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Fotografia: Gabriela Moura
Publicado a: 14/11/2022

O som, o espaço e as dinâmicas acidentadas.

Starlight Festival 2022: as longas noites electrónicas no deserto de Marrocos

Fotografia: Gabriela Moura
Publicado a: 14/11/2022

Para onde foi o silêncio? Acorda-se no meio do deserto marroquino e a expectativa é a ausência de ruído. Talvez essa seja a verdade absoluta na experiência de muitas pessoas, mas não foi esse o nosso caso. Durante a passagem pelo Selina Nomad Camp Agafay, a música foi uma constante (a excepção foi a primeira noite, mas já lá iremos), principalmente durante os dias 28, 29 e 30 de Outubro, altura em que aconteceu a mais recente edição do Starlight Festival

A chegada antes do início das prometidas (e longas) festas permitiu conhecer um espaço ocupado por várias famílias e um ambiente diferente do que se faria sentir depois. Dando-se uma volta rápida, o encanto total não demorava a chegar: para além das duas piscinas para serem utilizadas por todos (uma delas localizada entre o restaurante e o palco onde DJs brilhariam mais tarde) e dos elegantes quartos (alguns, os mais luxuosos, tinham mesmo pequenas piscinas privadas em frente), a localização deixava-nos de frente para as montanhas do Atlas – e, ao longe, podíamos avistar passeios de camelos ou grupos a testar as velocidades das suas motas. Dali, naquele ponto, a sensação era a de estarmos num cenário de um filme em que a realidade e a imaginação se misturavam sem que fosse possível dizer onde começaria uma e acabaria a outra.

Na primeira noite, a 27 de Outubro, a única fora das portas do terreno explorado pelo Selina, a paragem foi no elegante Les Jardins Du Lotus, em Marraquexe. Não deu para explorar a cidade – essa foi a experiência mais duradoura por lá durante estes dias – porém, deu para testemunhar em primeira mão o caos do trânsito (e pouco mais) até à chegada ao restaurante/bar. Continuando na ideia de estarmos dentro de uma qualquer longa-metragem, a entrada só ajudou a alimentar isso: entre becos e vielas, vários seguranças e uma ou outra estrutura em decadência, só no final perceberíamos que o belíssimo “jardim” era mesmo real e não uma qualquer miragem marroquina. A pré-festa decorreria sem percalços de qualquer tipo e serviria de antecipação para os dias seguintes, até pela escolha de DJs (Mishell apresentar-se-ia ali e no acampamento). 

O ambiente era claramente de celebração e havia uma outra razão para além das óbvias: a empresa que ergueu um pequeno império de hotelaria apontado aos nómadas digitais acabara de passar a ser cotada em bolsa, um marco que claramente alimentou o espírito das festividades. 

Ainda antes do último set terminar, e depois de um dia longo, o merecido regresso a Agafay aconteceu durante a madrugada. Por lá, as estrelas espalhadas pelo céu limpo receberam-nos no meio do deserto e serviram como necessário estímulo final antes de entrarmos de cabeça nos dois dias de música sem parar que nos esperavam. 

Para quem decidir ir para Marrocos e passar uns dias neste sítio em particular, a oferta vai dos conhecidos passeios de camelo às subidas aos céus em balões de ar quente, passando por massagens ou aulas de yoga. Para quem se quiser cingir simplesmente a comer (e as tajines de cordeiro e de frango foram particularmente marcantes), beber e dar uns mergulhos numa das piscinas (ou aproveitar para adiantar a leitura de DJ Screw: A Life in Slow Revolution à beira de uma, como foi o nosso caso), podemos garantir aqui que também não sairá defraudado, principalmente se for nesta época do ano: as temperaturas eram altas e o bafo quente sentia-se até durante a noite e madrugada dentro.  



À medida que o dia (neste caso o 28 de Outubro, para não nos perdermos) ia avançando, a moldura humana ganhava maior definição, e o que víamos era uma mistura de roupas de um universo onde o festival Coachella e o filme Mad Max seriam linguagem corrente de moda – e também havia uma propensão qualquer para se usar roupa (ênfase nos chapéus) que fazem alusão à “police”. No som, Laroz estreou o palco (que tinha uma estrutura que homenageava e fazia alusão à mulher nómada) e Toto Chiavetta encerrou-o muitas horas depois, já perto das 9 da manhã, com “El Santo” a ser uma das músicas escolhidas para ver o sol sair detrás das montanhas. Pelo ar e a energia dos muitos presentes a essa hora, a experiência terá sido transformadora para grande parte deles. Para outros, estava na altura de tomar o pequeno-almoço e começar um novo dia. 

As nacionalidades eram muitas, mesmo que a maioria fossem marroquinos e israelitas, podendo-se encontrar várias pessoas de Portugal (para além de nós), Canadá ou Grécia (estes eram os sítios de origem de algumas pessoas com quem cruzámos caminhos). Com o alojamento esgotado durante o festival, as diferenças entre dia e noite notaram-se mais a 29 de Outubro: as famílias mais presentes no horário diurno e os ravers aproveitavam a luz para descansar para as longas noites (onde, para além dos sets, existia um mercado com diferentes bancas de roupas ou até espaço para se ser maquilhado por profissionais – e, se tivessem sorte, encontros fortuitos com os gatos que por lá andavam). 

Falando um pouco da música, os DJs de serviço (de Elisa Elisa, a única mulher na programação, a Roman Flügel, que já actuou no Lux Frágil ou no NOS Primavera Sound) apresentaram-se sem grandes tribulações e navegaram pelas suas selecções com diversos apontamentos a diferenciá-los, que iam de marimbas e sintetizadores agitados a incursões vocais que remetiam para o imaginário árabe, mantendo-se sempre o kick forte a guiar a festa do primeiro ao último segundo – e tudo dentro (ou muito perto) dos universos do house, do techno e do electro que tanto puxavam para o um lento transe como para a dança sem controlo. Os fãs do Boom Festival ou do Brunch Electronik Lisboa sentir-se-iam em casa.

Algumas das faixas que por lá ouvimos:

De dia – “Man O To (Be Svendsen Remix)“, “Scarecrow“, “Last Chance“, “Born and Raised (Be Svendsen Remix)” ou “Mogoya” — e a voz de Bonga chegou a ecoar através do sistema de som no restaurante/recepção;

De noite – para além da já mencionada “El Santo”, “Luz Del Sol“, “Mariposa (Bedouin Remix)“, “Mana Yero Koy (Musumeci Remix)“, “Ride Like The Wind (Joey Negro Extended Disco Mix)“, “Yeke Yeke“, “Can’t Get You Out of My Head (Extended Mix)“, “Lies“, “Que Ritmo“, “Mamasota” ou “Dusty Palace“.

Uma bolha que nunca rebenta. Quando arrumamos as malas no final da manhã de domingo, 30 de Outubro, para voltar a casa, o pensamento passa por essa questão de estarmos, de certa forma, numa realidade condicionada e no quão necessário se torna um regresso a Marrocos e a Marraquexe para um mergulho mais profundo nas suas diferentes nuances culturais, algo que só deu para fazer de uma maneira superficial durante a estadia no Selina Nomad Camp Agafay durante o Starlight Festival. Ou seja, este deve ser um ponto-de-paragem obrigatório quando pensarem em visitar o país, mas que seja apenas um de muitos. 


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