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Publicado a: 24/04/2017

Steve Lacy, iPhones e “PRIDE.”

Publicado a: 24/04/2017

[TEXTO] Samuel Pinho [FOTO] Direitos Reservados

Desde sempre – embora cada vez menos – se conota o avançar da idade com (mais) elevados níveis de maturidade, engenho mais aguçado e maior consciência de nós mesmos e do meio que nos circunda. Não é certo que o idoso possua mais talento que o jovem: é uma possibilidade forte, nunca uma certeza. Por outro lado, é-nos muito mais custoso assumir que o miúdo possa ter mais skill que o adulto. Parece-nos estranho, contra-natura.

Invariavelmente, a idade é um posto. É frequente que se conote o benjamim de um grupo como o menos consciente, e consequentemente, mais afastado da realidade. Se em determinadas áreas tal ideia começa, lentamente, a ser refutada por via de exemplos práticos, no campo musical há muito que foi rejeitada veementemente. O paradoxo explica-se facilmente: no desporto, nas artes ou na música, dá-se o caso de os intervenientes serem cada vez mais novos e nem por isso se tem presenciado um decréscimo na qualidade exibida. No que ao hip-hop concerne, o mais recente exemplo disso dá pelo nome de Joey Bada$$: com apenas 22 anos, conta com 2 álbuns lançados, níveis de social awareness indiscutivelmente altos e dificilmente escapará às diversas listas de melhores MCs do jogo. Prova dada de que nem sempre temos na tenra idade, fraco desempenho.

 



Ao que aqui nos traz hoje: o que fazíamos/fazemos com 18 anos? Muitos já poderão ser promessas da bola, outros prodígios da consola ou até mesmo experts em programação. Se exceptuarmos Steve Lacy, ninguém poderá dizer que já entrou num disco de Kendrick Lamar. Não escreveu, não rimou, não desenhou: compôs. E não conformado com o feito, fez mais. Ou melhor, fez tudo com um iPhone. A história espantou a Internet na mesma semana em que o álbum de K.Dot a partiu ao meio. Um miúdo com 18 anos esteve envolvido na composição de “PRIDE.”, sem sequer usar meios técnicos avançados.

Ainda que a colaboração com o autor de DAMN. o tenha catapultado para a ribalta, o percurso de Lacy iniciou-se um pouco antes. É membro dos The Internet desde 2015. Ego Death, álbum em que – entre outras coisas – produziu e compôs, foi nomeado para o Grammy de Best Urban Contemporary Album. Numa tradução tudo menos literal, digamos que é um reconhecimento reservado à música que soa distinta de tudo o que já se ouviu.

 



Depois de ter produzido para J. Cole em 4 Your Eyez Only e ter contribuído com beats para os álbuns a solo de Syd e Matt Martians (companheiros de banda, The Internet), lançou em Fevereiro do ano corrente o primeiro trabalho a solo: Steve Lacy’s Demo.

A mescla de melodias harmoniosas faz lembrar o singular estilo de Mac DeMarco – o típico tom lamurioso – num r&b capaz de embalar até o mais ferrenho adepto de rap. Pelo caminho, ainda colaborou com GoldLink em “Some Girl”, faixa presente no último álbum do rapper de Washington.

O denominador comum a todos os sons por ele criados, sejam colaborações pontuais ou um projecto em nome próprio, é só um: o iPhone 6 – com pouco mais de 5 polegadas – onde tudo constrói e tudo armazena. Para o efeito, apenas utiliza a sua guitarra pessoal, um iRig – dispositivo de pequenas dimensões que permite conectar o instrumento de cordas ao iPhone – avaliado em pouco mais de 40€, a app GarageBand e uns headphones. É – desde sempre – este o seu work setup; agora, aos 18 anos, a dificuldade passa por conseguir mantê-lo.

 



Com a fama e os crescentes contactos no mundo da música, abundam os estúdios que se querem associados ao miúdo prodígio, oferecendo-lhe todas e mais condições para que lá produza, cante ou faça beats. Contudo, Steve é peremptório na recusa: nada substitui a portabilidade e acessibilidade do seu pequeno conjunto de ferramentas, que diz não trocar por nada. Não tivesse sido isso mesmo a juntá-lo a K-Dot: vendo-se no mesmo estúdio que Kendrick e Anna Wise, foi célere a aceder aos “instrumentos” e a criar a melodia que conquistou o rapper de Compton. Mais tarde, foi-lhe pedido que deixasse o número de telefone para contacto posterior. E assim nasceu “PRIDE..”

 


“gosto de poder fazer música, onde quer que esteja”


Lacy esforça-se por inscrever no seu modus operandi uma mensagem subliminar: quer que não deixemos de produzir por falta de meios, liderando pelo exemplo. Pelo menos no que a empenho e entrega concerne, mesmo que sem as condições ideais no início, este pequeno produtor já deu uma lição ao mundo da música.

 


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