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Texto: Vera Brito
Fotografia: Hugo Rodrigues
Publicado a: 06/07/2019

Mechelas, Jeffery, Kappa Jotta e THEY. no menu do primeiro dia do festival ericeirense.

Sumol Summer Fest 2019 – Dia 1: momentos irrepetíveis e um tsunami chamado Young Thug

Texto: Vera Brito
Fotografia: Hugo Rodrigues
Publicado a: 06/07/2019

Chegados à Ericeira, depois de atravessar a grande Lisboa em hora de ponta, onde todos se apressam para o tão desejado fim-de-semana, somos recebidos com um mar sem fim e um sol providencial que nos aquece a pele e o espírito. Respiramos com alívio a fresca brisa marítima atlântica, que mais tarde se iria diluir nos habituais aromas de festival de Verão, gratos por deixar o bulício citadino lá atrás. Gostaríamos de poder dizer à rapariga, que faz inquéritos pelos transeuntes, que a nossa pegada ecológica para aqui chegar foi a menor possível, mas as vias de acesso ao Camping da Ericeira, disponibilizadas pela organização, não oferecem de facto grandes alternativas aos transportes particulares. No entanto, percebe-se que há uma preocupação ambiental neste Sumol Summer Fest, com os já habituais copos reutilizáveis e ecopontos móveis que circulam pelo recinto nas costas de elementos do staff.

Com ligeiro atraso, Kappa Jotta abriu o palco principal desta edição e, em poucos minutos, a plateia, algo dispersa antes do concerto começar, compacta-se de corpos que vão acedendo ao chamamento de DJ Maskarilha, com beats de Slow J, “Canal 115” e outros bangers do hip hop português. Cedo percebemos que o lugar por nós escolhido para ver o concerto do rapper da Linha C, com algum conforto e segurança, não foi o suficientemente longe dos entusiasmos das filas dianteiras e os moshpits abrem linhas até nós, empurrando-nos contra a tenda da mesa de som. Ninguém parece ter escolhido este horário para ir jantar e Kappa Jotta agradece, emocionado, a presença em massa (o concerto de THEY. acabaria por ser uma melhor opção para uma pausa para reconfortar estômagos, como pudemos confirmar).

Num dia que ficaria sobretudo marcado pelo desfile interminável de convidados que levou a palco, Kappa Jotta fez-se também acompanhar pela sua família good fellas good music (a sua nova label, segundo nos avança em exclusivo): Bad Tchiken e Amaro acompanharam o rapper em “Tentação”, “DPDC”, “Off Set” e outros hits seus que estão na ponta da língua da juventude ao nosso lado, capaz de reconhecer cada som aos primeiros segundos de beats. De voz rasgada e ácido nas barras foi, no entanto, Kappa Jotta quem proporcionou o “momento ternura” do dia, quando levou a palco a filha para o acompanhar em “Fala a Sério” – é impossível não sorrir ao ouvir uma voz de 5 anos cantar: “lega lega legalize, free smoke nunca nite”.

Pequena pausa para arrumar o palco para os THEY., já que não existem sobreposições de bandas neste Sumol Summer Fest em que a noite cai e a temperatura arrefece. Não se esperava que coubesse ao duo de L.A. aquecer o ambiente, na verdade os nossos olhos já estavam postos nos concertos de Sam The Kid e Young Thug mais à frente, assim como também não se esperava um concerto consistente. Quem já passou os ouvidos pela discografia de Dante Jones e Drew Love sabe que o duo americano é uma amálgama, pobremente conseguida, de hip hop, r&b, pop e até algum rock, que oscila entre momentos que procuram ser mais intimistas, como “18 Months”, relato de um final uma relação, “Pops”, dedicada ao seu pai, como nos diz Drew Love sentado a meio do palco, enquanto Dante Jones recua aos teclados, e momentos de maior explosão como “What You Want” que abriu o set. E, pelo meio, muita voz pré-gravada, que torna difícil perceber quanto do que estamos a ouvir é de facto ao vivo.

Chegada a hora de um dos momentos mais aguardados deste Sumol Summer Fest desde que Sam The Kid anunciou que este ano iria levar à Ericeira o seu último trabalho, Mechelas, com todos os convidados que participaram nas suas 18 faixas. Na teoria parecia ser o spot perfeito para este momento acontecer, a ligação e a primazia dada pelo festival ao hip hop português já vem de longa data — foi lá que se desenrolou, em 2017, o primeiro capítulo d’A História do Hip Hop Tuga, que este ano encheu a Altice Arena para uma segunda edição. Na prática, no entanto, pareceu-nos que o bairro de Chelas poderia ter sido melhor recebido num contexto que não fosse de praia, diversão e alguma inconsciência. Vimos um público por vezes algo apático e até confuso com todos os convidados que iam entrado e saindo a cada música, fazendo-nos crer que nem todos terão lido as letras pequenas do cartaz que explicavam o conceito deste concerto em particular. Também não ajudaram os vários problemas técnicos de som, que cortaram a voz a Blapsh e a Phoenix RDC, obrigando-os a repetir as músicas, algo que não contribuiu para o sucesso da noite.

Já a meio do concerto, Samuel Mira tenta tomar o pulso à plateia e pergunta: “Vocês estão a curtir isto? Isto aqui hoje é uma cena diferente e especial. Vocês nunca mais vão ver isto na vida.” E nós temos consciência de que dificilmente será possível voltar a reunir tanta lusofonia diferente num mesmo sítio, como um mesmo objectivo — agendas, logística e timing são factores que tornaram o concerto de ontem um acto único e irrepetível. Quando no final todos os convidados sobem ao palco para acompanhar Sam The Kid em “Sendo Assim”, impressiona a família ali reunida, um rol enorme de nomes que preferimos não mencionar nesta reportagem, pela possibilidade de nos esquecermos de algum. E o entusiasmo com que todos recebem esta última faixa a solo é prova de que há muita sede por música nova do rapper de Chelas, que Mechelas não conseguiu saciar. Mas “a cena” é mesmo assim, só sai “sem pressões”.

Jeffery Lamar Williams, mas conhecido por Young Thug, veio à Ericeira para espalhar estranheza e dar muito trabalho aos seguranças do festival. Os relatos que nos chegam das linhas da frente dão conta de dezenas de pessoas que tiveram de ser retiradas das grades, ao serem literalmente esmagadas por uma turba ensandecida de hormonas e outros elementos mais recreativos. Do primeiro andar da bancada Sumol é possível perceber ainda melhor a dimensão do que está acontecer: avalanches de moshpits varrem a plateia em direcções desgovernadas sem que o rapper de Atlanta incite propriamente a que tal aconteça, aliás, um dos momentos mais hilariantes aconteceu quando Young Thug mandou calar um entusiasmado grupo de fãs mais à frente, repetindo calmamente sucessivos “shut ups”, sem grande resultado. Algo indiferente a todo este fervor, o rapper vai debitando música atrás de música no seu mumble rap, enquanto vídeos bizarros com gráficos garridos capazes de ferir a visão vão passando nos três ecrãs do palco, não sendo particularmente comunicativo, já que nem o precisa de ser, pois o público recebe cada som com a mesma intensidade. “Esta talvez não conheçam…”, atira antes de “The London”, editada há semanas — errado, claro que todos conhecem e todos cantam. Se isto foi assim ontem, só nos resta imaginar o tsunami que um concerto seu num espaço maior poderia provocar. Alguém sabe quando a Altice Arena estará livre?


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