Os The Bad Plus são um caso singular de persistência estética e reinvenção dentro do jazz contemporâneo. Formados no final dos anos 90, construíram uma identidade própria alicerçada numa visão coletiva, recusando ortodoxias e abraçando o risco como matéria de criação a partir das algo limitadas possibilidades oferecidas pelo clássico trio de piano. Ao longo de mais de vinte anos, os The Bad Plus têm cruzado géneros, desafiado convenções e construído uma discografia onde a irreverência formal se alia a uma notável coesão sonora.
Hoje, com uma nova formação — Reid Anderson no contrabaixo, Dave King na bateria, Ben Monder na guitarra e Chris Speed no saxofone tenor — os The Bad Plus regressam como quarteto e sem piano, num gesto de ruptura que, ainda assim, não enjeita completamente a continuidade. O mais recente álbum, Complex Emotions, marca esta nova fase e sublinha a vitalidade de uma banda que nunca se acomodou. Em vésperas da atuação no Auditório de Espinho — já amanhã, dia 6 — estivemos à conversa com Reid Anderson sobre os caminhos que os trouxeram até aqui — e os que ainda estão por trilhar.
Têm estado em digressão e, como vocês dizem na América, este não é o vosso primeiro rodeo [risos]. Como é que abordam e se preparam para estas tours?
Como se costuma dizer, sou pago para viajar [risos]. O concerto é grátis, mas eu sou pago para andar em viagem. Musicalmente, estamos preparados. Nós dominamos o repertório e sabemos o que vamos fazer em palco. Não é que tenhamos de fazer grandes ensaios antes de uma digressão. É mais aquela coisa de manter a energia elevada, pouparmo-nos para que tenhamos energia para cada espectáculo. Às vezes isso é um desafio, porque certas viagens podem ser muito longas. E esta é uma digressão muito longa, portanto, é sem dúvida um desafio, falando do lado físico da coisa. Viajamos praticamente todos os dias, mudamos de fuso horário constantemente… Mas foi nisto que nos alistámos!
O espectáculo que trazem até cá será em torno do vosso mais recente trabalho, Complex Emotions, certo?
Sim. Vamos fazer uma mistura disso com material antigo, mas sem dúvida que o foco recai sobre o novo disco.
Há espaço para esse repertório ir mudando com o tempo? Vocês reinventam as músicas a cada espectáculo? Ela pode mudar consoante o sítio em que estão a tocar?
Diria que a nossa música tem muita improvisação, existe esse aspecto. Mas também temos coisas compostas, e essas composições não vão mudar. Não é como se as músicas fosse uma coisa no início da tour e se transformassem noutra coisa já no final. Nós orientamo-nos em torno das composições que temos. Tentamos que a composição de cada tema seja interessante, que cada um deles viva no seu próprio mundo. E dentro desse mundo há muita coisa que pode acontecer. Só que a estrutura é sempre a mesma — em termos melódicos e harmónicos. Mas há coisas que são completamente improvisadas — isso já faz parte da estrutura de cada tema. Essas são as partes que são completamente novas em cada um dos concertos. Portanto, é uma mistura.
Disse-me que o espectáculo inclui não apenas o álbum mais recente, mas também algum do material que foram lançando ao longo dos anos. Isso inclui também alguns dos covers que vocês já fizeram?
Os covers foram um grande tema de conversa desde o início e nós gostámos muito de os fazer. Foram um veículo importante para nós, até mesmo na perspectiva daquilo que foi o nosso processo de exploração em busca pelo nosso próprio som dentro de um determinado contexto. Quando as pessoas reconhecem o tema, isso dá-nos toda uma outra liberdade, podemos ir a muitos sítios diferentes com isso, ajudando-nos a definir certos aspectos daquilo que queremos fazer. Mas isso não é algo que nós tenhamos feito muito ao longo dos anos. Nesta nova versão da banda, com o Ben Monder e o Chris Speed, nós não tocamos covers.
Esta ideia de canção já tem centenas de ano e é normal pensar-se que já tudo foi feito dentro desse apertado formato. Isso não vos intimida?
Não diria isso. Há sempre espaço para a imaginação. Sim, é verdade que existem estruturas às quais nos podemos encostar, mas nós não costumamos fazer isso. O desafio é mais: no que é que cada canção se pode tornar? Temos uma ideia inicial, mas nunca sabemos até onde é que ela nos vai levar. Eu considero isso uma boa forma de não nos deixarmos ficar presos a algo. Sim, as canções já existem há imensos anos e isso tem o seu peso, mas é a mesma coisa que a pintura: como se pinta algo de novo, dado que existem pessoas a pintar constantemente? Alinha de raciocínio é a mesma.
Como me dizia há pouco, a banda tem novos elementos. O que diria que mudou em termos do espectro sonoro de The Bad Plus, além da óbvia alteração ao nível da instrumentação? Mudou algo nas dinâmicas?
O som mudou drasticamente. Nós agora pensamos nele de forma diferente. O Ben Monder tem uma paleta de sons muito grande, tem muitas e diferentes formas de expressar o seu som. Isso abre certos caminhos. Em termos da orquestração, temos partes em que ele e o Chris Speed tocam ao mesmo tempo e eles têm mostrado uma ligação muito boa um com o outro. O saxofone, que normalmente dita a melodia da música, ganha um foco especial e é uma parte muito importante na nossa música.
Quando você e o Dave se sentaram para discutir o futuro da banda, como é que esse processo se desenrolou? E o que vos levou a escolher especificamente estes dois músicos que agora vos acompanham?
Chegámos a um ponto em que sentimos que já tínhamos feito tudo o que havia para fazer em trio de bateria, baixo e piano. Fizemos isso durante um longo período de tempo. Esta reformulação foi uma oportunidade para mudarmos radicalmente. Isso mudou completamente o aspecto da nossa música e foi também um desafio a nós próprios. “Será que conseguimos manter o som nuclear da banda ao mudar tanto a sua formação?” Aquilo que nós queremos é, no fundo, divertirmo-nos a tocar com os nossos amigos. O Chris e o Ben são nossos amigos e também músicos muito bons. Depois, a combinação com guitarra mais saxofone era algo que queríamos experimenta. Então não foi uma escolha muito difícil de tomar. Nós convidámo-los, eles disseram que sim, e cá estamos nós [risos]. Não houve qualquer tipo de audição. Foi mais: “Vamos fazer isto?” E fizemo-lo.
Tinha imaginado uma fila enorme de músicos a aguardar pela sua vez numa possível audição para ingressar em The Bad Plus [risos].
Nada disso [risos].
Voltando à ideia das composições, parece-me que vocês têm estado a remar contra a maré. Muita da música que tem vindo dos campos do jazz debruça-se sobre o lado mais free da coisa. Ao darem estruturas aos vossos temas, não sentem que, de certa forma, fazem parte de uma espécie de resistência contra essa prática tão disseminada?
Não. Nós não queremos ser parte de nenhuma resistência. Só queremos ser nós próprios e somos pessoas interessadas em canções. Nós já tocámos muita música free e o disco até tem uma peça do Ben, “Li Po”, que é improvisação livre. Isto até se liga à ideia do título do álbum, Complex Emotions, pois nós queremos ter uma vasta gama de diferentes expressões musicais.
Sei que já me disse que os covers já não fazem parte do repertório da banda, mas dada a actual situação política que se atravessa na América, que levou até o vosso presidente a ir ameaçar directamente Bruce Springsteen, uma versão de uma música dele não poderia servir de afirmação política neste momento?
Podia ser, sim. Ao mesmo tempo, nestes tempos sombrios, qualquer tipo de expressão criativa pode ser um acto político.
É verdade.
Nós temos de nos agarrar àquilo que não nos conseguem tirar. Se tivermos uma oportunidade de criar e expressar o que nos vai cá dentro, isso em si já é um acto político.
E o que podemos esperar de The Bad Plus nos próximos tempos? Sei que o vosso último disco ainda é recente, mas já andam a planear coisas para o futuro?
Sim. Temos estado a conversa e a pensar sobre um futuro álbum. É assim que as coisas acontecem sempre. Num futuro próximo iremos certamente juntar-nos para gravar algo. Só ainda não existe uma data em concreto. Mas diria que vai acontecer dentro de breve.