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Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 26/02/2024

Carnificina musical em Braga.

Swans no Theatro Circo: uma Gira pelo Inferno!

Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 26/02/2024

Havia um nervoso miudinho que pairava no ar, na passada terça-feira à noite (20 de Fevereiro). Toda a gente que se encontrava à porta do Theatro Circo estava com uma agitação fora do normal. O hall de entrada lançava uma grande coleção de merch dos Swans e afunilava, uns metros à frente para uma estreita linha de passagem onde estava depositada uma caixa de proteções para os ouvidos. O primeiro aviso estava dado — o que iríamos assistir trazia mácula aos mais incautos.

Ainda a sala não tinha sossegado e as luzes baixaram, Maria W Horn entrava em palco, abrindo o entusiasmo de alguns presentes. De frente a uma pequena mesa, posicionada, começou a libertar os primeiros sons de “Panoptikon”, do álbum com o mesmo nome, que foram torneando os cantos ao espaço sequestrando atenção dos presentes. Há nesta música um conforto eletrónico discreto, onde a ancestralidade dos velhos órgãos de tubos se moldam com os sons modulares concebidos por Maria.

“Horror Vacui”, a segunda música da noite, sacudiu os alicerces ao monumento público do espetáculo da cidade. O primeiro teste ao sistema de som e às estruturas estava feito. As singulares baixas frequências atmosféricas da música despertavam a curiosidade do que estava a ser construído em palco e impunham o sossego necessário a uma sala ainda em instalação.

“Melting Pillars of Snow” continuava o crescendo cinemático deste concerto onde, apesar das minimais luzes estáticas assim escolhidas, já nos tinha elevado o espírito do quotidiano. Se achávamos que os graves conseguidos nesta primeira fase da noite eram gigantescos, o Adamastor tinha dado o seu primeiro passo ao soar a primeira batida da noite. Ironicamente, ou não, os pilares da casa pareciam mesmo derreter e, neste cenário de espanto, escutou-se a voz de Maria pela única vez da noite.

“Interlocked Cycles” e “Intervallo” findariam a sua prestação que, apesar de uma primeira parte, não se pode diminuir a um segundo plano. Maria W Horn foi um bónus à noite de Swans e é, certamente, um nome a ter em atenção para quem não conhece. A sua simplicidade é, provavelmente, o segredo para um tão bem estudado contar de histórias que não deixarão ninguém indiferente.

Chegava o interregno da noite, com a preparação do palco para Swans. Com as luzes levantadas, numa azáfama insólita, cada um dos presentes preparava-se para o que aí se avizinhava. Não foi preciso muito tempo para que a banda entrasse em palco.

As luzes não baixaram, a plateia pintou-se de vermelho, tal como o palco. A casa era agora um recanto do Inferno. A única exceção seriam as luzes sobre os músicos, destacando-os daquele encarnado tom, como seres celestiais. Ou infernais. “The Beggar” introduziu Swans ao Theatro Circo; aos ouvidos; aos espíritos; à inquietude; ao sistema de som.

A guitarra acústica seria o arauto instrumento que nos guiaria pelos tempos marcados em palco. Do pulso de Michael Rolfe Gira cresceram todas as intensidades; desapareceram; entoaram e encantaram. Do sinistro pulso saíram as indicações de um maestro dos mais recônditos lugares do Inferno!

Talvez nem Lúcifer conduzisse tão bem os seus demónios, como a mão esquerda de Gira sempre que se levantava no ar. Dos mais intensos — e falar em intenso, aqui, é um eufemismo — momentos aos mais imediatos e profundos silêncios, aquele longo braço brandia as vontades do seu Senhor aos seus mais que perfeitos executantes. O facto da plateia ser um cenário pintado de vermelho, entre as sombras barrocas da sala, não foi pensado em vão.

Os titãs Swans estavam em Braga, no Theatro Circo, e isso fez-se sentir desde o primeiro momento e da primeira canção. “Cathedrals of Heaven”, do álbum leaving meaning., segunda música da noite, nascia do característico humm de Gira, e já íamos quase em meia hora de espetáculo. Quem ainda não se tinha rendido às sonoridades dos Swans, estava agora colado ao lugar, tanto pela excelsa execução da banda, como pela massa acústica debitada. Quem não tinha colocado os protetores de ouvidos já estaria arrependido, certamente. Quem conhece as músicas percebe que elas em palco ganham outra roupagem. Entre cada estrofe há um devaneio orquestrado de forma a ser épico e, aqui, Adamastor é um pequeno insecto esmagado sem piedade.

“Ebbing”, terceira música e de volta ao álbum The Beggar, inicia com

“Breathe my breath into you head
Righteous, pure, and sour with death
Here I am, just empty skin”

Na voz profunda, com um toque desértico de Gira. Uma percussão cria uma tensão em palco enquanto as várias slide guitars fazem subir à sala os mais dilacerantes e profundos gritos. E sob um drone melódico, Gira repete — “Come to me, feed on me.”

Dois baixos e a bateria no contratempo com a marcação de um louco maléfico maestro, uma máquina afiada dilacera as almas em pedaços de fio fino para tecer uma manta de sofrimento que toma posse das nossas entranhas — estamos a escutar “The Memorious”. Há uma sala que já não é de gente, é uma máquina carnal que bate a cabeça aos implacáveis ritmos da banda. Finda e é a primeira vez que há espaço para aplausos que mereceram um agradecimento de Gira.

Voltaríamos ao álbum leaving meaning. com “The Hanging Man”, onde temos dois baixo e duas percussões em execução. “No More of This” e “Leaving Meaning” esticaram o espetáculo para dentro do infernal covil dos Swans até à chegada da apresentação da banda: Dana Schechter (slide guitar e baixo); o elegante Kristof Hahn (slide guitar); o belo Larry Mullins (teclas e precursão); das profundezas da terra, Christopher Pravdica (baixo e slide guitar); e finalmente o fantástico baterista, Phil Puleo. Gira ainda apresentou Maria W Horn como parte indispensável dos concertos.

Não, não estava terminado o concerto. Das mãos de Dana inicia “The Paradise is Mine”. De costas para o público, uma música arrastada e talvez a mais festiva transfigura-se de forma como só os Swans conseguem, tão bem, fazê-lo. Transforma-se esta melodia numa industrial fábrica de cortar almas às fatias. Há corpos prostrados nas cadeiras, pelo cansaço do longo das horas, mas de olhos fixos no condutor desta épica morola de melodias. Outros há, que imitam o mestre de braços no ar, lançando a parte superior do seu corpo até onde lhes é possível. As hostes estão domadas.

Chega a última música da noite. Incrédulo, olho para o palco e Micheal Rolfe Gira é um homem de setenta anos ou, na realidade, aquele ser não é do nosso plano terrestre, com uma voz distinta possuidora de um tom suave e sedutor, como de demónio carniceiro. Ora o miramos como uma elegante e altiva personagem, ora o vemos a usar a cara como motivo de precursão. Daqui ninguém arreda pé.
Esta é a mais suave, para os Swans, música a que estamos a assistir, e lá do veio interior de sons escuta-se um trautear de um recém-nascido, é “Birthing” que escutamos. Um excelente momento melódico, um épico e apoteótico final.

“I saw you
Behind the air
Above the sky!”

Ninguém saiu imaculado e já é tão tarde para aqueles que acreditam no tempo. Esse ainda sobrou para uns autógrafos e uns souvenirs. Os mais teimosos rumaram às raras casas abertas para dois dedos de conversa, que “amanhã é dia de trabalho”. O problema é que Swans nunca deixam dois dedos de conversa, inundam a noite de poesia e amor. Quem disse que ir ao Inferno é mau?

(Para o Paulo, o nosso Heavy. Rock In Peace.)


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