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Fotografia: André Ferreiro e Adriana Ming para World Academy
Publicado a: 20/11/2021

Certezas e surpresas.

Super Bock em Stock’21 – Dia 1: dos consolidados Mundo e STK à energia londrina de Lava La Rue

Fotografia: André Ferreiro e Adriana Ming para World Academy
Publicado a: 20/11/2021

[T-Rex] Bloco Moche (Capitólio)

Foi das primeiras actuações da noite, o que, a uma sexta-feira, por volta das 19h45, não jogava, desde logo, a favor de T-Rex. Previsivelmente, o frenesim do último dia da semana, em plena Avenida da Liberdade, à hora de ponta, num festival com salas dispersas pela avenida, foi um factor altamente prejudicial para um concerto que merecia outros contornos. Nada que impedisse T-Rex e companhia de fazerem a festa, no entanto. Estávamos poucos? Sim, mas a festa fez-se com os que lá estavam — e com a mesma intensidade de um Tivoli lotado.

Dessa forma, mesmo após o arranque a meio gás, a energia de Tóy Tóy manteve-se sempre em alta voltagem, partilhada pelos seus parceiros. Foi com eles que o Capitólio aqueceu, quando os membros da Mafia73 saíram disparados do plano de fundo para a boca de cena e despertaram a plateia com “Nuvem”. O comer e o coçar — e o dançar —, o mal é começar. E foi o que se viu a partir daí: pés a descolar e ancas com ordem de soltura por “É Assim” e “Volta”. 

A chegar ao fim, “Tempo” pediu um momento solene, em que as lanternas pintaram a sala para uma despedida sentida. Ainda assim, a actuação não podia acabar num ritmo desacelerado, e, com a condição “só se for para tirar o pé do chão”, a turma reuniu-se toda em palco para acender o “Tinoni”, terminando na frequência oposta da inicial. Tudo está bem quando acaba bem.

– Paulo Pena


[Mundo Segundo & Sam The Kid] Coliseu dos Recreios (Sala Super Bock)

Neste não havia que enganar. Numa sala que assenta especialmente bem a Sam The Kid, o rapper e produtor de Chelas e o seu homólogo de Gaia contaram com casa cheia no Coliseu dos Recreios (outra coisa não seria de esperar), pautada por um público transversal, dos mais velhos aos mais novos (outra coisa não seria de esperar, mais uma vez), sempre pronto a acompanhar o alinhamento acessível a uma plateia tão diversificada.

Assim, a receita resumiu-se aos clássicos — caracterização que só faz sentido nos reportórios dos grandes nomes da música portuguesa, que é o casos destes dois MCs —, sabidos de trás para a frente pela maioria.

Chegámos já a meio do “Recado”, mas ainda a tempo de responder aos “’Tá-se bem?”. ‘Tava-se bem, pois claro. Seguiu-se “16-12-95”, conhecida por todos como “Sofia”, personagem interpretada pela mancha de espectadores, verdadeiros actores nesse momento ao responderem com as respectivas deixas: “Não queres ir lá para fora onde a rua está vazia?”, “Só se prometeres dar momentos incríveis”, “Eu já sabia? Se eu soubesse não subia”, “Fiz e ficou cor-de-rosa”.

O par que se complementa como poucos foi acompanhado por uma outra parceria de figuras históricas: DJ Cruzfader e DJ Guze assumiram os seus postos, as duas torres por detrás dos protagonistas, e cumpriram o verdadeiro papel de um DJ de rap — scratch não faltou. Também não faltaram as mais célebres canções de cada um, e de ambos enquanto dupla, num concerto oleado ao pormenor, trabalhado de acordo com as características e pontos fortes (se é que têm pontos fracos) de cada um: Mundo Segundo mais interactivo com a audiência, a coordenar as luzes dos telemóveis e uns quantos isqueiros acesos no ar em “Era Uma Vez”, os braços levantados em “Gaia/Chelas”, o arrastar de “heyyy-ohhh, heyyy-ohhh” em “Deixar de Ser”, ou o sobe-e-desce “hip hopiano” do braço direito a fechar o concerto com a efusiva “Poetas de Karaoke”; e Sam The Kid mais compenetrado nas suas avalanches líricas, concentrado em entregar cada palavra no devido microssegundo, numa reconstrução, em tempo real, de esquemas rimáticos desconstruídos vezes sem conta — e a proporcionar incontáveis e prolongados arrepios ao longo da performance, especialmente em temas como “Retrospectiva De Um Amor Profundo” e “Sendo Assim”.

O que fica é que, por mais vezes que se assista a esta rotina artística, praticamente sem qualquer alteração maior, é como se fosse — sempre — a “primeira vez”.

– Paulo Pena


[João Não & Lil Noon] Sala Santa Casa (Garagem EPAL)

Passar do oitenta ao oito nem sempre equivale a um decréscimo neste tipo de contas. Passar de uma sala com centenas de pessoas para uma garagem com umas poucas dezenas não se traduziu, por isso, numa redução drástica de emoções sentidas, ou no arrefecimento do ambiente. Muito pelo contrário, na verdade. A temperatura subiu, e muito, na Sala Santa Casa, com a kizomba trovadoresca de João Não, apimentada pelo sauce (sim, ainda há quem o tenha) de Lil Noon.

A dupla romântica, de cabedal reluzente, disparou versos cupidíneos aos presentes, que cedo cederam às batidas dissuasivas de “Terra-Mãe” ou “Rosa Negra”, a título de exemplo, num cenário entre uma discoteca da zona industrial do Porto (uma imagem reavivada pelo Conjunto Corona em G de Gandim) e uma cave subterrânea de um qualquer país de Leste. 

Com um domínio exemplar do auto-tune, o cantautor de Gondomar foi, timidamente, envolvendo os corpos de quem assistia num espírito de Tarraxos & Heartbreak, mesmo quando apresentou a inédita (e realmente reluzente) “Superstar”, ou quando Mike El Nite, vindo prontamente do concerto dos Atalaia Airlines (onde cantou a sua “Niteflix”), se juntou ao baile de “Danceteria Love”, vestido a rigor — assim como o resto da equipa — com uma camisola e cachecol do Gondomar Sport Clube, encarnando à saída um Valentim Loureiro ao clamar “Gon-do-mar! Gon-do-mar!”. 

Dos poucos mas bons, o calor humano fez-se sentir do início ao fim numa envolvência ímpar, e talvez onde menos se esperava. Um erro assistir-se sem companhia…

– Paulo Pena


[Soluna] Cinema São Jorge (Sala 2)

Não é um caso habitual nos dias que correm, mas é a jornada que Soluna tem estado a fazer — e muito bem. Sem qualquer música original editada, esta cantora argentina (que cresceu em Espanha e vive em Portugal há vários anos) tem feito diversas actuações nos últimos tempos. A mais recente foi na noite desta sexta-feira no Super Bock em Stock, na sala 2 do Cinema São Jorge.

Soluna acompanhou Dino D’Santiago como parte da sua banda de apoio durante dois anos. Nas últimas semanas, deixou a comitiva do músico de Quarteira para se focar numa carreira a solo. O seu primeiro single, “Flaca”, vai ser lançado a 26 de Novembro — sendo que dois dias antes apresenta-o no Musicbox. 

O público pode não conhecer as músicas que a artista interpreta em palco, mas isso não o impede de dançar e vibrar com as suas sonoridades, voz e mensagem. Soluna é claramente um híbrido, uma fusão de ritmos latinos que lhe estão inerentes, cadências afro e influências do r&b moderno. O local e o global misturados numa criadora. Tanto encontramos algo mais próximo do reggaeton como do tarraxo. E no momento a seguir somos surpreendidos com uma canção acústica, minimalista, que comprova o seu talento enquanto cantora.

Acompanhada pela DJ King Kami, e com instrumentais de Dotorado Pro e Paul Seiji, Soluna tem músicas suficientes (e experiência de palco) para dar um bom concerto. O alinhamento é difícil, tendo em conta as transições por vezes bruscas que podem existir entre registos, mas não podemos olhar para o live act de Soluna como um produto final. É antes um processo em construção, um diamante com muito para lapidar, com uma série de valências que a fazem ter bastante potencial. Cá estaremos para assistir à sua caminhada — que ainda vai mesmo no início. Mais um foco de luz na aurora da Nova Lisboa.

– Ricardo Farinha


[Lava La Rue] Bloco Moche (Capitólio)

Há várias coisas que impressionam em Ava Laurel, que na música dá pelo nome de Lava La Rue. Com apenas 23 anos, vemo-la a dominar um palco grande — o do Capitólio — como se fosse uma artista muito mais experiente. 

A sua música tem tudo a ver com a sua experiência de vida. Lava La Rue cresceu em Londres, uma das cidades mais cosmopolitas e vibrantes do mundo, mas não teve uma vida fácil. Oriunda de uma família humilde, cresceu com a avó jamaicana e, mais tarde, esteve no sistema de assistência social.

Contra várias adversidades, conseguiu lançar-se de forma determinada — e colocou a sua visão política, mas também a afirmação queer e a solidariedade feminina, nas suas letras interventivas. Lava La Rue tanto rappa como canta — a sua voz deambula por sonoridades que podem ir beber ao jazz e à electrónica, passando pelo hip hop tradicional e até o punk. As muitas Londres da história estão reflectidas na música de Lava La Rue.

Depois da mixtape Stitches, este ano lançou o EP Butter-Fly, que serviu de mote para este concerto no Super Bock em Stock. Em constante comunicação com o público, e com arranjos bastante orgânicos, Lava La Rue funciona muito bem em palco e dá à plateia uma enorme disparidade de sensações. Pode-se ir desde as mãos a balançar harmoniosamente no ar até a um circle pit em apenas 20 minutos. Lava La Rue é power, musicalidade, e talento para concretizar arte tão diversa. Este sábado voltamos a reunir-nos com ela através do Nine8 Collective.

– Ricardo Farinha

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