Da formação inicial mantêm-se o núcleo do tempo e ritmo, o mesmo é apontar Reid Anderson no contrabaixo e Dave King na bateria. E essa é uma estrutura inabalável e de identidade. Formulados no final do milénio, contando com o arranque discográfico com um álbum que se viu lançado na catalã Fresh Sound New Talent em 2001. Nele constava uma versão inescapável de “Smells Like Teen Spirit”, dos Nirvana. Foi por aí que desde logo assumiram uma certa rebeldia nos campos do jazz.
Passados estes anos e com 18 álbuns pelo meio, chegam-nos novamente ao ouvido e em palco com uma boa dose de despretensão — sinal de irreverência. Ao lado de Anderson e King estão Chris Speed no saxofone e Ben Monder na guitarra eléctrica, no amplo palco do Autitório de Espinho na noite fresca de 6 de Junho. The Bad Plus. (2022) é o álbum que dá entrada destes dois novos membros, com um ponto assumido na capa — talvez alusivo ao fim da presença do piano na formação e que lhes marcou o som até então.
O começo e o final do concerto tocam-se — haverá nisso uma ideia de fim de princípio? Certo é que foram ambos os momentos de maior harmonia, com Speed a mostrar o som da madeira do clarinete que envolveu a sala — esta que é uma das mais confortáveis na dimensão e moldura para escutar música que se conhece. Há muita madeira nesse “The Dandy” com que brindam o voltar a palco. O som que fica mais recente na memória — ainda bem. Arredados desse som da madeira, Speed ocupou-se do saxofone tenor mas do seu jeito, muito melodioso e redondo — com doses de subtilezas que parecem induzir inibições. Mas esta formação ouve-se como um grupo de banda punk de garagem, no sentido estético da acústica. Uma bateria omnipresente, ocupando espaço. Claro que sabe tão bem ouvir King como mestre de cerimonias, indo dos recortes e exploração dos recursos às cadência de sustento melódico como se tocasse no seio de uma formação de extensa progressão de guitarras. A exemplo disso mesmo escutou-se “Sick Fire”, tema tocado ainda com plena energia de palco, e que com a sua quebra se sumiu sem voltar. Haveria de ser o contrabaixo de Anderson a manter o pulso com “Salvages”, nem de propósito trazido do álbum Never Stop II — apenas a guitarra de Monder estava forçosamente silenciada. Mas prosseguiram em chamamento as cordas graves — plenas de efeitos ressonantes no braço. Resultou em pleno — porque retomaram em seguida toda a vitalidade do tema. Já haviam passado pelos mais recentes “French Horns” e “Carrier”, a que juntaram “Cupcakes One” de Speed e “Tyrone’s Flamingos” de King. O álbum mais recente, Complex Emotions (2024), estava em grande medida revisitado em palco. A matéria mais recente e mais à mão de se tocar. Mas continuava a ser o baterismo de King que se impunha, chegava directo aos ouvidos. Queria-se ter desfrutado ainda mais dos momentos em que por acalmia se sorveu a textura nebulosa da guitarra de Monder — muito feita de um discreto tocar, quase para si própria, tão só.
Este som meio descuidado — é assim e é deles, goste-se ou não — dá-lhes essa atitude punk. Mas não se pense que é um descuido sem saber, é antes uma atitude de uma certa crueza. Já na sua anterior passagem por mais perto, aquando do ciclo Jazz ao Largo em 2024 em Barcelos, no Theatro Gil Vicente, soube-se de igual atitude e resultante sonoridade. Uma bateria que se escuta por todos os poros tem uma razão de ser. Agora que nisso se ocultem os outros, e estando um quarteto diante de todos nós, é caso para coçar a cabeça e ficar a pensar que enquanto uns brilharam outros pareceram fazer ziguezagues.