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Publicado a: 18/03/2017

SXSW: Em Austin, o futuro do hip hop está nas ruas

Publicado a: 18/03/2017

[FOTO] Direitos Reservados 

Caminhar nas ruas de Austin em dias de South By Southwest oferece uma aguda perspectiva das rodas dentadas da indústria musical em movimento, mesmo – ou talvez sobretudo – da mais subterrânea. Aguerridas street teams percorrem as ruas e percebe-se a força de um evento quando muito rapidamente os postes de iluminação ficam cobertos de cartazes a anunciar concertos e lançamentos de novas mixtapes, em verdadeiras batalhas pela atenção dos transeuntes.

Ontem, o combate era entre a Quality Control de Lil’ Yachty e os Migos que não se cansam de promover a edição de Culture. Cartazes contrastantes: o branco simples da Quality Control, a colorida colagem que serve de artwork a Culture. Máxima eficácia em ambos os casos.

Antes da noite cair, a cidade oferece ainda muitas outras vibrantes oportunidades de escape: incríveis lojas de discos como a Waterloo, que tem o seu próprio palco neste festival, que pela escala e quantidade de oferta esmagam qualquer perspectiva portuguesa mais habituada a experiências de consumo mais “contidas”. Na Waterloo existe absolutamente tudo que se possa desejar e a única dificuldade é mesmo a de reduzir o monte de 20 ou 30 discos que rapidamente se forma nos nossos braços aos dois ou três que a carteira comporta.

Durante a tarde checou-se o SWSX Outdoor Stage montado no belíssimo cenário “natural” do Lady Bird Lake. “Natural” no sentido de que, apesar da relva e da vegetação frondosa, o backdrop de arranha-céus não permite esquecer que estamos numa grande cidade americana. Este palco oferece a possibilidade às famílias de experimentarem também o ambiente do SXSW, ao ar livre, de forma relaxada, com muito espaço e um volume e atmosfera compatível com a presença de crianças. Foi aí que se apresentaram os Ozomatli, ex-banda do enorme Cut Chemist, e foi aí também que ontem subiram ao palco os heróis locais Raiders Against The Storm, live band de hip hop de Austin que se assume como um movimento e que já dividiu palco com toda a gente, dos Wu Tang Clan a Mos Def.

Ras e Oshun, marido e mulher, são as vozes que aqui lideram um trio em bateria e teclados. O final de dia é dedicado a uma homenagem a Prince que há-de levar até ao palco históricas figuras como Wyclef Jean e André Cymone, figura mítica da modern soul que teve arranque de carreira nos anos 80 ligado ao génio púrpura de Minneapolis. Mas primeiro, os Rage Against The Storm atiram-se a material próprio, hip hop carregado de funk e groove, consciente e positivo que envolve todos os presentes. E um pormenor delicioso: em frente ao palco, três especialistas em linguagem gestual vão traduzindo as letras de forma efusiva para um público especial numa área reservada. Há muitas formas de sentir a música e a inclusão também é isto!

De caminho para a noite, do lado de lá do mítico Colorado River que o resto do mundo conhece dos westerns, a cidade agita-se e a quantidade de muscle cars e SUVs que passa com os vidros abertos e uma banda sonora trap de graves puxados é assombrosa. Aceder à sala Youtube onde se vão apresentar os Migos e Lil Yachty é tarefa penosa, tal o tamanho das filas que impõem pelo menos duas horas de espera, pelo que a opção pelo histórico clube de blues Antone’s é bem mais lógica.

Paredes adornadas com posters de concertos dados há 30 e 40 anos por mitos como B.B. King, Rufus Thomas, Clifton Chennier ou Bo Diddley só sublinham o inusitado de um cartaz que volta a alinhar Dreezy, que já tinha tocado no dia anterior no Mohawk, com Denzel Curry, Lil Yachty – em dupla apresentação em salas adjacentes nesta noite – e Metro Boomin’. O ambiente está ao rubro e não é difícil perceber que está igualmente pesado, com alguns encontrões territoriais a deixarem claro que esta não é uma noite para nos posicionarmos muito perto do palco. Ainda assim arrisca-se porque a experiência é de facto um abre-olhos para quem habitualmente só escuta esta música à distância confortável proporcionada por um oceano. E toda a gente foi revistada à entrada, o que também ajuda na hora de abrir caminho entre a multidão que preenche o clube com capacidade para umas 800 pessoas.

DJ Hoop Dreams abre a noite para Dreezy que volta a surgir com as suas bailarinas, agora num registo mais agressivo, com a nativa de Chicago a reclamar igualmente espaço na agitada arena trap. Depois vem a primeira explosão com o nosso já conhecido Denzel Curry, que há um ano sensivelmente passou por Lisboa. “Make The U, put your Us up!” diz-nos, impelindo toda a gente a imitá-lo com o sinal dos “cornos” típico do metal. O concerto é pesado e Denzel deixa claro que muita da sua dieta musical há-de ter passado pelo metal mais extremo, com vocais guturais e gritados. A dada altura, Curry atira-se para o meio do público que o acolhe de braços abertos e depois rima acapella com o som de tiros disparados pelo DJ como único acompanhamento rítmico. Violento, certamente, mas reflexo de uma realidade que todos os dias alimenta as notícias.

 


Denzel Curry é um dos nomes a ter em conta! #SXSW2017

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Uma palavra para o fashion trend que se percebeu numa noite que contou com o patrocínio da Puma que levou até ao Antone’s uma pop up shop repleta de artigos especiais: as camisolas de bandas de metal ou rock – vislumbraram-se t-shirts de Metallica, Iron Maiden e Nirvana – e as de clubes de futebol europeu – Bayern e Real Madrid presentes na casa – parecem servir um exótico statement por parte de jovens negros, uma espécie de apropriação cultural em sentido inverso, o que não deixa de ser curioso.

E claro que isso faz sentido numa noite em que o Sailing Team de Lil Boat atraca no cais do Antone’s. Yung Grandpa, o DJ, prepara a entrada de Lil Yachty disparando hit atrás de hit que o público conhece de cor e urge a multidão a gritar pela outra alcunha da estrela da noite: “That’s the only rule tonight, you gotta scream Lil’ Boat everytime I say Lil’ Boat!” E depois, lá entra em palco o Sailing Team, com o capitão Lil Yachty à cabeça.

Yachty é, claro, uma figura divisiva, alvo de tantas críticas quanto elogios. As suas metáforas náuticas e as rimas simplistas sobre beats caóticos têm inspirado muitos ataques, mas essas são também algumas das principais razões do seu sucesso. Isso e o seu infindável carisma, patente numa noite recheada de hinos das mixtapes, com “Broccolli” ou “Minesotta” a gerarem altos níveis de entusiasmo entre um público obviamente conhecedor e fã. A dada altura, Lil Boat fez uma referência menos simpática ao que se passava ali em frente, referindo-se obviamente à sala Youtube de onde tinha acabado de sair e onde deveriam estar a apresentar-se os Migos. Entretanto, um dos membros da Sailing Team revela a frase que tem impressa nas costas do seu hoodie: “Quality Control – We Are the Culture”. Boca aos Migos? Mais do que provável. A luta por um lugar ao sol tem destas picardias. É o mesmo em todo o lado.

O resto da noite ficou entregue a Metro Boomin’, mas os muitos quilómetros palmilhados e as inúmeras horas de pé não se compadeceram com a vontade de ver o produtor a debitar os seus hits, pelo que deixou-se que Lil Boat zarpasse em direcção ao futuro com a certeza de se ter observado ali um pequeno fenómeno. Diferente. Extremo. Reflexo de um tempo e de uma cultura específica. E por isso mesmo merecedor de total atenção.

 


Agora em vídeo #SXSW2017

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