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Publicado a: 19/03/2017

SXSW: E na despedida de Austin, a Stones Throw

Publicado a: 19/03/2017

[FOTO] Stacy Lucier

A etiqueta liderada por Peanut Butter Wolf é um caso sério de longevidade e resistência. Nas suas quase duas décadas de vida, a Stones Throw afirmou uma identidade muito particular: é, antes de mais nada, uma editora de hip hop, mas de horizontes suficientemente abertos para acolher um pouco de tudo no seu catálogo, do reggae e do jazz à electrónica experimental ou ao rock. Por outro lado, apesar de ter “namorado” o mainstream em determinados momentos (Aloe Blacc ou Mayer Hawthorne são exemplos disso, bem como a aproximação de produtores como Madlib ou Karriem Riggins à grande esfera pop – ambos têm créditos em The Life of Pablo, por exemplo), a Stones resistiu sempre às oportunidades de seguir por caminhos mais fáceis e continuou a apostar em projectos mais canhotos. A embaixada que levaram ao South By Southwest é prova clara disso.

Quando chegámos ao Main, um dos pontos quentes do festival, situado bem no “olho do furacão” de animação que é a 6a Avenida de Austin, Peanut Butter Wolf servia beats a Koreatown Oddity, que rimava debaixo de uma máscara de lobo. O público era bastante diferente daquele que na noite anterior tomou conta do Antone’s para a apresentação de Lil Yachty. E numa noite em que os Roots e Gucci Mane atraiam a fatia de leão da atenção do público, ficou ainda mais clara a ideia de que o hip hop é hoje um complexo prisma de muitas faces na América, capaz de encaixar veteranos e novas gerações, seguidores de tradições e destruidores de paradigmas, fabricantes de êxitos para os primeiros lugares das tabelas e fornecedores dos intensos e infinitos canais subterrâneos de rap mais obtuso e de menor consenso entre o grande público.

Depois de Koreatown Oddity, MNDSGN subiu ao palco para um misto de DJ set e mini showcase live, com direito a passagens pelo microfone e com chamada ao palco de convidados adicionais. A sua música parece existir em suspensão sobre o analógico e o digital, com o sampling tradicional a ser secundado por um sentido rítmico mais moderno. O encaixe numa noite assim foi, por isso mesmo, perfeito.

Gabriel Garzón-Montano, que já tínhamos visto na sala Elysium, voltou s subir ao palco, replicando o set em que apresentou material do seu mais recente álbum, Jardin. Ao contrário dessa outra subida ao palco, no entanto, desta vez as coisas não correram de feição em termos técnicos, com o músico e cantor a ser apenas capaz de agarrar o público quando o seu gig já ia a meio. É que o Main, pouco mais do que as traseiras de um store front nesta concorrida artéria de Austin, não tem grandes condições e o som, de todos os espaços por nós visitados, era o que maiores deficiências apresentava.

Mas isso é sinal de outra coisa: o SXSW só é possível porque é um festival descomplicado, que compreende que por vezes, para acontecer e fazer sentido, a música precisa de pouco mais do que um simples espaço com corrente eléctrica e algum “arejamento”. E isso pode querer dizer um clube, o palco de um restaurante, o lobby de um hotel, a parte de trás da camioneta, uma cave, um quintal ou um pedaço qualquer de rua. Em Portugal, o Vodafone Mexefest, evento que tem o SXSW por claro modelo, já percebeu isso e programou em sótãos, varandas, garagens ou tanques de piscina vazios. É a música que importa, em Austin ou em Lisboa, e para que ela aconteça só precisa de espaço e de ouvidos…

É por isso que os músicos agarram esta oportunidade. No dia anterior, Lil Yachty tocou em duas salas diferentes em horários seguidos, quase sem tempo para respirar. E durante o seu set, Gabriel Garzón-Montano admitiu que fez oito concertos em quatro dias e que até estava espantado por ainda ter voz. Tinha sim senhor. E continuava afinada. Um talento a ter em conta, certamente.

A noite haveria de acabar com Peanut Butter Wolf de regresso aos pratos, desta vez em modo solitário – um homem, dois pratos, muitas bombas na mala e um sentido generoso do que é a música – mas antes, Karriem Riggins subiu ao palco. Com backing tracks a debitarem boa parte dos arranjos dos seus instrumentais, Riggins assumiu a bateria para nos dar em tempo real uma amostra do seu sólido talento no instrumento. Capaz de debitar cadências mais modernas e soluçantes, condizentes com a ética rítmica pós-Dilla, Riggins consegue soar tanto como um estudante sério de Elvin Jones ou Clyde Stubblefield, como como uma MPC ou um arranjo trap cozinhado no Laptop, com os seus hi hats a fazerem turnos dobrados e o kick a cair sempre onde menos se espera. O seu novíssimo álbum, Headnod Suite, foi o prato forte da sua apresentação imaculada, mas ainda houve tempo para encaixar produções de maior visibilidade, como aconteceu quando tocou o instrumental de “30 Hours”, tema do mais recente trabalho de Kanye West, que permitiu que Arthur Russell também descesse dos céus por um momento para nos assombrar a todos em Austin.

Chegou assim ao final, a passagem do ReB por um festival singular, onde a música parece ocupar de facto o centro das atenções, tanto dos organizadores como do público, com uma aura muito pouco corporativa, apesar da discreta mas clara presença de grandes marcas.

 


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