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Fotografia: Ricardo Alves
Publicado a: 23/07/2020

Os homens e as máquinas.

Stereoboy: “Neste disco quis que o gesto físico correspondesse ao gesto musical”

Fotografia: Ricardo Alves
Publicado a: 23/07/2020

O novo álbum de Luís Salgado, Kung Fu, saiu em Abril através de uma joint venture das editoras Cão da Garagem e Dirty Filthy Records. O projecto evoluiu desde OPO e das suas incursões mais serenas onde se fazia acompanhar por vozes femininas. Neste registo, à vontade de “levar quem ouve a entrar num mantra e viajar pelo som” juntou-se um corpo rítmico composto por João Pimenta e José Marrucho.

Este “combate de opostos entre o imersivo e o dançável” vai ser apresentado a 26 de Julho no Passos Manuel, no Porto, num espectáculo que também marca o regresso aos concertos desta casa.



A tua música tem uma intenção meditativa vincada, clara logo ao início de “Yip Man” e que faz parte do ADN do projecto. Enquanto Stereoboy, procuras alguma meditação quando compões? É um acto terapêutico para ti?

Compor e tocar ao vivo são por si só actos terapêuticos para mim. Acho que é o motivo principal pelo qual faço música. Quanto à característica meditativa da projecto, diria que procurei criar composições que tivessem uma componente imersiva, que levassem quem ouve a entrar num mantra e viajar pelo som. Quando vejo alguém de olhos fechados a ouvir-me fico logo contente, mais do que se estivesse a dançar.

Por outro lado, o teu drone é também rítmico. Em “Kung Fu”, trazes o João Pimenta e o José Marrucho, na bateria e nas percussões, respectivamente. Tiveste diversos colaboradores ao longo dos anos, mas ainda não uma secção rítmica com este peso. O que te levou a convidá-los?

Em primeiro lugar, foi por nunca ter tido humanos a trabalhar no ritmo, somente máquinas. Neste disco quis que as componentes humana e física estivessem muito presentes. Queria que o gesto físico correspondesse ao gesto musical, que o orgânico se misturasse com o digital. 

Fui buscar o João Pimenta porque conhecia o trabalho dele com os 10 000 Russos e interessava-me ritmicamente ter uma pulsação kraut, repetitiva, para criar o tal mantra. Depois, quis acrescentar à bateria sons mais industriais, como chapas e bidons. O José Marrucho, que vem do jazz e é bastante virtuoso, conseguia complementá-la, fazendo subtilezas rítmicas e usando material timbricamente bruto. Basicamente, tudo é um “combate” ente opostos, o orgânico e o digital, o repetitivo minimal e o virtuoso, o imersivo e o dançável.

A tua tracklist conta com: “Yip Man”, “Li Shuwen”, “Shang Yunxiang” e “Sun Lutang”. Todos eles são lutadores ou relacionam-se com artes marciais. Porquê esta escolha, que também se relaciona com o título do álbum, Kung Fu?

Quando iniciei as maquetes, não queria nada que o disco fosse conceptual. Queria apenas experimentar e juntar sons segundo as respectivas plasticidades. Ao ir para a sala de ensaios com os músicos, o João Pimenta trouxe uns triggers para a bateria. Em espírito de experimentação, resolveu ligá-los a um banco de sons de filmes antigos de kung fu. Quando tocava numa das peças da bateria, disparava um som desse banco. Juntando a isso, as formas que os temas iam ganhando no decorrer desta experimentação, lembrei-me de Kung Fu para o nome do disco. Fiz uma pesquisa e, descobrindo esses quatro mestres, os temas começaram a ser moldados segundo as suas características enquanto lutadores ou certas histórias suas mais curiosas. De um ponto de vista técnico, as composições, quando têm partes tonais, também andam à volta de escalas pentatónicas, que remetem muito para o Oriente.

Podes-me dar um exemplo dessa relação entre as características dos mestres e o processo de composição?

A família do Sun Lutang conta a história de que ele descobriu através do Yi Jing (Livro das Mutações) a data e a hora a que ia morrer. Quando chegou esse dia, deixou de se alimentar e entrou em estado meditativo. Abriu os olhos três vezes, nas duas primeiras para perguntar em que dia estava e na terceira para dizer adeus e morrer. A peça representa essa história musicalmente, e encerra o disco.

Há quanto tempo não tocavas? E como te sentes em voltar aos palcos, ainda para mais com este novo formato de trio?

Não editava nada há uns sete anos. Com esta formação, antes do disco estar composto, fizemos um concerto no Festival Vivarium em 2019, que teve também o Tim Hecker e o Proc Fiskal, e mais recentemente um concerto privado para 40 pessoas nos novos estúdios Arda, no Porto. Mas, oficialmente, é a primeira apresentação “a sério” desta formação. Queríamos muito tocar mais, mas os vários concertos que tínhamos agendados foram cancelados ou adiados. O disco foi gravado ao vivo, por isso esta formação funciona muito bem em concerto e a viagem é muito bonita.


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