O Museu de Leiria inaugura este fim-de-semana a segunda edição do ciclo Capítulo, dedicado à revolucionária Delia Derbyshire (1937–2001), uma das figuras mais visionárias da música electrónica.
Entre 19 de Julho e 28 de Setembro, a exposição na Sala do Capítulo explora o seu legado, destacando como, nos anos 60, Derbyshire esculpia sons com fitas magnéticas, técnicas artesanais e precisão matemática, antecipando o sampling e a electrónica moderna. Conhecida pela icónica versão do genérico de Doctor Who e pelo trabalho na BBC Radiophonic Workshop, a sua obra, outrora marginalizada, hoje é reconhecida como influência fundamental para artistas como Aphex Twin ou The Chemical Brothers.
A mostra não se limita a revisitar o passado: propõe um diálogo entre o legado de Derbyshire e a criação contemporânea. A artista visual Lisa Teles reinterpreta a estética da pioneira com uma capa de disco imaginária, enquanto que Surma encerrará o ciclo com um concerto ao vivo no dia 28 de Setembro, explorando como soaria uma obra de Derbyshire em 2025. Esta abordagem híbrida — entre arquivo e reinvenção — reflecte o espírito do Capítulo, que transforma a homenagem num exercício de futurologia sonora.
Integrado numa série de quatro exposições anuais, o ciclo — co-produzido pela CCER MAIS e pelo Museu de Leiria — vai continuar a celebrar outros revolucionários do som. Tony Allen e Ryuichi Sakamoto vão completar a programação do Capítulo em 2025, que teve Raymond Scott na edição inaugural.
Quando ouviste a Delia Derbyshire pela primeira vez?
Comecei a ouvir Delia quando comecei a explorar o mundo da electrónica e a procurar mulheres que tivessem deixado a sua marca nesse percurso. Foi amor à primeira escuta. O trabalho dela tocou-me profundamente. Ousado, fora do seu tempo e tão visionário. Desde então, tem sido uma presença constante no meu percurso e que me inspira a explorar sem qualquer medo nem barreira.
Que importância atribuís à sua visão pioneira?
A visao de Delia foi e continua a ser absolutamente transformadora. Numa época em que as mulheres raramente tinham espaço em qualquer área, não só dominou o mundo da electrónica como reinventou completamente a maneira de pensar o som. Delia não via a música apenas como melodia ou harmonia, via-a como textura, espaço e tempo. A sua capacidade de imaginar sons que ainda não existiam e de os materializar com os recursos rudimentares da época é um verdadeiro feito visionário.
Achas a história das mulheres na electrónica pouco representada?
Sim, sem dúvida. A história das mulheres na electrónica foi e continua a ser profundamente sub-representada. Ao longo dos anos, muitas mulheres tiveram papéis pioneiros neste campo, mas grande parte do seu trabalho foi invisibilizado ou desvalorizado. Figuras como a Delia Derbyshire foram fundamentais para o desenvolvimento da música electrónica, mas só muito mais tarde começaram a receber o reconhecimento merecido. A electrónica era vista como um território masculino, e isso excluiu muitas mulheres, mesmo aquelas que conseguiram entrar nesse espaço tiveram de lutar para serem levadas a sério. Hoje há uma maior consciência sobre estas desigualdades e vemos alguma mudança. Ainda assim, a desigualdade não é coisa do passado, basta olhar para os cargos técnicos em estúdios ou a forma como os contributos femininos são referenciados nos media. Há ainda um longo caminho a percorrer.
Em que vai consistir a tua peça neste ciclo? Com que ferramentas trabalhaste?
Para ser muito honesta, ainda não comecei a pensar no concerto em termos práticos. Tenho, no entanto, uma ideia muito presente do universo estético que quero explorar e das referências que quero trazer do trabalho da Delia. O meu desejo é criar uma ponte entre o mundo dela e o meu. Ainda não sei exatamente como o vou fazer, e confesso que sinto uma grande responsabilidade, mas estou muito feliz por este convite incrível e ansiosa para poder começar a trabalhar neste concerto.