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Publicado a: 27/06/2017

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[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

Controlo e poder são palavras que vivem de mãos dadas. Ser poderoso vai de encontro à capacidade que se tem, inata ou não, de dominar o que está à sua volta, o seu ambiente. Ctrl é a utilização do poder que se auto-concedeu por quem raramente consegue usufruir dele na sua plenitude, mesmo que as alterações sociais das últimas décadas nos mostrem uma situação ímpar na história da humanidade. Neste caso (ou neste álbum), a mulher é quem ganha. E quem merece. E quem muda as regras. O disco roda e a história não é a mesma de sempre.

Falamos em poder no feminino e o nosso pensamento voa até mulheres poderosas como Michelle Obama ou, se formos até à ficção, Claire Underwood, personagem interpretada por Robin Wright na série televisiva House of Cards. Se falarmos em música, somos remetidos para ícones como Rihanna, Beyoncé ou, num plano diferente, Bjork.

SZA é o novo nome nessa lista. Como artista que é, Solána Rowe beneficia da forma de expressão que escolheu para criar pontes entre universos, mas, no fundo, o objectivo é o mesmo que todos os outros nomes anteriormente mencionados: mudar o centro do poder. A cantora pode, e deve, abusar do seu direito a utilizar a arte como plataforma para virar o jogo, baralhá-lo, pervertê-lo. E, spoiler alert, é mesmo isso que ela faz…

“Supermodel” é SZA a virar Blonde. O tom melancólico e nostálgico com o acompanhamento minimalista remete para “Self Control”, 7ª faixa do mais recente álbum de Frank Ocean. Por norma, e recordando os seus antigos trabalhos, a electro pop sempre foi a arquitectura preferencial. Não é por acaso que os Little Dragon são uma das bandas favoritas da cantora. Esse tema é uma singular estrela cadente neste trabalho que só encontra par em “20 Something”, o ponto final deste álbum. O desejo está pedido e, correndo o risco de não se concretizar, vamos revelá-lo: Ocean e SZA na mesma “cama”, o mais rápido possível. 

 



A próxima estação é “Love Galore”, uma espécie de continuação de “Child’s Play”, balada feita a quatro mãos com o sempre expansivo Chance The Rapper. Desta feita, Travis Scott é o parceiro escolhido, um romântico auto-tunizado que canta sem filtros: “Let me cum inside ya / Let me plant that seed inside, yeah“. Bola vermelha no canto, já sabem.

A honestidade é utilizada como filtro para a sua vida, uma forma de tirar cá para fora os esqueletos do armário e transformá-los em canção. Um exemplo disso é“Drew Barrymore”, o tema em que melhor expõe o vozeirão que tem. Quem ouviu trabalhos como S, Z ou See.SZA.Run pôde “vislumbrar” a capacidade vocal de SZA, que, grande parte das vezes, costuma procurar lugares mais baixos para encontrar conforto. Não é defeito, é feitio.

 



Viajamos até ao passado à boleia da cantora: “Prom” não poderia ter um título mais relacionado com a sua arquitectura sónica. Sabe a adolescência, sabe a desilusão e sabe a nostalgia. Poderia muito bem estar em 13 Reasons Why, a série sensação que aborda a vida adolescente e os seus dramas mais pesados e rocambolescos.

As colaborações com os membros da TDE são sempre frutíferas e isso não muda no longa-duração de estreia. Em “Doves In The Wind”, a música dedicada a vaginas, K-dot junta-se à Primeira Dama da editora liderada por Anthony “Top Dawg” Tiffith para juntos caminharem rumo ao pôr-do-sol com uma produção superlativa de Cam O’bi, um conluio perfeito entre drums e sintetizadores em combustão lenta.

 



Se a produção deste disco está, no seu todo, incrivelmente bem feita e adequada à escrita de SZA, o destaque vai para o beat de “Go Gina” que tem um trabalho de equipa feito por Carter Lang e SCUM – os dois produtores que mais contribuíram para Ctrl – com Frank Dukes, o mago canadiano. Quem é que não ficaria a torcer pela Gina depois disto?

Isaiah Rashad, coqueluche e talentoso rapper do selo de Los Angeles, volta a colaborar com SZA – já o fizeram em “Ronnie Drake”, “Warm Winds” ou “West Savannah” – e, como é habitual, as duas vozes fluem como se tivessem sido criadas para andarem sempre juntas. É em “Pretty Little Birds” que a cantora volta a “esticar” a sua extensão vocal e, sem querer carregar nas comparações, é uma vez mais o Ocean de Blonde que surge sem convite.

 



A diferença de SZA para representantes máximas do sexo feminino no universo musical como Rihanna e Beyoncé é a vulnerabilidade que consegue transportar para a sua música, e que muito se deve à escrita das suas próprias letras. Se ouvirem “Consideration”, umas das melhores faixas de Anti, o álbum de Rih Rih editado em 2016, percebem do que falo. Aliás, esse disco poderia muito bem ser de SZA – é notória a sua influência no projecto, desde a escrita até à maneira como canta. Não é por acaso que também é o melhor trabalho da cantora dos Barbados. De longe…

A única mulher na TDE, SZA não precisou de tirar nada para vender. Melhor: a alma é transparente e a roupa não. É sexual sem ser brejeira. É expressão inata, pura e dura. Escreve como poucas e, para nossa sorte, também interpreta como poucas conseguem fazê-lo. Duvidam? Dou a palavra a Kendrick Duckworth: “Ela é a única pessoa a fazer música que me inspira hoje em dia. Ela é uma verdadeira contadora de histórias.”

O único problema que encontramos aqui – e nem chega a ser um problema – é o tom geral do disco. O ritmo baixo é, salvo raras excepções, a velocidade predilecta de SZA, o que, para alguns, pode tornar a “viagem” monótona. Para nós, o carro é confortável o suficiente para considerarmos que este trabalho é, até agora, um dos melhores de 2017. O cristalizar de um talento enorme e, mais uma vez, a constatação óbvia que a Top Dawg Entertainment é uma editora especial, um autêntico oásis para quem quer mexer com os cenários estandardizados.

 


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