pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/02/2022

Usar o contexto a seu favor.

Tara Clerkin Trio: “A cena musical de Bristol tem sido uma fonte constante de inspiração”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/02/2022

A agenda cultural na capital portuguesa parece estar a voltar a ganhar o balanço e a vida de outros tempos. Só para se ter uma ideia, e focando apenas em alguns casos, esta noite de sexta-feira temos Morad no Lisboa ao Vivo, João Pedro Brandão no Centro Cultural de Belém, o segundo dia do ID_NOLIMITS ali no Centro de Congressos do Estoril e Tara Clerkin Trio na Galeria Zé dos Bois. São estéticas diferentes e só nas franjas algum dos públicos se devem tocar, mas não deixa de ser sinal de que estamos a respirar de uma forma mais livre.

Vindos de Bristol, uma cidade com muito peso quando falamos de história da música — a nível mundial, atenção –, o grupo traz dois EPs, o homónimo (2020) e In Spring (2021), na bagagem, dando-nos ideias descontruídas do que é a música electrónica, o jazz e os espaços que existem no meio. Para um retrato mais completo do que poderão ouvir na sua obra, Nuno Afonso, que também escreve para o Rimas e Batidas, explica tudo na folha de sala digital deste concerto na ZDB:

“É em tons sépia que percepcionamos a pop em realidade alterada de Tara Clerkin Trio. Existe uma linha retro-futurista que percorre gentilmente a genética do grupo de Bristol cuja elegância e irreverência das expressões os remete para uma cartografia musical distante. As canções languidas e minimalistas respiram espaço e forma, como se se tratasse de dar vida a uma tela em branco. Recorrendo ao clarinete, percussão, sintetizadores, voz e pedais de efeitos diversos, movem-se nas diversas perpendiculares do jazz – ora em forma mais incendiária, ora mais calorosa ou até numa versão lenta e turva das memórias do acid jazz. A suave electrónica desviante que também se faz apresentar, discreta. Originários da urbe que apresentou o trip-hop ao mundo, neles a herança paira com orgulho, mas como semente para algo mais e não como estado final. Intrigantes como sempre.

O destaque em redor do álbum homónimo, saído o ano passado, apenas veio a acelerar o boca a boca que já circulava os Clerkin Trio. Pouco antes, In Spring já dera motivos mais que suficientes para nos envolver neste maravilhoso viveiro onírico em constante (des)construção. Do psicadelismo doce dos My Bloody Valentine, ao surrealismo orquestral dos Penguin Cafe Orchestra ou Julia Holter, também o eco de Arthur Russell faz a sua regência espiritual em cada pormenor. Contudo, a familiaridade com a música de Tara Clerkin Trio é simultaneamente um facto e uma falácia. Se por um lado estes e outros nomes formativos visitam a experiência, por outro depressa se evaporam, dando lugar a outras manifestações, inesperadas e exóticas. Esta sensação de deslocalização é então o ponto ideal para a banda se encontrar consigo mesma – e ela connosco.”

Enquanto se dirigiam de Espanha para Lisboa, a banda tirou algum tempo para responder às perguntas do ReB sobre o seu surgimento enquanto parte da cena “bristoliana”, falando ainda daquilo que roda nas viagens entre espectáculos.



O som do Tara Clerkin Trio é particular e parece fazer parte de uma certa linhagem de Bristol, mas, obviamente, também se percebe que estavam à procura das vossas referências. Podem falar um pouco sobre isso?

Sim, eu acho que o que nós fazemos é, definitivamente, um produto do nosso ambiente. Num sentido mais amplo, mesmo falando a nível local, hoje em dia os nossos meios são moldados tanto pela globalização e pela Internet como pela nossa localização e comunidade. Eu acho que nós temos tanta informação para absorver e processar e, tudo combinado, isso dá-nos a nossa noção de identidade, o nosso lugar e contexto e define os nossos gostos. A forma como nos vestimos, o tipo de espaços onde queremos viver e a música de que gostamos vão ser sempre fluídos e únicos, apesar de algumas poderosas formas de homogeneização estarem, actualmente, a tomar conta do mundo.

Estamos interessados na cena musical de Bristol. Faz sentido de falar em cenas locais quando vivemos num mundo hiper-conectado pela Internet? Com que bandas de Bristol se sentem ligados? Há alguma que fale a mesma linguagem musical que a vossa?

Claro, mas, mais uma vez, o alcance e a extensão da(s) nossa(s) comunidade(s) vai variar. A cena musical de Bristol tem sido, honestamente, uma fonte constante de inspiração, nós vivemos lá e fizemos música lá por mais de uma década e nada te motiva mais do que ver os teus amigos e colegas a fazerem música e coisas comoventes, fascinantes, impressionantes.

De certa forma parece que se está a desenvolver uma cena local com identidade musical mais forte em resposta à hiper-conectividade — quando existe tanta e tão variada música que está instantaneamente acessível isso pode dar uma espécie de entorpecimento vertiginoso no que toca à escolha, e onde é difícil encontrar um lugar ou a tua própria identidade dentro disso e também ter a constante impressão que estás a perder montes de pérolas desconhecidas. Ter a capacidade de te localizares numa comunidade com que, em virtude da geografia, poderás ter uma ligação mais directa, sendo capaz de percebê-la, é realmente gratificante. Isto não é para dizer que isso é algo provinciano ou sectário, ou que alguma cena musical deve ser uma ilha, mas eu penso que existe o risco disso — em Bristol sempre se sentiu que existia uma comunidade bastante receptiva a novas pessoas, e as pessoas naturalmente saem e entram e trazem coisas com elas.

Viajando mais e conhecendo mais pessoas, nós apercebemo-nos mais e mais das ligações entre geografia e música, especialmente no Reino Unido, onde diferentes regiões têm estilos e géneros predominantes que ressoam com eles. Em Bristol, por exemplo, as coisas tendem a ser bastante experimentais e bastante duras, e muitas vezes têm um elemento pronunciado de bass music que vem da população caribenha da cidade e de vínculos coloniais históricos. E nós, definitivamente, absorvemos algumas dessas ideias, mesmo que os sons não estejam necessariamente na superfície da nossa música. E por toda a Europa, vendo como identidades regionais na música folclórica, por exemplo, alimentam o que as pessoas fazem e as cenas e sons que se formam por lá.

E, claro, a Internet e a comunicação moderna permitem a oportunidade de todas essas cenas colidirem e se fundirem, interagindo e informando-se umas às outras. Sejam sons e redes de DIY, ou a pop, a indústria musical ou a música de comunidades da diáspora, a nível nacional e internacional parece que tudo se pode alimentar do resto, o que definitivamente está a criar um ambiente muito fértil e empolgante para a música.

Vocês andam na estrada desde o dia 10 de Fevereiro. Que bandas e artistas não podem faltar na banda sonora das vossas viagens? Ouvem música em conjunto ou cada um remete-se ao seu mundo para ouvir o que lhe interessa?

Temos um leitor de CDs e outro de cassetes no carro por isso acabamos a ouvir bastantes coisas em repeat. Aqui vai uma selecção daquilo que temos ouvido nesta viagem…

  • Sourdure – De Mort Viva (uma espécie de electro-folk-experimental regional francês)
  • Memotone – Shiro (sons eclécticos e sombrios de um multi-instrumentista)
  • Cassandra Miller – O Zomer (temas quentes e ameaçadores da cena modern classical)
  • Bredbeddele – Steps On The Turning Year (muitos loops coalescentes)
  • John Coltrane – A Love Supreme (jazz proto-espiritual)
  • Outkast – The Love Below (rap/r&b/jazz experimental e fusão de Atlanta)
  • Broadcast & The Focus Group – …Investigate Witch Cults of the Radio Age (corte e costura de library music psicadélica e assustadora)
  • James Acaster – Off Menu (um podcast em que comediantes e outras pessoas famosas se juntam e falam sobre a sua refeição perfeita)
  • Able Noise – Recordings (um duo holandês-grego de guitarra e bateria a fazer folk-noise experimental que é realmente adorável)
  • Miles Davis – Kind Of Blue (jazz bonito e cool)

Também encontrámos um guião de um episódio dos Simpsons e fizemos uma leitura no carro com tentativas de fazer as vozes das personagens. Façam isso se quiserem que o tempo passe rápido enquanto riem muito.


pub

Últimos da categoria: Curtas

RBTV

Últimos artigos