É um nome a manter debaixo do radar nas ondas que compõem o vasto oceano do rap português. Swimming Pablo estreou-se há poucos dias com o EP PABLO, um registo introspectivo e versátil onde se afirma como um valor a ter em conta.
Natural de Coimbra, o rapper de 26 anos aponta como referências nomes como ProfJam, NERVE, Slow J ou Mike El Nite. Com um espectro musical alargado e uma apetência pela escrita, o artista que tem como nome civil Nuno Sousa responde às perguntas do Rimas e Batidas sobre o seu primeiro disco.
Qual foi o ponto de partida para este primeiro EP? O que procuravas, qual foi a tua abordagem? E sentias que era importante apresentares-te com um disco?
A ideia de fazer um disco surgiu naturalmente quando fiz a faixa “Se Calhar”, a faixa final do EP. Na verdade, esse foi o primeiro tema do projecto a ser feito, em 2022, e senti que não fazia sentido apresentá-lo como single, mas sim que devia fazer parte de um contexto maior, que era uma peça de um projecto. Foi aí que comecei a criar com essa intenção. Tive a sensação de estar na ponta do icebergue do que tinha para exprimir na minha música, então procurei explorar o que poderia haver mais por dizer dentro de mim. Com o passar do tempo fui conhecendo melhor o meu próprio processo criativo e entendi que a abordagem que melhor funciona para mim passa por estar receptivo e com a mente aberta ao que vou vivendo e ao que tenho para expressar. Parto de uma intenção inicial e com ela dou uma direcção à música, depois vejo onde isso me leva e o que surge pelo caminho. Tento deixar que o resto aconteça naturalmente. Fui escrevendo e fazendo beats e quando dei por mim já tinha algumas demos que coexistiam bem em conjunto e desenvolvi-as. Entendi que aquilo que estava a criar fazia sentido ser partilhado como um todo, em vez de lançar as músicas como cinco singles diferentes. Acho que se complementam bem e seguem um conceito que se completa ao ser apresentado num só projecto.
Sendo um disco que serve de apresentação, conta-nos um pouco sobre como foi pensar nos temas que querias abordar e nas sonoridades que pretendias explorar. Como foi o processo criativo?
A minha abordagem criativa não é muito premeditada. Normalmente adopto uma posição receptiva ao que se vai passando à minha volta e ao que vou sentindo. Vou observando e estando atento e quando surge alguma ideia que me toca de forma relevante tento passá-la do plano abstracto para algo mais concreto, para se materializar na música. Os temas que abordo neste EP foram surgindo dessa forma. Ora de momentos de dúvida, de reflexão, de devaneios, etc. Dei por mim numa fase mais introspectiva e, à medida que fui criando, notei que os temas que abordava giravam em torno desse estado de espírito, então percebi que tinha uma mensagem mais pessoal para partilhar e que fazia sentido consolidá-la, juntando esses temas num disco. A mesma mentalidade também se aplica às sonoridades que apresento no projecto. Sabia que queria ter sonoridades diferentes para cada faixa e que suscitassem sensações diferentes. Mas ao longo da construção do EP houve faixas que tiveram outros instrumentais, que eu sentia que não encaixavam com a ideia que queria transmitir, então o processo passou, simplesmente, por continuar a fazer e procurar instrumentais até que surgisse um que realmente ressoasse comigo. Procuro colocar-me numa posição que permita que a solução venha ter comigo e fico pronto para trabalhá-la quando esse momento chegar. No fundo, o processo desenvolve-se à base de manter a “antena” da criatividade sempre ligada e ir captando o que passa por ela. Basta-me observar, estar alerta e afinar a sensibilidade para reconhecer a importância (ou, às vezes, a irrelevância) das ideias que aparecem. A partir daí vou escrevendo as letras e quando reparo que tenho escrito muito sobre algum tema é quando começo a estruturar a música em torno disso.
Tendo em conta os nomes que apresentas como referências e as alusões que fazes às “ondas diferentes” que quiseste trazer, sentes que é nesse campo mais alternativo do rap português que queres estabelecer um percurso?
Sim, diria que neste momento é nesse percurso que me vejo e é um registo que corresponde àquilo que quero fazer na música. Costumo ouvir estilos muito diferentes dentro do hip hop, com os quais vibro bastante, e sei que quero experimentar com novas sonoridades que ainda não explorei. Mas, qualquer que seja o caminho criativo, procuro sempre fazê-lo de forma versátil e adicionar ao que já foi feito o meu próprio toque pessoal — com tendência para esse campo alternativo, porque também é isso que me atrai no rap que ouço. Tento manter uma mente aberta e deixar que isso me leve a novas experiências, a novos sons, e estou constantemente à procura de novos formatos para continuar a passar a minha mensagem.
Uma pergunta mais de background: ouves rap desde muito cedo? Houve nomes específicos em Coimbra que te despertaram para esta cultura? Quando começaste a fazer as tuas primeiras experiências? No fundo, resume-nos um pouco o teu trajecto até aqui.
Lembro-me de começar a ouvir rap com 15 anos, mais ou menos, quando descobri alguns sons do Valete, e foi aí que o interesse se despertou. Depois passei uns anos a explorar maioritariamente o hip hop americano e só mais tarde é que voltei a mergulhar no hip hop tuga, por volta de 2016, com o que se estava a passar por cá nessa altura e que captou a minha atenção. Aos 18 comecei a escrever alguns versos por pura diversão. Para mim é um estímulo que vejo quase como um jogo, portanto sempre escrevi por prazer. Costumo pensar nisso como um puzzle — surgem-me tópicos, referências, wordplays, etc. — e tenho de encaixar essas peças de forma a montar uma imagem final que se vai revelando. Eventualmente tornou-se também num espaço íntimo de confissão onde posso processar as minhas emoções e redescobrir-me através da escrita, e aí é que comecei a fazer as primeiras experiências com a intenção de tornar as letras em música. Quando decidi encarar o rap com mais seriedade quis aprofundar o meu conhecimento e capacidade para produzir os meus sons e entrei no Curso de Produção de Hip Hop da ETIC, em 2021. Foi nesse ecossistema que comecei a juntar as peças daquilo que viria a ser este EP e foi por lá que conheci a maior parte da malta com quem faço música hoje em dia e com quem produzi o disco. Neste último ano voltei a Coimbra e só agora é que me tenho aproximado mais do movimento do hip hop na cidade. É óptimo ver que está a acontecer muita coisa por cá, faz-me sentir conectado com a cultura. Há muitos projectos interessantes a serem desenvolvidos e existe sempre um grande apoio dentro deste meio.