pub

Publicado a: 18/10/2015

Sun Ra e hip hop: 6 pontos de contacto

Publicado a: 18/10/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

Uma figura como Sun Ra, cujo perfil se desenha de forma mais nítida noutro texto que acabamos de publicar, nunca poderia deixar de registar forte impacto junto da geração electrónica contemporânea: a reinvenção da sua personalidade, o seu consciente esforço para contornar regras, o seu fascínio com o espaço e com o Egipto e a sua rápida adopção de tecnologias electrónicas como ferramentas cruciais para a tradução das suas ideias musicais representam vectores naturais para a construção de uma relação com outros géneros musicais de outras eras.

No arranque dos anos 80, a adopção da figura de Sun Ra por parte de quem em Nova Iorque ou Detroit ousava projectar o futuro foi imediata: as ideias afrocêntricas de Afrika Bambaataa, o “Space is the Place” da Jonzun Crew, os techno rebels da Motown, ou os deep funk explorers Digital Underground tinham todos dívidas em diferentes graus para com a figura, as ideias e até a música do líder da Arkestra. A imposição nas décadas seguintes de noções de afro-futurismo nunca aconteceu fora da esfera de influência de Sun Ra e tributos directos, senão em nome, pelo menos nas práticas, por parte de gente como Madlib, Sa-Ra Creative Partners, Ras-G, Flying Lotus, Shafiq Husayn, Hieroglyphic Being ou Shabazz Palaces deixa claro que o espaço que o mais famoso nativo de Saturno continua a preencher no mapa da electrónica contemporânea é generoso e entusiasmante.

A seguir, lista-se seis tributos directos pela via do sampling à música do eterno líder da Intergalactic Space Arkestra.

 


 

 

[QUASIMOTO] a samplar “Astro Black”

Madlib é provavelmente um dos mais nítidos e directos herdeiros de Sun Ra no terreno hip hop: as suas constantes explorações dos domínios mais abstractos do jazz em projectos como Yesterdays New Quintet, Young Jazz Rebels ou The Last Electro-Acoustic Space Jazz & Percussion Ensemble, para nomear apenas três das suas entidades de fantasia, são obviamente informadas pelo estudo atento da obra de Ra impressa em vinil. E neste tema produzido para o seu alter-ego Quasimoto em 2000, “Astro Black”, sampla-se não apenas som de um álbum de 1972, mas também o espírito projectado no cosmos que ilumina a ideia de afro-futurismo.

 


 

[MADVILLAIN] a samplar “Contrast”

Sun Ra com a sua Astro Infinity Arkestra em 1971 mostrava-se capaz de produzir um glorioso e celestial ruído. Madlib terá encontrado este disco enterrado no tempo algures num bin de Los Angeles e resgatou-o para usar no projecto Madvillain que dividiu com Doom em 2004: trata-se de um dos mais importantes projectos de hip hop underground deste século, disco em que duas cabeças procuram claramente redefinir os limites da sintaxe que sustenta os seus discursos – no sampler, um, no microfone, o outro. Pensar em Ra a guiar este devir exploratório para terras não mapeadas nas regiões mais remotas da galáxia hip hop não pode deixar de colocar um sorriso nos lábios até ao céptico mais empedernido.

 


https://www.youtube.com/watch?v=DH6GrJNFaxA

 

[THE AVALANCHES]samplar “Say”

O mosaico de colagens que os Avalanches criaram no ainda insuperável Since I Left You de 2000 tem resistido ao tempo qual obra-prima arquitectónica do período bizantino: plena de mistério, de beleza, de luz, de complexidade na sua miríade de pedaços sónicos colados com arte num quadro muito maior. Aqui, os australianos injectam caos sónico num coro celestial, como quem desenha a essência do cosmos a golpes de sampler e vinil, aproveitando um registo de Sun Ra de 1980, Strange Celestial Road, que no Reino Unido mereceu edição na mesma Y Records de gente como Pigbag, Maximum Joy, Pulsallama ou Shriekback que procurava na pista de dança a mesma epifania cósmica que inspirava Ra nos palcos jazz do universo.

 


 

[DEATH GRIPS]samplar “Space is the Place”

Space is the Place não é apenas um dos mais emblemáticos registos de Sun Ra que é, ao mesmo tempo, título do psicadélico filme que o seu biógrafo John F. Szwed descrevia como “parte documentário, parte ficção científica, parte blaxploitation, parte épico bíblico revisionista”. É igualmente um misto de manifesto e mantra que com apenas quatro palavras descreve toda a filosofia que animava a obra de Ra. O arranque do disco que a Blue Thumb editou em 1973 parece ser feito com um qualquer distante pulsar radio-eléctrico captado em tempos por uma das estações terrestres que neste momento se agitam com a possibilidade de descoberta de vida inteligente extra-terrestre e é depois injectado numa extrema equação sónica pelos Death Grips (foi igualmente samplado por DJ Shadow para um épico intro dos Unkle numa colagem de inúmeros elementos com que se procurava desenhar um mapa aural das influências do projecto que iam do jazz cósmico de Ra aos breaks terráqueos da Incredible Bongo Band).

 


 

[FLOATING POINTS]samplar “Lanquidity”

Lanquidity que Sun Ra editou em 1978 é um dos seus objectos discográficos mais apreciados pela geração electrónica, precisamente devido ao seu uso generoso de teclados eléctricos e electrónicos, como o Fender Rhodes, o Arp ou o Minimoog. É por isso igualmente um dos mais transparentes e acessíveis títulos do seu catálogo. Floating Points, activo membro da geração wonky que, precisamente, procurou dobrar os conceitos de linearidade a uma imaginação mais livre no campo da produção electrónica, abordou esse álbum de Ra numa discreta criação escondida no lado B de um single de 2009.

 


 

[AFRICA HITECH] a samplar “When There is No Sun”

Curioso que os Africa HiTech dos reconhecidos viajantes espaciais Mark Pritchard (Harmonic 313, Jedi Knights, Global Communication, etc) e Steve White (Spacek, Beat Spacek) samplem uma voz de um tema de um álbum de Sun Ra em quarteto com John Gillmore como solista, New Steps, gravado em Itália em 1978, em que se ouvem as palavras “light the way“. Porque é exactamente disso que se trata: de uma mente generosa e brilhante que continua a guiar o caminho a novas gerações como um farol.

pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos