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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2021

O prazer da expressão sonora.

Suso Sáiz: “A solidão é um elemento fundamental no meu trabalho”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2021

Suso Sáiz, nome incontornável da música electrónica e do cruzamento entre esta e diferentes áreas de expressão artística, tanto como músico como produtor, tem finalmente recebido deste lado da fronteira o reconhecimento mais do que merecido. Toca hoje, dia 4 de Novembro, em Guimarães, pela Capivara Azul, nome a ter em muita consideração na programação cultural desta cidade, e apresentar-se-á em concerto em Espinho no dia 6 de Novembro e no dia a seguir em Lisboa no âmbito do Misty Fest. Oportunidade para uma troca de palavras onde se afloram os Encontros de Pamplona, as suas colaborações com músicos como André Gonçalves ou a normalização crescente para a estandardização. 



Começo pela colaboração que fez com o André Gonçalves no âmbito dos Jardins Efémeros em Viseu. Como foi trabalhar com o André? Como vê estas colaborações em contextos tão específicos?

Para mim, as colaborações de qualquer tipo são como uma oportunidade para me libertar de mim mesmo e para abrir portas, e que sozinho não me aproximaria. Independentemente do resultado, considero colaborar com outros artistas um exercício necessário para a evolução e desenvolvimento de novas ideias.

No caso concreto do André Gonçalves, ao estar prevista a nossa residência artística nos Jardins Efémeros para 2020 e ter de se adiar por causa da pandemia, deu-nos a oportunidade de nos irmos conhecendo. O encontro foi, no meu ponto-de-vista, extraordinário. Desde as primeiras notas que tocámos juntos parecia que éramos companheiros de há anos. A nossa residência artística foi enriquecedora, descontraída e muito produtiva. Espero que em 2022 surja a materialização dessa colaboração. 

Como foi o processo de criação? Que diferenças mais marcantes vê neste tipo de colaborações em comparação com métodos mais tradicionais, sobretudo para um músico que, penso, passa muitos momentos em solitário?

Efectivamente, a solidão é um elemento fundamental no meu trabalho. A construção de objectos sonoros e a experimentação com os mesmos são parte essencial do meu trabalho. Durante as colaborações, este processo normalmente não acontece. Objectos sonoros já criados em solidão colocam-se em confronto, tocam e fazem intercâmbio com as do meu colaborador, originando outro tipo de discurso.

A cena improvisada e electrónica em Portugal vive momentos auspiciosos. Que músicos portugueses conhece e com quem gostaria de trabalhar pela primeira vez ou novamente?

Infelizmente, não conheço muitos músicos portugueses. Pouco a pouco vou conhecendo mais a música portuguesa, surpreendendo-me com a quantidade e qualidade da cena electrónica experimental e da improvisação. Fico com muita vontade em abrir mais vias de comunicação.

Além de Angélica Salvi, galega radicada no Porto, e de Alfredo Costa Monteiro, português a viver em Barcelona, poucos nomes mais há que possam exemplificar um intercâmbio entre os dois países. Porque há tão poucas relações entre os dois países, tanto no que diz respeito às edições, como a concertos ou residências artísticas?

É evidente que não há essa relação, mas não encontro uma só causa que justifique tal distanciamento. Oxalá que esta situação se reverta rapidamente.

Já deu uns quantos concertos em Portugal. Além do mencionado em Viseu, toca em Guimarães e agora em Espinho e Lisboa no âmbito do Misty Fest. Qual a explicação para só ao fim destes anos os portugueses se interessarem pela sua música?

Há sempre pequenas janelas que se abrem ao conhecimento de novos lugares. O que é mais difícil é tocar pela primeira vez. Felizmente, neste caso, os concertos puderam-se organizar graças à ajuda de AIEnRUTa/AECID e UGURU. Também é certo que nos últimos anos, desde que edito a minha música com o selo holandês Music From Memory, a difusão e projecção da minha música no mundo, incluindo Espanha, aumentou.

Li sobre o seu fascínio por Los Encuentros de Pamplona e como o marcaram. Pensa que ainda há espaço e tempo para este tipo de encontros? Continuarão a ter o mesmo impacto numa sociedade mais interessada em recorrer ao franchising e replicar formas preexistentes? 

Certamente que é sempre o momento para abrir espaço para a liberdade de expressão, a experimentação pública, a livre criação artística, sem complexos, preconceitos nem amarradas a nenhum estilo. Dito isto, em que acredito profundamente, a realidade dos humanos nesta primeira parte do século XXI leva-nos a olhar com dor a repressão, a estandardização, a vulgarização e o distanciamento face às atitudes de criação livres.



Fala também sobre os marcianos. Poderemos inclui-lo neste grupo, não? Qual a explicação para ainda hoje se considerar estranho este tipo de música? Incapacidade para pensar e sentir de forma diferente? Uma crescente intolerância para o que não é imediatamente perceptível?

Como já referia, respondendo à pergunta anterior, a crescente intolerância de que falas é absolutamente real. O facto de se valorizar a experimentação ainda que fracasse, leva-me, não sem uma certa dor, a essa condição de marciano, no que se refere a alguém que não se entende ou não se sabe o que é: um ser estranho.

Os processos de se fazer música alteraram-se muito desde o seu início com alfaces e frigideiras. Quais foram as mudanças mais drásticas desde esses momentos iniciáticos? O que se deve manter inalterado e sobre os quais se deve desenhar linhas vermelhas de protecção?

Realmente essa curiosidade profunda, esse interesse pelo timbre como essência fundamental da música e do sonoro, permaneceu inalterado ao longo dos anos, mudando de técnicas, utensílios, processos, inclusivamente e muito possivelmente de estilos. Mas continua a ser para mim fundamental a necessidade de experimentar a procura perpétua de sonoridades em bucas de esse estado a que eu chamo de engravidez, e que passa por ser a escuta livre e gasosa do mundo a ressoar.

Considera-se um melómano. Que discos aconselharia a alguém que esteja a começar a fazer música e porquê?

O que realmente aconselharia seria alimentar a curiosidade, abraçar, ainda que por momentos, o distinto.

Sempre manteve uma relação estreita com artistas plásticos e de outras formas de expressão artística. O que procura nas outras artes e como as cruza com o seu trabalho como músico e produtor?

Os processos sinestésicos, em geral, são ideais com poucas certezas. O meu interesse por outras manifestações artísticas é profundo; é sempre enriquecedor descobrir o porquê de outras razões e as minhas tentativas de se inter-relacionar com as artes partem do prazer do outro e da minha tentativa de traduzir esse prazer sentido e expressá-lo em material sonoro.

Faltar-nos-á sempre a rua. Em tempos de confinamento, faltou-nos muito. Como podemos continuar a reivindicar a rua? Como podemos continuar a exigir que nos escutem? Voltando a dar concertos com ensembles em pequenas aldeias? Ou isto soa a anacronismo?

A partir da minha perspectiva como pessoa adulta, recolhida no seu estúdio e claramente decidida a dedicar o seu tempo à “solidão’” falar da necessidade da rua não é fácil, mas entendo a rua como um espaço para a expressão pessoal e, nesse sentido, sim, é verdade que estamos a correr o risco de que esses processos resultem anacrónicos. Tudo empurra para que nos manifestemos dentro da nossa torre de cristal, outorgando os nossos likes à esquerda e à direita e assumindo, desde a imobilidade, a corrente das ondas sem saber muito bem onde nos levam e convertendo-nos assim em autênticos títeres. A rua faz-nos falta como espaço de comunicação sonora.

Ainda continua a seguir os caminhos mais difíceis? É uma fobia à normalização? Como não se pode entrar neste processo?

Durante muitos anos pude manter a minha independência graças ao meu trabalho de produtor, que alimentava a minha família e desgastava os detractores dos caminhos independentes. Tenho de afirmar, com honestidade, que não sou eu quem tenta sair da normalidade, é exactamente o contrário – eu sinto-me muito normal.


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