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Publicado a: 14/10/2017

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[TEXTO] Nuno Afonso 

Por esta altura, Surma é uma constelação cada vez mais presente. Com actuações frequentes em diversos espaços e diferentes ocasiões, um pouco por todo o país, é de crer que ainda há muito por descobrir aqui. Débora Umbelino é figura e criação de uma pop ainda pouco habitual por cá. Fala-se de pop e, no entanto, sente-se muito mais que isso. Talvez seja mesmo um ponto de partida legítimo para uma esfera cintilante e multi-espacial que tem em Antwerpen um planeta distinto, docemente alienígena.

Com uma produção absolutamente notável a cargo dos Casota Collective, o detalhe, a fusão e o requinte em aglutinar cada elemento, revela este disco como uma das grandes surpresas do ano. Não lhe falta cor e forma, tão pouco a narrativa imagética, de uma música que vive de uma abertura panorâmica de ambientes. Entre o veludo e a rugosidade, Umbelino logra atravessar uma e outra margem. Quando há um par de anos se apresentou com o tema “Maasai”, a genética que agora floresce já se dava a conhecer. Todavia é neste registo de maior extensão temporal, reunindo um total de dez faixas, que toda a matéria parece tomar corpo – e elevar-se em direcção a outras latitudes.

“Hemma” ilustra a melhor das verdades: surge da batida rude, da electrónica avançada em flirt assumido com a melodia outonal – e a composição de um quadro sonoro expressionista, onde cabem noções de colagem (via uma variedade de samples inusitados). Escapista como quem busca ascensão, plana e toma rumo, contemplando o próprio cenário que encena. “Voyager” traz à memória aquele calor eterno dos Múm ou Lali Puna, irremediavelmente nostálgico, melancólico.

A abstracção e “Nyika” é uma brisa bem vinda, agitando águas e penetrando num subconsciente gélido, num dos pontos altos do álbum. Faixa a faixa, a vista a cada uma delas traz uma nova perspectiva sobre a verdadeira identidade de Surma. A maior das felicidades é mesmo a natureza incompleta dessa personalidade.

Com um passado ligado à escola jazz e à produção audiovisual, este projecto entende-se precisamente como o resultado bem polido, só e apenas, possível a quem maneja tanta linguagem díspar, complementando-a, desafiando-a e tornando-a sua. Antwerpen é assim uma obra coesa e envolvente, sinónimo de vitamina revigorante para a estação que aí se aproxima.

 


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