“Quem é ela?”, questionámo-nos uma e outra vez, enquanto escutávamos o violino cósmico e incandescente que SUZANA fazia atravessar pelos concertos do Tristany, pelas sessões do Vibrartes ou, a solo, em festivais como o Iminente e em salas como o já saudoso Musicbox. Violinista desde os três anos, só se lembra de existir com o instrumento nas mãos — e, apesar da formação clássica, descreve uma aprendizagem intuitiva, guiada por uma memória sonora e visual que lhe ensinou a compreender o som pela vibração, pelo modo como se inscreve no corpo. Confiando no som como forma de partilha do sensível, fez da técnica um portal para uma expansão emocional e expressiva, acrescentando-lhe voz e palavra.
É também esse percurso que se escuta em “Quem eu sou?”, o novo single que escreveu há quatro anos e que agora lança ao mundo. Uma canção escrita contra o desamparo; um gesto de transformação da dor em memória, para com ela abrir novos caminhos; um esforço para dar forma sonora e lírica a um choro que precisa de sair, mesmo quando não nasce apenas da tristeza. Criada num espaço de confiança partilhada, esta música é também um lugar de reconhecimento íntimo de uma criadora cada vez mais segura no seu processo e na sua própria voz.
“Quem é ela?”, perguntávamo-nos nessa altura, e talvez esta canção ofereça mais uma aproximação a quem quiser conhecê-la no que lhe parece ser mais profundo: alguém que reconhece que a identidade é um questionamento permanente, uma pergunta em aberto que a música ajuda a formular ao longo do tempo. Acompanhada por Ariyouok, amigo que considera irmão e com quem partilha a produção, SUZANA dá aqui mais um passo confiante na sua caminhada, lembrando-nos que o futuro está sempre a acontecer no presente. Escutemo-lo, então.
Tocas violino desde os três anos, tens uma formação clássica extensa e, nos últimos anos, tens explorado colaborações com novos estilos e linguagens, tanto na música como no teatro. Entretanto, começaste também a lançar os teus primeiros singles e a dar concertos em nome próprio. O que representa este novo single, “Quem eu sou?”, neste momento da tua vida e do teu percurso artístico?
Escrevi o “Quem eu sou?” há quatro anos, quando tinha 21 anos. Estava numa fase extremamente difícil, em todos os sentidos. Sentia-me desemparada, perdida. E uma das formas que encontrei de me acalmar foi escrever o que sentia. Nesta altura, quando comecei a escrever e a compor a música deste single, assumi esta criação como um pedido de ajuda. Não tinha nada para me agarrar senão a minha verdade artística — como é por vezes o caso de muitos artistas — e foi ela quem me salvou. Neste momento da minha vida sinto que já não vivo nesse desamparo. Estou numa fase mais madura, mais consciente e também mais tranquila. Quando eu própria ouço a “Quem eu sou?”, sei que já não sou a mesma Suzana de há quatro anos. Lembro-me dessa dor como uma memória antiga. Agora são outras dores, porém… Mas a vida é mesmo assim. Ainda bem que sinto! “Quem eu sou?” acompanhou-me todos estes anos, e por isso tenho percebido que esta pergunta é eterna. Não há dia que acordemos e saibamos exatamente quem somos, para sempre. Não é assim. É um processo contínuo, vai mudando conforme as fases da vida, as dores, os amores, as desilusões, etc. O “eu” de ontem não é o mesmo de hoje, e quando cheguei a esta conclusão senti-me menos só. A música é esse reconhecimento: o de uma identidade sem resposta exata. Ao mostrar esta música ao mundo, estou a mostrar uma parte de mim que cresceu, mas que continua curiosa. E, no fundo, a arte para mim é também a pergunta eterna: “Quem eu sou enquanto artista?”; e cuja resposta está em constante evolução. Confesso que tive algum receio ao expor desta forma, mas ao mesmo tempo o meu percurso artístico é um espaço onde aceito que estou sempre em transformação.
A canção é composta, escrita e interpretada por ti, com produção partilhada com o Ariyouok, um amigo e colaborador de longa data. Como nasceu este tema e como foi o seu processo de construção?
O processo da construção musical foi muito natural. Criei a base da canção, letra, melodia, violino, numa noite, deitada na cama. Mostrei ao Ari e ele fez-me magia… O Ari é um amigo a quem chamo de irmão. Conhecemo-nos deste os quinze anos de idade. Criar com ele é sempre um espaço seguro. Ele percebeu logo a sensibilidade do tema e ajudou a construir uma produção que correspondesse aos meus sentimentos, mas que também mantivesse a força e profundidade. O resultado é exatamente aquilo que sentia na altura: uma pergunta aberta. Saber que esta música foi criada de forma tão sincera, e com alguém que me conhece tão bem, torna tudo ainda mais especial.
Na letra falas de uma entrega às lágrimas, mesmo sem motivos para chorar; de uma saudade de ti; de uma entrega ao destino, mesmo assumindo a sua incerteza; de uma ideia de crença enquanto segredo para continuar a caminhar. Que motivos poéticos e emocionais quiseste explorar?
O que eu quis explorar na letra foram coisas muito humanas, que quase toda a gente sente, mas que raramente sabe explicar ou exprimir. Quis falar daquela sensação estranha de chorar sem saber porquê, quando as lágrimas vêm, não propriamente por tristeza, mas porque há qualquer coisa cá dentro que precisa de sair. Às vezes é cansaço, alívio… Liberta a energia antiga e abre espaço para uma nova. A “saudade de mim” é muito verdadeira. É a vontade de voltar a ser a pessoa que já fui, ou de recuperar a Suzana que se perdeu por aí. Escrever isso foi a minha maneira de admitir que nem sempre me reconheço. Quando falo em entregar-me ao meu destino, é porque há momentos em que já tentei controlar tudo e não resultou. Então o que resta é confiar, mesmo com medo. Às vezes o caminho decide por nós, não é desistência. Apesar de eu ter sentido muitas vezes que era, agora entendo que é apenas um ato de honestidade. A ideia de crença como segredo é só a maneira de dizer que, no fundo, todos nós precisamos de um pequeno motivo para continuar. Basta ser verdadeiro. Ninguém tem as respostas todas, e a vida costuma virar do avesso. É lembrar que está tudo bem e ‘bora nessa. Costumo ser muito exigente comigo mesma, mas faço o melhor que consigo. Continuo sem saber bem como, mas isso dá-me pica para viver.
O videoclipe da música, realizado por Tiago Gonçalves, e com um conceito teu, marca uma nova fase visual no teu projeto? Que ideias estéticas e narrativas quiseram trabalhar neste vídeo?
Juntei me com o Tiago porque havia um interesse das duas partes para realizar o vídeo e expliquei exatamente o que tinha idealizado. Depois falei com o Pedro Saudade para dar um apoio nas filmagens e fazer a parte de pós-produção/edição. No dia da filmagem muita coisa resultou e outras não, foi aí que direção artística teve importância. O resultado saiu quase como imaginei. O processo de filmagem, e da pós-produção e edição, foi o de conseguir embelezar e intensificar a nível visual a narrativa; materializar os sentimentos que esta música propõe, o questionamento do próprio, o vazio que todos nós conhecemos perante o abismo e a claridade. Estes símbolos e experiências visuais foram consequências do processo da procura de uma linguagem que refletisse esse questionamento do “eu”: a Suzana dentro da Suzana, dançando sobre esse pensamento, uma esfera do imaginário onde o tempo passa e a vida vai dando as suas voltas. Tudo isto de forma a manter a simplicidade e o foco na letra e na melodia. Não queria um vídeo que “distraísse”. A linguagem visual estabelece um certo estado onírico e surrealista que reflete esse conflito pessoal entre os vários “eus”: a Suzana de óculos tapada com um lenço mostra um estado mais reservado, confrontando outra Suzana mais descontraída, que aguarda e procura de uma forma inocente a razão do seu ser. Fiquei muito contente com o trabalho do Pedro nesse aspeto.
Voltando ao violino: acompanha-te desde os três anos e guiou-te por um percurso intenso na música clássica. De que forma essa formação molda aquilo que fazes hoje — na voz, na composição e na produção? E como tem sido o processo de encontrares a tua própria linguagem para lá dessa base clássica?
Desde que me lembro de existir, já tinha o violino nas mãos. E apesar de toda a minha formação ter sido clássica, aprendi a tocar sempre de forma muito mais intuitiva, através da memória sonora e visual. Ouvia, via e imitava até conseguir. Ao longo do meu percurso de Conservatório, já foi diferente; comecei a aprender a teoria, e ainda hoje não sei como é que me safei porque o que eu queria era tocar! E sempre toquei quase tudo de ouvido. Muitas vezes ia ao YouTube ver as peças que estava a estudar, e quando não sabia certas figuras rítmicas ou notas, simplesmente ouvia e imitava até sair certo. Isso moldou muito a maneira como toco violino, canto, componho e produzo hoje em dia. O violino, de certa forma, obrigou-me a entender o som pela vibração, pela forma em que pego e faço pressão no arco, o movimento do braço, a forma como respiro para acompanhar a frase. O som sente-se no corpo. Resumindo e concluindo, aprendi a tocar violino antes de saber sequer racionalizar… Aprendi muito mais por sentir do que por analisar.
Tens apresentado o teu projeto a solo em vários contextos — do Iminente ao Musicbox ou à Casa Capitão. Como têm sido essas experiências em nome próprio em palco e como imaginas a evolução do teu espetáculo ao vivo?
Tenho apresentado o meu trabalho e tem sido uma experiência interessante. O que mais gosto é que cada concerto é diferente; apesar do reportório igual, vou descobrindo coisas novas sobre mim em palco. Entender como reajo, como cresço, como me adapto ao espaço e ao público e à energia do momento. Há sempre algo inesperado, seja na forma como canto ou interpreto uma música ou melodia que já toquei mil vezes. E, claro, como lido com os nervos… Para mim, é bué fixe! A evolução do espetáculo ao vivo vai ao encontro do meu crescimento pessoal e artístico. À medida que vou apresentando vou percebendo melhor o que funciona, o que me representa e como posso brincar com a voz, o violino e a produção misturados. Como cada concerto é diferente, o espetáculo vai ganhando mais identidade e confiança. Quanto mais me conheço, mais vou conseguindo desenvolver a música, e isso torna cada apresentação mais viva e mais intensa.
E olhando para o futuro: o que podes antecipar? Este novo single abre caminho para um futuro álbum?
O futuro! O futuro está sempre a acontecer no presente. Este single é o começo de um álbum que já está no computador, mas que ainda não tem data marcada. Não deve demorar muito, mas também não é para já. Está a ser um processo cuidado e está a ser construído no seu tempo certo. Por agora, é capaz de aparecer mais um single pelo caminho, só para que ninguém adormeça… É imprevisível.